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A Estratégia de Segurança Nacional de Trump é marcada por uma diferença drástica dos planos de seus antecessores, tanto republicanos como democratas, pintando um cenário sombrio, quase distópico, de um mundo "extraordinariamente perigoso", caracterizado por países hostis e ameaças escondidas. Pouco menciona a força inigualável dos EUA em termos políticos, militares, tecnológicos e econômicos, ou as oportunidades do aumento da prosperidade, da liberdade e da segurança através de uma liderança de princípios, base da política externa norte-americana desde a Segunda Guerra Mundial. 

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Na opinião de Trump, vivemos em um mundo onde os EUA ganham apenas às custas dos outros. Não há bem comum, nem comunidade internacional, nem valores universais, só os norte-americanos. O país não é mais "uma força global pelo bem", como pregava a estratégia de Obama, ou "a cidade luminosa no topo da colina", de acordo com a visão de Reagan. A nova estratégia consagra a mentalidade de soma zero: "A proteção dos interesses norte-americanos exige uma competição contínua nas disputas que se desenrolam em várias regiões do mundo”. Essa é a marca registrada da estratégia nacionalista, em preto e branco, chamada "Os EUA em Primeiro Lugar". 

Acontece que o mundo é cinza e o plano de Trump tem dificuldade em estipular qualquer diferença sutil. O tempo todo China e Rússia são tratadas como adversários semelhantes. Na verdade, uma é nossa concorrente, e não uma oponente declarada, e nunca ocupou ilegalmente os vizinhos. Já a Rússia, tanto quanto a estratégia permite, se opõe agressivamente à OTAN, à União Europeia, aos valores ocidentais e à liderança global norte-americana; ocupou descaradamente territórios georgianos e ucranianos e matou milhares de inocentes para salvar um ditador na Síria. É nossa adversária. 

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Em vários aspectos, incluindo armamento nucleares e controle de armas, contraterrorismo, inteligência, armas de destruição em massa, ameaças cibernéticas, política espacial, práticas comerciais injustas e roubo de propriedade intelectual, a estratégia segue a política de segurança nacional bipartidária tradicional norte-americana, pouco diferindo da resolução de um presidente republicano tradicional. 

Porém, os nacionalistas à volta de Trump conseguiram ratificar sua dura política anti-imigração, desde o muro fronteiriço ao fim das preferências familiares, limitando a admissão de refugiados. Reforçaram a preferência dos acordos comerciais bilaterais sobre os multinacionais e reiteraram a revogação da Parceria Transpacífico, o que deve ajudar o expansionismo econômico e estratégico da China na Ásia. O resultado é um tratamento insular e ideológico do nosso mundo tão complexo, basicamente impermeável aos fatos e não levando em conta os interesses dos EUA. 

O plano explicitamente omite muitas prioridades nacionais tradicionais: em momento algum menciona a expressão "direitos humanos" ou "pobreza extrema"; não fala da educação superior, do combate ao HIV/Aids, nem a busca pela paz permanente entre israelenses e palestinos. Ausente também está qualquer discussão sobre a população abaixo dos trinta anos (que compõe mais de 50 por cento dos habitantes do planeta), a sociedade civil ou a importância da promoção da democracia e dos direitos universais.

A "mudança climática" desapareceu, como também a ameaça que representa para a nossa segurança nacional. Não há uma palavra que expresse preocupação em relação aos direitos dos oprimidos, principalmente a comunidade LGBT. Essas omissões afetam a percepção global da liderança norte-americana; pior ainda, comprometem nossa capacidade de convencer o mundo a defender nossa causa, já que ignoramos solenemente as aspirações alheias. 

O plano também contém verdadeiros disparates. Anuncia diplomacia, enquanto Trump e seu Secretário de Estado, Rex Tillerson, esvaziam o departamento de recursos, talento e relevância; enaltece a "imprensa livre", quando Trump rotineiramente achincalha nossos órgãos de imprensa mais respeitados, qualificando-os como "falsos", ameaçando seus funcionários e funcionamento; alega que os EUA "rejeitam o preconceito e a opressão, visando um futuro baseado em nossos valores enquanto povo unido" quando o presidente denigre as mulheres, usa uma linguagem racialmente pejorativa e se mostra hesitante na crítica a extremistas antissemitas e neonazistas. É de se pensar como é possível levar a sério um documento que diverge tão drasticamente das palavras e ações do próprio presidente. 

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Essas contradições são importantes, assim como a aceitação entusiasmada por parte do governo de uma visão confrontadora e egoísta do mundo. Nem sempre a estratégia de segurança nacional deixa um legado permanente, mas é uma articulação importante das prioridades de determinada administração, ou seja, é a mostra de si mesma para um mundo que se preocupa profundamente com as ambições e interesses norte-americanos. 

Há tempos a pujança dos EUA é representada não só pela economia e poderio militar incomparáveis, mas pela força de nossos ideais. Abdicar da autoridade moral nestes tempos tão difíceis só fortalecerá os inimigos e nos enfraquecerá perante o mundo. E torna ridículo o conceito que prega o país acima de tudo. 

*Susan E. Rice foi conselheira de segurança nacional de 2013 a 2017, embaixadora dos EUA na ONU e hoje contribui com a coluna de opinião.