Mais de 120 venezuelanos morreram em protestos pela saída de Nicolás Maduro em 2017, mas ele se manteve no poder. As manifestações, agora, ocorrem em outro contexto. Os apoios internacionais não estão divididos do mesmo modo e a situação econômica piorou. Os líderes oposicionistas não são os mesmos, nem sua estratégia – dedicaram-se neste domingo (27), por exemplo, a distribuir uma lei de anistia em quartéis.
Em 2017, os protestos começaram repentinamente após uma sentença da Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça. A decisão tornava nula a imunidade dos deputados da Assembleia Nacional, de maioria opositora. Em 2019, segundo a analista Colette Capriles, eles são fruto de uma estratégia gestada há mais tempo.
"É resultado do que ocorreu na República Dominicana (a última vez que ambas as partes se sentaram para negociar). O melhor cenário para Maduro era convocar eleições, e de fato ele as adiantou. O melhor cenário para a oposição era precisamente a aposta em não convalidar as eleições e buscar fora o consenso para que elas não fossem reconhecidas."
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Ainda segundo a cientista política, o passo seguinte foi falar em não legitimidade e usurpação. Havia meses, o discurso oposicionista era este: marcar para o dia 10 de janeiro, data em que Maduro prestaria juramento, o início de uma nova etapa política. Segundo Colette Capriles, há também variáveis colaterais. "Existe um fastio, um cansaço com Maduro. Além de seus últimos discursos serem ruins e formais, não há neles compaixão ou autocrítica. Não há empatia com a situação econômica que o país enfrenta."
"São os mesmos partidos, mas parte do povo queria uma nova liderança, gente jovem que dissesse 'chega!'. Estamos todos apoiando o presidente", diz Yosbelys Noriega referindo-se a Juan Guaidó, de 35 anos, que prestou juramento como presidente em exercício na quarta-feira, em função do artigo 233 da Constituição. Esse artigo diz que o presidente da Assembleia Legislativa (no caso, Guaidó) pode ocupar a presidência da república ante a ausência total do Executivo. Ele foi reconhecido por EUA, Brasil e uma série de países, aos quais se uniram no domingo Israel e Austrália.
Yosbelys trabalha na área de saúde e diz que ali as coisas também mudaram – para pior. "Não há insumos e temos de atender os pacientes sem lhes oferecer nada. Mas isso é outra coisa que mudou: o povo despertou, perdeu o medo e, ante o abismo aberto pelo regime, escolheu a esperança."
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Yelizta Deyán, colega de trabalho, lembra da penúria econômica. "O salário não é mais nada, dá só para comprar, digamos, um quilo de queijo. Não vivíamos com fartura, mas dava para comprar o suficiente. Agora, qualquer alimento é um luxo", lamenta.
Faltam no país de 80% a 85% dos insumos hospitalares e medicamentos, segundo a Federação Farmacêutica da Venezuela. O Centro de Documentação e Análise Social da Federação Venezuelana de Professores (Cendas) calcula que uma família precisa de pelo menos o equivalente a US$ 300 para comprar uma cesta básica. Apesar de o governo ter aumentado seis vezes o salário mínimo desde o início de 2018, ele não serve para comprar nem um quilo e meio de queijo. O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que neste ano a inflação pode chegar a 10.000.000%. A Comissão de Finanças da Assembleia Nacional estima que 2018 fechou com uma hiperinflação de 1.698.488%. O regime não fornece dados oficiais.
Crise de legitimidade
Outra diferença essencial em relação a 2017 é a situação institucional. Maduro, então em meio de mandato, não enfrentava tal crise de legitimidade. Desde então, ele criou uma Assembleia Nacional Constituinte – integrada apenas por chavistas – que funciona paralelamente à Assembleia Nacional, de maioria oposicionista.
"Essa Constituinte assumiu funções do Poder Legislativo, como convocar eleições", diz o analista Luis Salamanca. Em maio de 2018, houve eleições presidenciais convocadas pela Assembleia Constituinte. A oposição, quase majoritariamente, recusou-se a participar, alegando falta de condições para se conduzir um processo transparente. Boa parte de seus quadros estava impedida pelo governo de participar. Essas foram as eleições de mais baixo comparecimento: apenas 47,07%.
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"Para a população, a mudança é algo existencial, uma questão de sobrevivência. As pessoas andavam deprimidas e a movimentação que existe hoje nas ruas é impulsionada pela necessidade de mudar que elas agora experimentam. Estavam deprimidas porque não viam uma saída, um caminho, uma meta, mas hoje isso existe", analisa Salamanca.
Há, entretanto, aqueles que acreditam que pouco mudou no discurso da oposição, como José Gregorio González, morador da populosa favela do Petare. "Continuam sendo os mesmos vendilhões da pátria. Desde 2002 (ano do fracassado golpe contra Hugo Chávez) vêm dizendo a mesma coisa, que está faltando tudo. E continuam com a guerra econômica que nos mantém afogados. E agora, com o bloqueio econômico de fora? Está pior, mais que pior."
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González diz que consegue sobreviver porque em sua casa entram quatro ordenados, mas as coisas estão mais caras. Ele conversa com Yasuri, uma mulher de mais de 50 anos que vende café, cigarros e jornais numa esquina da Praça Bolívar. "Ninguém me dá nada", afirma Yasuri, referindo-se a benefícios distribuídos pelo governo. "Tudo que tenho consegui com meu trabalho. Essa gente (a oposição) vive querendo derrubar Maduro. Guaidó é um títere dos EUA e agora quer tomar o poder para entregá-lo aos americanos", diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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