Um dia após o presidente egípcio Mohamed Mursi pedir que haja diálogo nacional no país, a oposição rejeitou ontem estabelecer negociações com o governo. Novos protestos foram convocados, e milhares partiram da Praça Tahrir em direção ao palácio presidencial, cercado desde quinta-feira por tanques, blindados e arame farpado.
Ali, conflitos iniciados na quarta-feira haviam levado a ao menos sete mortes. Ontem, porém, até o começo da noite, não havia confronto no local entre manifestantes e as forças egípcias.
Segundo a rede de tevê Al Jazeera, opositores romperam a barreira de segurança e subiram em tanques, sem ser impedidos pela Guarda Republicana e sem atacá-los.
As autoridades responsáveis pelo referendo a respeito da nova Constituição do Egito afirmaram ontem que o início da votação de expatriados será adiado de hoje para a próxima quarta-feira. A agência estatal afirma que a decisão é devida à procedimentos técnicos para que embaixadas e consulados se preparem para o plebiscito.
O anúncio, porém, foi visto como um sinal de abertura por parte de Mursi para negociações com a oposição, que exige o cancelamento do referendo do dia 15 deste mês.
Mahmud Meki, vice-presidente do Egito, afirmou que o presidente Mursi estaria disposto a adiar o referendo desde que a oposição não conteste legalmente o atraso. Há uma lei que obriga referendos a ser realizados no máximo duas semanas após serem propostos formalmente.
Violência
A oposição recusa a nova Constituição por ter tido o rascunho aprovado em movimento relâmpago de uma assembleia dominada por islamitas. Os decretos, por colocarem as ações de Mursi acima da contestação legal.
"Somos a favor de um diálogo que não seja baseado em queda de braço e na imposição de um fato consumado", escreveu o reformista Mohamed ElBaradei no Twitter.
Entrevista"Luta é pelo poder, não pela Constituição"
Marina Ottaway, especialista em Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace, em Washington
O Egito não está a caminho de uma guerra civil. Mas se a situação atual piorar, os militares que continuam sendo a grande força no país vão intervir. É o que diz Marina Ottaway, especialista em Oriente Médio do Carnegie Endowment for International Peace, em Washington. Nesta entrevista à Agência O Globo, ela afirma que a batalha campal nas ruas do Cairo entre islamistas e defensores do Estado laico não é por causa da Constituição, é por poder.
O Egito caminha para uma guerra civil?
Não, porque ainda não temos uma intervenção decisiva dos militares, o que provavelmente restauraria a ordem. O que vemos é uma situação política muito difícil. Não se trata de uma luta pela nova Constituição: é uma luta pelo poder entre islamistas e forças seculares. Se a batalha for travada com eleições, os islamistas ganham. As forças seculares tanto sabem disso que tentam parar a Constituição.
A senhora diz que a oposição secular está extremamente fragmentada. Isso significa que vão perder a batalha contra islamistas?
Parece ser o caso. Grupos secularistas se uniram agora contra Mursi, mas isso não significa que vão estar unidos numa eleição. Todos os partidos seculares juntos conseguiram apenas 30% dos votos nas últimas eleições. Acho que provavelmente vão perder qualquer batalha eleitoral.
Se conseguirem impedir o referendo, vai fazer alguma diferença?
Acho que o que a oposição tem em mente é uma nova Constituição para banir os partidos baseados na religião, o que significaria banir o Partido Liberdade e Justiça.
Alguma chance de isso acontecer no Egito?
Para isso acontecer, os militares teriam que se aliar aos secularistas contra a Irmandade Muçulmana.
O Exército pode intervir em breve na batalha política?
Acho que o Exército vai evitar tomar o poder novamente. Os militares vão evitar entrar novamente, porque isso os obrigaria a optar por um dos lados. Não estão em condições de fazer isso. Os militares provavelmente rachariam.
Há chance de solução política?
Se a turbulência piorar, provavelmente os militares vão intervir para restaurar a ordem. Pode haver um acordo no sentido de emendar a Constituição antes do referendo. Mas não acho que Mursi vai revogar inteiramente a Constituição.
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