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Uma emenda apresentada na semana passada por deputados democratas pede que o governo americano investigue se as Forças Armadas do Brasil estão interferindo nas eleições brasileiras. O projeto foi proposto por seis congressistas democratas ao Orçamento anual de Defesa dos Estados Unidos, que, até então, prevê o direcionamento de US$ 800 mil (equivalente a R$ 4,3 milhões na cotação atual) para educação e treinamento militar ao Brasil em 2023. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo alertam que proposta traz risco de interferência externa e manipulação política aos brasileiros.
O documento, que ainda passa por votação do Congresso até outubro, prevê uma punição ao Brasil que seria equivalente à resposta dada pelos americanos a países que cometem golpe de Estado ou ataques de militares à democracia. Assim, além de não receber a assistência milionária, o país poderia ser excluído da lista de aliados extra-OTAN.
“Em até 30 dias após a promulgação desta lei, o Secretário de Estado deve submeter um relatório ao Congresso sobre todas as ações tomadas pelas Forças Armadas do Brasil em relação às eleições presidenciais do país, marcadas para outubro de 2022", diz a emenda proposta pelos democratas.
Os deputados citaram quais ações de militares podem levar à retaliação: interferência na contagem de votos; manipulação para tentar reverter o resultado; participação em campanhas de desinformação para questionar o sistema eleitoral e os resultados por meio de protestos, redes sociais ou outros meios de comunicação.
Em nota, o Ministério da Defesa do Brasil disse não haver interferência dos militares nas eleições do país. "O ministério reitera que as Forças Armadas participam, a convite do TSE, da Comissão de Transparência das Eleições (CTE). Nesse trabalho, as Forças Armadas apresentaram propostas técnicas para atender ao propósito do TSE de aperfeiçoar a segurança e a transparência do processo eleitoral. A participação dos militares na CTE se dá de maneira colaborativa e segue as resoluções do TSE", diz o comunicado.
Informações vinculadas politicamente
O cientista político e internacionalista Marcelo Suano destaca que, ao ameaçar as Forças Armadas Brasileiras, não existe uma preocupação com direitos humanos por parte dos americanos, mas uma manipulação política. “Essa interferência é típica de alguém que está recebendo informações direcionadas e vinculadas politicamente”, analisa.
“Chega-se à conclusão de que as informações seriam de ministros do Supremo Tribunal Federal, apoiados por jornalistas e legisladores de esquerda, além de demais interessados em constranger as Forças Armadas do Brasil”, aposta Suano.
Além disso, o internacionalista comenta sobre o “desconhecimento da história das Forças Armadas” em relação à estruturação do país e à redemocratização.
Em outubro do ano passado, congressistas do Partido Democrata enviaram uma carta ao presidente americano, Joe Biden, pedindo a retirada do título do Brasil de “aliado extra-OTAN", concedido ao país durante o governo de Donald Trump, em 2019.
O status como aliado militar preferencial facilita a compra de tecnologia militar e armamentos dos EUA, garante a participação das Forças Armadas brasileiras em treinamentos promovidos pelo Pentágono, além de outros benefícios militares. A seleção desses países com vantagens diante da OTAN depende do interesse americano em cada momento da história.
“Os Estados Unidos acham que têm um papel de liderança no mundo. E acham que o modelo democrático deles precisa ser replicado, desconsiderando as construções sociais”, diz Ricardo Fernandes, analista de riscos da ARP Digital Consulting. Ele ressalta que essa ameaça intervencionista americana é mais forte em governos democratas, mas que essa nova emenda, no entanto, não deve causar preocupação ao Brasil.
"OTAN não é o caminho para o Brasil"
Um dos motivos é que o projeto faz parte de uma movimentação muito pequena entre os legisladores americanos, envolvendo apenas seis deputados. Além disso, ainda que houvesse uma represália ao Brasil por usar o Exército na verificação da qualidade das urnas de votação, não seria uma punição grave para o país.
“Não vejo uma dependência exclusiva dos EUA para a compra de equipamentos. Existem outros países. E não acho que o caminho do Brasil seja a OTAN”, comenta Fernandes, que também é especialista na aliança militar.
“A Organização do Atlântico Norte foi desenhada inicialmente para os Estados Unidos defenderem a Europa”, destaca. Agora, a aliança muda de estratégia, dizendo que o objetivo é defender os valores democráticos ao redor do mundo. “Assim, a OTAN vai arrastar os europeus para tudo quanto é guerra. Isso não vale a pena para o Brasil”, conclui o analista.