Um desastre triplo acometeu a principal ilha do Japão na tarde de 11 de março de 2011. Um terremoto de magnitude 9.0 na escala Richter, nunca antes registrado no país, atingiu a costa leste da ilha principal. Menos de uma hora depois dos fortes tremores, ondas gigantes varreram várias áreas do litoral japonês, causando 16 mil mortes e destruição de dezenas de milhares de casas, prédios e infraestruturas. Foram 241 municípios atingidos em 10 províncias. Quase meio milhão de pessoas precisaram ser evacuadas da área.
O tsunami desencadeou um terceiro evento trágico: a Usina Nuclear de Fukushima Daiichi foi inundada pelas ondas, o que causou o superaquecimento de três reatores nucleares e posterior liberação de substâncias radioativas no ar. Em função do acidente, o pior desde Chernobyl, o governo estabeleceu uma zona de evacuação no raio de 30 quilômetros da usina fazendo com que 160 mil moradores da província de Fukushima tivessem que deixar suas casas.
Não há registros de mortes causadas pelo acidente nuclear naquele dia. Cerca de 50 funcionários ficaram feridos em explosões que ocorreram nos prédios que abrigavam os reatores. Contudo, várias pessoas morreram posteriormente em decorrência da evacuação e estresse físico, especialmente idosos e pacientes que tiveram que ser transferidos das áreas de risco. Em 2018, o governo japonês reconheceu que um dos trabalhadores da usina morreu de um câncer causado devido à exposição à radiação durante os dias após o acidente.
De acordo com o mais recente relatório do governo japonês, de fevereiro de 2022, o total de mortos da tripla tragédia chegou a 19.747, incluindo pessoas que faleceram devido ao desgaste físico causado pela evacuação, trabalho excessivo, entre outras causas indiretas relacionadas ao terremoto. Mais de duas mil pessoas ainda são consideradas desaparecidas.
Desde aquele dia, onze anos se passaram e o Japão ainda precisa lidar com as consequências do desastre. Os desafios vão desde a descontaminação de áreas e o desmantelamento da usina de Daiichi até a reconstrução das cidades e o cuidado com a saúde mental dos moradores afetados.
O processo de descontaminação
Após o acidente nuclear, 12% da província de Fukushima foi evacuada. O nível de radiação na usina chegou perto de 12 mil μSv/h (microsievert por hora) em 15 de março de 2011, após explosão na câmara de um dos reatores, segundo monitoramento da Tokyo Electric Power Company (Tepco), a empresa responsável pela usina. O Sievert (Sv) é a unidade usada para medir os efeitos biológicos da radiação e a dose média a que uma pessoa está exposta é de 2,4 mil μSv por ano. Voos transcontinentais e exames diagnósticos aumentam a exposição.
A radiação diminuiu consideravelmente nos dias seguintes às explosões, chegando a 53 μSv/h na entrada principal em 25 de abril daquele ano, mas mais de 100 trabalhadores da Tepco chegaram a receber doses acima de 100 mil μSv até o fim de 2011. Na cidade de Fukushima, capital da província que fica a cerca de 60 quilômetros da usina, o nível de radiação passou de 20 μSv/h logo após o acidente.
Agora, segundo o governo local, a área restrita equivale a aproximadamente 2,4% do território e o número de moradores que não retornaram é de 34 mil, conforme dados de dezembro de 2021. Muitos recomeçaram suas vidas em outras cidades e províncias, outros não voltaram porque ainda temem os efeitos da radiação ou porque os locais onde viviam não foram liberados – uma área de 337 quilômetros quadrados, próxima à usina desativada, ainda é considerada “zona de difícil retorno”.
Em setembro do ano passado, o nível de radiação em áreas da província fora do raio de 20 quilômetros da usina estava menor do que 0,12 μSv/h, equivalente ao registrado em cidades como Londres, Hong Kong e Seul. Na zona de exclusão, a medição é mais alta: varia de 0,09 a 4 μSv/h.
Essa redução na radiação ocorre, principalmente, de forma natural. Mas o governo japonês também realizou a descontaminação de casas, prédios, florestas próximas a áreas residenciais e lavouras, a fim de remover materiais radioativos das áreas de habitação e diminuir os impactos na saúde humana e no meio ambiente.
As casas, por exemplo, foram descontaminadas com uma lavagem e remoção de sedimentos nos quintais – alguns prédios foram demolidos nas cidades mais próximas da usina. As terras agricultáveis que não haviam sido semeadas tiveram o solo superficial removido. Já nas florestas, sedimentos orgânicos foram retirados do solo e algumas plantas foram podadas.
De acordo com a província de Fukushima, foram descontaminados mais de 20 quilômetros de estradas, 12,3 mil hectares de floresta, 40 mil hectares de terrenos agrícolas, 12.376 estabelecimentos públicos e 441 mil residências. A taxa de radiação do ar nas áreas residenciais e de fazenda diminuiu 60% após a descontaminação. Nas florestas, a redução foi de 30% e nas estradas, de 44%. O trabalho de descontaminação ainda está em andamento, agora nas áreas definidas como “zonas de difícil retorno”, mais próximas à usina.
Como resultado deste trabalho, cerca de 14 milhões de metros cúbicos de solo contaminado precisaram ser armazenados. Primeiramente, o material havia sido colocado em centenas de locais próximos de onde foram removidos, em sacos plásticos especiais cercados por sacos com areia para bloquear a contaminação do ar. Em 2017, esse material começou a ser enviado à Instalação de Armazenamento Provisório, uma área de 1,600 hectares próxima à usina, onde o solo e o lixo radioativo ficarão armazenados até 2045. A expectativa é que esse trabalho seja concluído até 2022. Locais que serviram de armazenamento temporário estão sendo restaurados.
Após esse período, o governo japonês terá que transportar o solo contaminado para um local fora da província de Fukushima, que ainda não foi escolhido, para que esse material seja armazenado em definitivo. Outros tipos de lixo gerados do desastre, bem como restos de construções que foram demolidas no processo de descontaminação, também estão sendo tratados. Até metade de 2020, 480 mil toneladas haviam sido incineradas e 1,6 milhões de toneladas foram recicladas na província de Fukushima.
O Ministério do Meio Ambiente do Japão quer promover “ao máximo” a reciclagem do solo para, assim, reduzir o volume de material que será armazenado em definitivo. O solo reciclado poderia ser usado, por exemplo, em construções realizadas pelo poder público em todo o Japão, como em consertos de estradas. Mas convencer a população de que esta é uma boa ideia será outro desafio para as autoridades.
Os primeiros projetos pilotos, anunciados para a província de Fukushima, não agradaram os moradores, principalmente os agricultores da região, que ainda sofrem as consequências do desastre nuclear, a exemplo dos preços dos produtos cultivados lá, que ainda estão abaixo da média nacional e sofrem restrições de importação de alguns países.
O desafio do desmantelamento da usina
A desativação da usina nuclear de Fukushima-Daiichi também é um trabalho de longo prazo, estimado em 40 anos. O processo, realizado pela Tepco e acompanhado pelo governo japonês e agências internacionais, envolve três fases: a extração do combustível nuclear, a extração do combustível derretido nos reatores nucleares e o desmantelamento da usina.
De acordo com o relatório mais recente publicado no site do Ministério da Economia do Japão, de janeiro de 2022, a remoção do combustível (varetas contendo cápsulas de urânio) das Piscinas de Combustível Usado (PCU) foi concluída em dois dos quatro reatores da usina afetados pelo tsunami. A previsão para os outros dois é que a extração do material radioativo comece entre 2024 e 2027, e que até 2031 esta fase esteja concluída.
A Tepco também está estudando como fazer a retirada de destroços radioativos com robôs. Nas Unidades 1 a 3, onde houve explosões, o combustível e o tubo de revestimento de metal que o cobre derreteram e depois solidificaram, transformando-se em detritos de combustível. Preparativos estão em andamento para recuperar esses restos remotamente. O desmantelamento das instalações do reator é o último passo para o descomissionamento da usina.
A empresa e o governo japonês também tiveram que adotar medidas para tratar a água contaminada do sistema da usina, usada para resfriar os detritos de combustível, e armazená-la. No processo de tratamento, 62 tipos de substâncias radioativas têm a concentração diminuída a níveis internacionais recomendados para o descarte de águas residuais de centrais nucleares, com exceção do trítio, um isótopo radioativo de hidrogênio que está presente no meio ambiente e é prejudicial aos seres humanos apenas em doses muito elevadas.
Em 2020, aproximadamente 140 mil litros de água contaminada estavam sendo gerados por dia. A Tepco construiu mais de mil tanques para armazenar cerca de 1,25 milhão de toneladas de água processada no local, mas estima-se que ainda neste ano esses reservatórios atinjam a capacidade máxima. Por isso, a operadora e o governo do Japão anunciaram no ano passado que estão planejando a liberação desta água no oceano ao longo das próximas décadas.
O processo, segundo explicou à época do anúncio o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês) já foi feito anteriormente e a água será diluída para reduzir a contaminação por trítio a níveis mais baixos do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde para a água potável.
Entretanto, o plano não agradou países vizinhos, como a China e a Coreia do Sul, grupos ambientalistas como o Greenpeace, que pedem que a água só seja liberada depois que o processo de filtragem seja aprimorado, e os pescadores da região, que estão receosos de que isso prejudique a imagem da indústria de pesca de Fukushima após anos de esforços para melhorá-la perante clientes e revendedores.
Apesar dos protestos, a preparação para a liberação está em andamento. Em fevereiro deste ano, seis oficiais da IAEA e oito especialistas de diferentes países visitaram o Japão para verificar o processo de tratamento da água contaminada, observando aspectos técnicos relacionados à caracterização radiológica da água a ser descartada, os aspectos relacionados à segurança do processo e a avaliação do governo do Japão sobre o impacto ambiental radiológico. Um relatório deve ser apresentado em abril.
Esta reportagem faz parte de uma série de três matérias sobre a revitalização de Fukushima e os desafios do governo japonês após o grande terremoto e o acidente nuclear de 2011.