Como uma fortaleza sobre o Mar Negro, o novo aeroporto de Istambul foi projetado para provocar admiração, ressaltando o desejo da Turquia de recuperar sua glória imperial. O projeto deve custar quase US$ 12 bilhões e vai criar seis pistas em um faixa de terra tão grande quanto Manhattan, em Nova York. Quando estiver pronto daqui a uma década, espera-se que o complexo transporte cerca de 200 milhões de pessoas por ano, superando todos os rivais como o aeroporto mais movimentado do planeta.
O aeroporto, porém, também se tornou um símbolo de um aspecto menos saboroso da encarnação moderna da Turquia: seu desrespeito imprudente pela aritmética e pela independência de instituições governamentais importantes. Juntos, eles aumentam o risco de o país entrar em uma crise financeira.
Sinal de alarme ligado
Em uma economia global cada vez mais atormentada por preocupações – de uma atual guerra comercial a crescentes preços do petróleo – a Turquia pode ser o mais imediato motivo de alarme. O presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, que domina a vida nacional há 15 anos, foi empossado novamente em julho, depois de uma vitória na tentativa de reeleição, com novos e extraordinários poderes. Ele exerceu sua influência para gerar um crescimento econômico implacável por meio de empréstimos irrestritos, o que elevou os níveis da dívida a patamares alarmantes. E a autoridade adicional que recebeu deve testar ainda mais os limites da realidade econômica.
Em um sinal evidente de desconforto entre os investidores globais, o valor da moeda turca, a lira, despencou em cerca de um quinto este ano, aumentando os preços para as famílias e os negócios. E caiu ainda mais quando Erdogan entregou o cargo de chefe da economia para seu genro, o que os mercados viram como um sinal de que, por enquanto, ele não pretende adotar uma maneira mais responsável de administrar.
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O aeroporto – a primeira fase deve abrir em outubro – está sendo construído com uma grande quantidade de dinheiro público, que é entregue a empresas intimamente ligadas a Erdogan. O governo concedeu-lhes garantias contra qualquer tipo de perda. Se, como muitos economistas acreditam, o aeroporto se provar mais grandioso do que o fluxo de passageiros, o público vai acabar pagando a conta.
Para os moradores retirados de suas terras para abrir espaço para o empreendimento, o projeto se tornou um monumento a seus piores temores. "Erdogan está cuidando de seu próprio povo", afirma Bora Dayilar, fazendeiro cuja pastagem foi incluída entre as terras desapropriadas pelo projeto. "Ficamos sem nada."
O medo de um desastre pode parecer despropositado em uma economia que ainda é a que cresce mais rapidamente no mundo, tendo se expandido 7,4% no ano passado. Esse crescimento, no entanto, foi alimentado por empréstimos públicos e privados potencialmente insustentáveis.
O governo vem subsidiando grandes projetos de infraestrutura, como o aeroporto e um canal de US$ 13 bilhões e 45 quilômetros ligando o Mar Negro ao Mar de Mármara. E vários negócios fizeram empréstimos em moedas estrangeiras, o que significa que suas dívidas estão aumentando à medida que a lira se desvaloriza.
Tentativas de persuasão
As principais empresas turcas tentam agora persuadir os bancos e outros credores a estender o socorro, talvez prevendo uma onda de falências que pode deixar as instituições financeiras e os contribuintes com perdas incalculáveis. Até o final de abril, as companhias turcas do setor privado tinham mais de US$245 bilhões em dívida externa, ou quase um terço do tamanho da economia total do país.
"É um número imenso. E o governo os encoraja a fazer mais empréstimos", afirma Selva Demiralp, economista que trabalhou no Federal Reserve Bank, em Washington, e agora dá aulas na Universidade Koc, em Istambul.
Manter essa dívida atualizada exige que os investidores estrangeiros continuem a confiar fundos à Turquia – uma proposta cada vez mais questionável.
A Turquia pode conseguir mais dinheiro continuando a aumentar as taxas de juros, que já estão em 17,754%. Isto, porém, iria deprimir o crescimento econômico e acabar com o período de festa dos setores imobiliário e de construção. Ou pode continuar a crescer enquanto a inflação sobe e a lira se afunda ainda mais. Isso poderia condenar corporações importantes à insolvência e talvez force o governo a procurar resgate no Fundo Monetário Internacional, um caminho que certamente obrigaria a cortes dolorosos nos gastos.
Marie Owens Thomsen, economista-chefe da Indosuez Wealth Management, de Genebra, diz:
A Turquia pode ser o próximo país a desintegrar, Ela tem todos os ingredientes do começo de um estado falido.
Alguns dos problemas da Turquia refletem as questões que afetam os mercados emergentes em geral. À medida que o Fed aumenta as taxas de juros nos Estados Unidos, os investidores tiram o dinheiro de nações em desenvolvimento, como a Argentina, o México e a Turquia, e apostam no dólar. Isto reduz o valor das moedas desses mercados emergentes.
Interferência do governo
A Turquia, porém, se destaca como uma economia excepcionalmente vulnerável por causa de sua administração financeira pouco ortodoxa.
Desde um fracassado golpe de estado que tentou derrubá-lo há dois anos, Erdogan abriu as torneiras do crédito para garantir o crescimento econômico contínuo. O banco central procurou restringir o crescimento, aumentando as taxas para estabilizar a lira e conter a inflação, o que provocou a ira do presidente.
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Erdogan afirmou que a inflação, na verdade, é o resultado das altas taxas de juros, o que não é diferente de afirmar que a quimioterapia causa o câncer. Antes das eleições, ameaçou assumir o controle do banco central da Turquia e abolir as taxas altas. Os investidores viram isso como mais um motivo para fugir, fazendo com que a lira chegasse a seu valor mais baixo.
O banco central interrompeu a queda aumentando as taxas mais uma vez. Naquela hora, porém, sua integridade já havia sido severamente danificada.
Problemas a caminho
"Todo mundo está em crise nesse momento. Está em torno de nós. As pessoas que têm um pouco de inteligência e conhecimento de economia sabem disso. Mas o governo está escondendo", diz Can Oz, dono de uma editora de livros e revistas em Istambul, a Can Publishing.
Os lucros da Can Publishing caíram porque a desvalorização da lira forçou a empresa a pagar mais pelo papel que vem da Finlândia e pela cola da Alemanha. "Nossas margens foram cortadas dramaticamente", afirma.
Dentro do Grande Bazar de Istambul, um labirinto de lojas que vendem joias, carpetes e antiguidades, os mercadores reclamam que precisam pagar o aluguel em dólares ou euros, mesmo recebendo liras como pagamento. O aluguel está efetivamente subindo enquanto as vendas diminuem, em parte por causa de uma queda brusca no turismo, ocorrida depois de uma onda de ataques terroristas.
Zeki Uckardes, que vende cachecóis de cashmere, pashmina e seda em uma barraca do bazar, explica: "A lira turca é como gelo em água quente. Assim que você a pega na mão, ela começa a derreter".