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Balanço

Os dois lados da América Latina

O filósofo e linguista Noam Chomsky, ícone da esquerda dos EUA e de movimentos sociais no mundo, afirmou no início do mês que a América do Sul é a região mais progressista da atualidade. A declaração foi usada para referendar as políticas e o modelo de governo dos seguidores do venezuelano Hugo Chávez.

Para analistas, os últimos cinco anos da América Latina têm balanço positivo. É por isso que os cinco principais avanços, listados abaixo, sobressaem. Porém, na visão de especialistas, os retrocessos surgem em segundo plano, como uma sombra. É um recado de que a democracia e a estabilidade de um país requerem vigilância constante.

Retrocessos

MENOS CONFIANÇA

A relação entre os países latino-americanos foi prejudicada nos últimos anos por desapropriações de empresas em solo estrangeiro, medida encabeçada por Bolívia, Equador e Venezuela. A atitude prejudica outros esforços de integração, como a criação da União de Nações Sul-Americanas, segundo a professora Larissa Ramina. O professor de Ciência Política da UFPR Ricardo Costa de Oliveira lamenta o clima de desconfiança resultante. "O Brasil não deve investir só na América do Sul, (os países do continente) não são parceiros confiáveis", diz.

IMPRENSA ACUADA

Para a Sociedade Interamericana de Imprensa, a livre veiculação de informações na região diminuiu nos últimos anos. Brasil, Argentina, Bolívia, Colômbia, Nicarágua, Honduras, Costa Rica e Guatemala vêm seguindo o exemplo do venezuelano Hugo Chávez em sua "incansável missão de humilhar oficialmente a imprensa". Empresas perderam a concessão pública e jornalistas são constantemente ameaçados de morte. Só nos últimos seis meses houve seis assassinatos: quatro no México, um na Venezuela e um no Paraguai. A instituição também salienta o uso de publicidade para premiar a "imprensa amiga" dos governos. "Aqui mesmo no Brasil, toda vez que a imprensa denuncia situações de desmando, o presidente Lula aparece com o discurso de que a mídia trabalha contra seu governo, em vez de apurar o que foi denunciado", critica o professor André Chevitarese.

DIREITOS HUMANOS EM BAIXA

Para a ONG Derechos, a impunidade é a pior constante na América Latina, onde por vezes falta até a investigação de crimes.

A Human Rights Watch situa México, Colômbia e Venezuela entre os piores na lista de indicadores humanos. O relatório do ano passado mostra o primeiro com um sistema jurídico em frangalhos, onde há tortura e maus-tratos e 40% da população carcerária nunca foi condenada. Na Colômbia, além de cometer assassinatos e manter cerca de 700 reféns nas selvas, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) usam crianças como guerrilheiros e forçam o deslocamento de civis.

A Venezuela, além de comprometer a liberdade de jornalistas e a sindicalização de trabalhadores, desfez em 2008 a Suprema Corte, que deixou de supervisionar o governo. O Brasil é criticado pelo trabalho forçado, conflitos no campo e o poder do narcotráfico.

NARCOTRÁFICO REINA

A América Latina é identificada tanto com a origem da cocaína, com a produção no Peru, na Bolívia e na Colômbia, quanto com a distribuição, com o tráfico a partir de Brasil, Venezuela e México. Nesse último, esforços vultosos como a "Iniciativa Mérida", que destinou US$ 400 milhões norte-americanos para combater os cartéis, são vistos como duvidosos quanto à eficácia, já que o México vem sendo definido como um Estado falido pelo domínio do narcotráfico.

No Brasil, a Human Rights Watch registra a ocorrência de 50 mil homicídios por ano, com destaque para os morros do Rio de Janeiro dominados por diferentes grupos do tráfico.

CONTINUÍSMO

O atual processo político da América Latina é visto como uma ameaça à estabilidade do subcontinente. "O retrocesso é devido à visão de continuísmo da Venezuela, com a ideia de mandato vitalício. Depois vêm a atitude confrontacional e a radicalização desnecessária, um fenômeno que se assemelha ao período anterior à Guerra Fria", avalia Ricardo Costa de Oliveira. A Bolívia segue com posições radicalizadas, e Argentina e Paraguai devem ser mantidos em observação, na opinião de Oliveira.

Avanços

MAIS DINHEIRO

Se a análise econômica do subcontinente for interrompida em setembro de 2008, o período a partir de 2003 reflete o boom do crescimento chinês, que elevou a demanda e o preço das commodities ao redor do mundo. Quem não surfou nessa onda foi o México, que perdeu espaço para a China como provedor de bens. "Com o avanço das exportações chinesas para os EUA, o México, que desde a criação do Nafta virou um departamento de produção do país vizinho, recebeu uma cotovelada", diz o professor do instituto de Economia da Unicamp Wilson Cano. Já Venezuela, Bolívia, Brasil e Equador se beneficiaram muito com a valorização de suas exportações. Com a crise, a previsão da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) é que o crescimento regional passe dos 4,6% registrados em 2008 para 1,9% neste ano.

EMPREGO EM ALTA

Com mais dinheiro, há mais investimento e mais trabalho. Em 2008, o desemprego caiu na América Latina pelo quinto ano consecutivo, fechando em uma média regional de 7,4%. A previsão é que sejam criados, mesmo com a crise, entre 1,5 milhão e 2,4 milhões de postos de trabalho em 2009. A especialista em emprego da OIT no Brasil Janine Berg salienta que, se os últimos cinco anos foram muito bons, deve-se muito ao Brasil, cuja população economicamente ativa representa 40% do total da América Latina.

SAÚDE DEMOCRÁTICA

No embalo do aumento da renda, a saúde da população melhorou. Fica bem visível na transformação gradual da "pirâmide demográfica", em que havia muitas crianças na base e poucos idosos em cima, para um formato cada vez mais cilíndrico, com o grosso da população entre os adultos. Na Venezuela, destaca-se a experiência com médicos de bairro ("Barrio Adentro"), que já leva atendimento básico a 89% da população. Entre o controle de doenças, destaca-se o trabalho preventivo da aids no Brasil.

INDICADORES SOCIAIS

Entre os avanços que se percebe nos indicadores sociais do subcontinente, o historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro André Chevitarese destaca a queda do analfabetismo. Até o ano que vem, todos os países devem baixar sua taxa de analfabetismo em relação a 2005, com exceção de Honduras e Nicarágua. Barbados, Bahamas, Antilhas devem manter índice estável. Programas governamentais como o Bolsa Família, no Brasil, "aprofundaram o benefício de reformas econômicas de governos anteriores", na opinião de Chevitarese. Em 2008, a Venezuela chamou a atenção ao passar da 74ª posição para 61ª. O subcontinente tem nove países na lista dos 75 melhores Índices de Desenvolvimento Humano do planeta. O Chile é o primeiro, na 40ª posição. O índice inclui expectativa de vida, nível de instrução e renda.

BOM PARA A AUTOESTIMA

Por mais questionáveis que sejam quanto aos resultados, medidas populistas como a expulsão de embaixadores americanos por Venezuela, Bolívia e Equador contribuíram para o sentimento de autoestima da população desses países. Com trabalho mais estruturado, o Brasil procura conquistar novos espaços no mundo, com ênfase para a vaga no Conselho de Segurança da ONU. "Estamos construindo paulatinamente uma ordem jurídica internacional de poder menos concentrado", diz a professora de Relações Internacionais da UniBrasil Larissa Ramina.

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