A organização internacional Human Rights Watch fez um pedido à Justiça argentina para que prenda o príncipe saudita Mohammed bin Salman, quando este desembarque na Argentina nos próximos dias para participar do G20 — que ocorre na cidade nos próximos dias 30 de novembro e 1 de dezembro.
O pedido se baseia em alegações de que o príncipe teria cometido abusos durante a intervenção militar no Iêmen e de que estaria envolvido no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.
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A causa já foi acolhida pelo juiz federal Ariel Lijo, que cuidará do caso a partir desta terça (27).
A vinda de Mohammed bin Salman já estava sendo alvo de questionamentos ao governo argentino. O chanceler argentino, Jorge Faurie, disse estar ciente das reclamações, mas que o príncipe era um representante de um país do G20 e assim deveria ser tratado.
O Human Rights Watch também está tentando fazer uma ponte com organizações de direitos humanos na Argentina para pressionar a Justiça.
Por outro lado, já havia partido do príncipe um convite para encontrar-se com o presidente da Turquia, Recep Erdogan, sobre o caso — Khashoggi foi morto na embaixada saudita em Istambul.
“Mohammed bin Salman precisa saber que ele pode sofrer um processo criminal se ele se aventurar a viajar até a Argentina”, disse ao jornal The New York Times Kenneth Roth, diretor-executivo do Human Rights Watch.
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“A presença do príncipe herdeiro na Cúpula do G20 em Buenos Aires poderia fazer dos tribunais argentinos uma via de reparação para as vítimas de abusos incapazes de buscar justiça no Iêmen ou na Arábia Saudita”, afirmou Roth.
A constituição da Argentina reconhece a jurisdição universal para crimes de guerra e tortura. Segundo a Human Rights Watch, isso significa que as autoridades judiciais do país têm poderes para investigar e processar esses crimes, independentemente de onde foram cometidos e independentemente da nacionalidade dos suspeitos ou de suas vítimas. “Os casos de jurisdição universal são uma parte cada vez mais importante dos esforços internacionais para responsabilizar os culpados por atrocidades, proporcionar justiça às vítimas que não têm mais para onde recorrer, impedir futuros crimes e ajudar a garantir que os países não se tornem refúgios seguros para os violadores de direitos humanos”, afirmou a organização de direitos humanos.
Protestos no mundo árabe
Os líderes árabes geralmente não precisam se preocupar muito com manifestantes quando visitam seus vizinhos. Há muito tempo existe uma espécie de código informal para não permitir críticas a nações parceiras e seus chefes de estado, a menos que algum tipo de disputa esteja acontecendo.
Após as revoltas pró-democracia da Primavera Árabe e as subsequentes repressões generalizadas, isso ainda é válido – com algumas exceções. Uma delas é a Tunísia.
No país do norte da África que derrubou o ditador de longa data Zine el-Abidine Ben Ali, a liberdade de reunião e expressão permanece intacta, e assim as pessoas puderam dizer que não estão entusiasmadas com a visita do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman.
O governante de fato da Arábia Saudita foi ligado por agências de inteligência à morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi em 2 de outubro no consulado saudita em Istambul. Embora admitindo que o assassinato ocorreu, os sauditas negaram que os altos escalões do governo estivessem envolvidos, insistindo que a decisão de matar o colunista do Washington Post e crítico da liderança saudita foi tomada no local pelo chefe de um grupo de 15 homens.
Antes de Mohammed participar da cúpula do G20 na Argentina neste fim de semana, ele visitou vários países árabes, incluindo aliados próximos como os Emirados Árabes Unidos e o Egito, onde foi calorosamente recebido. Ele está programado para visitar a Tunísia na terça-feira. A viagem foi descrita como uma espécie de turnê de retorno em meio à desaprovação global do assassinato de Khashoggi.
Na Tunísia, no entanto, a Ordem dos Advogados tentou apresentar uma moção para bloquear a visita, enquanto o Sindicato dos Jornalistas divulgou uma declaração descrevendo Mohammed como um “verdadeiro inimigo da liberdade de expressão”.
Ativistas também decoraram a casa que serve como uma sede do sindicato com uma bandeira com altura de dois andares mostrando uma figura saudita carregando uma enorme serra elétrica – uma referência ao aparente desmembramento de Khashoggi.
“Não à profanação da Tunísia, a terra da revolução”, declara a faixa.
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Um pôster do mesmo tamanho, mostrando uma figura segurando um chicote, estava pendurado na sede de uma associação de mulheres. “Sem boas vindas ao açoitador das mulheres”, dizia.
Dezenas de manifestantes protestaram na noite de segunda-feira em uma avenida no centro de Túnis, onde o confronto final da primavera árabe com forças de segurança ocorreu há sete anos.
A pequena multidão protestou em frente ao teatro nacional, carregando cartazes condenando Mohammed como criminoso de guerra que não é bem-vindo na Tunísia. Havia também atores vestidos de palhaços e sauditas realizando um protesto satírico.
“A revolução tunisiana... não pode concordar em recebê-lo e permitir que ele se limpe de um assassinato”, disse Soukaina Abdessamad, do sindicato dos jornalistas, segundo a Reuters. “Vamos realizar protestos na segunda e na terça-feira”.
No dia seguinte, em meio a uma pesada segurança, centenas de pessoas marcharam pela avenida agitando a bandeira palestina, cantando contra a guerra liderada pelos sauditas no Iêmen e pedindo que Mohammed seja expulso. Muitos na multidão acenaram serras – novamente em referência ao desmembramento de Khashoggi.
Embora os números fossem relativamente pequenos para um protesto na Tunísia, o cenário contrastava com as imagens do Egito, onde o presidente Abdel Fatah al-Sissi recebeu o príncipe, e imagens com montagens das pirâmides adornadas com a bandeira saudita foram amplamente compartilhadas nas mídias sociais. Na praça Tahrir, no Cairo, o epicentro da revolta da Primavera Árabe no Egito, algumas pessoas carregando bandeiras sauditas e egípcias posaram para fotógrafos na terça-feira.