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O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (2017-2021) está enfrentando neste momento quatro processos na Justiça americana, enquanto se prepara para tentar concorrer a um segundo mandato presidencial em 2024.
Trump foi indiciado por diversas acusações criminais em diferentes jurisdições dentro dos EUA, que vão desde fraude eleitoral até espionagem. Em todas elas, o ex-presidente se declarou inocente, afirmando que as investigações são uma “caça às bruxas politicamente motivada”.
A seguir, apresentamos todos os processos que Trump está enfrentando até o momento.
O suposto pagamento para silenciar uma atriz pornô
O primeiro indiciamento contra Trump ocorreu em março deste ano, quando o promotor do distrito de Manhattan, Alvin L. Bragg, o denunciou por 34 crimes relacionados a fraude e falsificação de registros empresariais por causa de um suposto pagamento pelo silêncio de Storm Daniels, uma atriz pornô, em 2016.
O promotor alega que Trump e seu ex-advogado Michael Cohen (que teria feito o pagamento) orquestraram um esquema para silenciar Daniels, que afirma ter tido um caso com o ex-presidente americano em 2006.
Segundo a acusação, o objetivo central de Trump ao realizar o pagamento era evitar que a atriz desse alguma declaração sobre o suposto caso que teria ocorrido entre os dois, algo que poderia ter abalado sua campanha presidencial em 2016.
A promotoria afirma que, para realizar o pagamento, Cohen inicialmente transferiu a quantia de US$ 130 mil para Daniels. Logo depois, Trump teria reembolsado o advogado, transferindo a mesma quantia para sua conta. No entanto, o ex-presidente registrou essa transação como honorários advocatícios na contabilidade de sua empresa, a Trump Organization.
“Os pagamentos em si não eram ilegais, mas registrá-los como outra coisa nos registos comerciais [da empresa] é”, escreveu Emma Longa, professora associada de história e política americana na Universidade de East Anglia, no site The Conversation.
Cohen já se declarou culpado nesse caso e concordou em cooperar com as autoridades, enquanto Trump se declarou inocente das acusações.
O julgamento deste caso está marcado para março de 2024, em meio às primárias republicanas. Se condenado por todas as acusações, Trump pode receber uma sentença de mais de cem anos de prisão.
Sobre este caso, o advogado e professor da Faculdade de Direito de Harvard Alan Dershowitz escreveu no site Daily Mail que “não sou um eleitor de Trump – mas esta acusação ridícula sobre a recompensa de uma estrela pornô é o caso mais fraco e distorcido que já vi”.
Ele afirmou que “em qualquer caso, mesmo que o promotor convença um júri de que Trump falsificou registros comerciais [para ocultar os pagamentos], o pior cenário é que este crime seja [considerado] uma contravenção menor”.
O caso dos documentos confidenciais na Flórida
Este foi o segundo indiciamento de Trump. Ele foi emitido em junho deste ano por um grande júri federal em Miami, que o acusou de 40 crimes, que incluem a retenção voluntária de informações de defesa nacional sob a Lei de Espionagem e conspiração para obstruir a Justiça.
O caso é comandado pelo promotor especial Jack Smith e decorre da alegada remoção de centenas de documentos confidenciais da Casa Branca por Trump após ele deixar o cargo de presidente da república, em janeiro de 2021, e sua recusa em cooperar com as tentativas do governo de recuperá-los.
Agentes do FBI fizeram uma busca em seu resort localizado em Mar-a-Lago, na Flórida, em agosto de 2022, e encontraram mais de cem documentos marcados como confidenciais. Dois assessores de Trump, Walt Nauta e Carlos de Oliveira, também foram indiciados neste caso como cúmplices.
O julgamento está previsto para começar em maio de 2024. Se condenado em todas as acusações desse caso, Trump também pode ser apenado a mais de cem anos de prisão.
A probabilidade de condenação do ex-presidente neste caso depende em grande parte da natureza e do nível de confidencialidade dos documentos apreendidos pelo FBI.
Renato Mariotti, ex-promotor federal nos EUA, disse em entrevista à emissora americana PBS que as chances de uma eventual condenação de Trump nesse caso permanecem incertas, dadas as “complexidades legais, políticas e a influência potencial do ex-presidente sobre o processo”.
A suposta tentativa de mudar o resultado das eleições de 2020
O terceiro indiciamento contra Trump foi anunciado no começo de agosto deste ano novamente por Jack Smith, que foi o promotor especial nomeado pelo procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, para investigar as supostas ações de Trump para reverter os resultados das eleições presidenciais de 2020, na qual ele perdeu a disputa contra o atual presidente dos EUA, Joe Biden.
Neste caso, Trump foi indiciado por quatro acusações: conspiração contra os Estados Unidos, obstrução de um procedimento oficial, solicitação de fraude eleitoral e intimidação de testemunhas.
A acusação alega que Trump e seis co-conspiradores tentaram explorar a “violência e o caos” na invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, ligando para congressistas para convencê-los a atrasar ou rejeitar a certificação da vitória de Biden. Eles também alegam que um dos co-conspiradores pressionou o então vice-presidente dos EUA, Mike Pence, a “violar a lei e rejeitar os votos eleitorais de Biden”.
O julgamento deste caso está marcado para ocorrer também em março de 2024. Se condenado, Trump pode ser sentenciado a até 20 anos de prisão para cada acusação de conspiração e obstrução, cinco anos por solicitação de fraude eleitoral e dez anos por conspiração contra o direito de voto.
Joyce Vance, analista e ex-promotora federal dos EUA, disse ao site americano Salon que as chances de Trump ser condenado neste caso são “mais difíceis de avaliar”. Segundo ela, o promotor Jack Smith apresentou um “caso forte” contra o ex-presidente, mas ainda é “muito cedo” para dizer se a acusação conseguirá garantir ou não provas suficientes para gerar uma condenação.
A suposta tentativa de modificar os resultados da eleição de 2020 na Geórgia
Este é o quarto e mais recente processo criminal contra Trump. Na Geórgia, ele encara uma série de acusações relacionadas às suas supostas ações para reverter os resultados das eleições presidenciais de 2020 no estado.
Fani Willis, procuradora do condado de Fulton, que fica em Atlanta, acusou Trump de fazer parte do que ela classificou como uma "empreitada criminosa para anular sua derrota por uma margem estreita para Joe Biden”.
As acusações contra ele incluem extorsão, solicitação de violação de juramento por parte de um funcionário público, apresentação de documento falso, conspiração para cometer falsificação de identidade de funcionário público, fazer declarações falsas, apresentar documentos falsos e cometer falsificação.
Em razão desse caso, o republicano teve que se apresentar na prisão de Fulton, onde foi formalmente fichado em agosto. A acusação na Geórgia se sobrepõe em parte a ações já movidas contra ele a nível federal.
A promotoria também obteve do grande júri de Fulton acusações contra outros 18 aliados de Trump, que, segundo a acusação, supostamente o ajudaram em seus esforços para reverter o resultado eleitoral.
O caso da Geórgia se diferencia dos outros por sua estrutura legal, que segue a Lei de Organizações Corruptas e Influenciadas por Praticantes de Extorsão da Geórgia (Lei RICO). Esta lei, originalmente desenvolvida para combater organizações criminosas, permite que os promotores processem indivíduos que participem de um padrão de atividades consideradas criminosas com um propósito comum.
Trump só pode ser condenado pela Lei RICO se a acusação conseguir provar perante a Justiça que ele conspirou com os outros 18 aliados para fraudar as eleições locais ou que ele tenha cometido dois ou mais crimes da diversificada lista que a lei abrange, que incluem os atos de solicitação, falsificação e declarações falsas a funcionários do Estado.
A data do julgamento deste caso ainda não foi definida, mas espera-se que ele ocorra ainda em 2024. Se condenado, Trump pode enfrentar penas mínimas de cinco anos e máximas de 20 anos de prisão para cada acusação.
As implicações políticas
Os quatro julgamentos criminais contra Trump representam um grande desafio para suas ambições políticas e perspectivas eleitorais em 2024.
Trump é o favorito para concorrer como candidato do Partido Republicano à presidência dos EUA novamente e ainda é a figura mais popular e influente entre os eleitores republicanos.
A maioria dos julgamentos estão marcados para ocorrer no ano da eleição. Se vencer as primárias republicanas, as quais, segundo pesquisas, ele lidera com folga, Trump poderá iniciar sua campanha eleitoral para voltar à presidência em meio a uma peregrinação por tribunais dos EUA.
Existe quase um consenso de que, mesmo em caso de condenação em algum dos casos, Trump não enfrentará obstáculos constitucionais para concorrer à Casa Branca.
A Constituição dos Estados Unidos estabelece apenas três requisitos para os candidatos presidenciais: ser cidadão americano natural; ter no mínimo 35 anos de idade; e residir no país por pelo menos 14 anos. Trump atende a todos esses critérios, e grande parte dos analistas americanos concorda que os estados do país não têm autoridade para impor requisitos adicionais aos candidatos presidenciais.
Eugene Mazo, um especialista em direito eleitoral americano e professor da Universidade de Duquesne, argumenta que nem mesmo um candidato com "incapacidade mental" pode ser impedido de concorrer a cargos públicos eletivos nos EUA, uma vez que a Constituição estabelece claramente os requisitos.
“Qualquer tentativa de estabelecer requisitos adicionais exigiria uma emenda constitucional”, disse Mazo, em uma entrevista ao site estatal Voz da América.
Nos últimos meses, alguns membros do Partido Democrata têm expressado um crescente interesse em promulgar leis que exijam que os candidatos presidenciais mantenham um histórico limpo para participar das eleições nos estados onde eles possuem maioria. As medidas serviriam como uma via para fazer com que Trump tenha problemas para concorrer ao cargo de presidente nos estados onde tais leis entrassem em vigor, caso fosse condenado.
Sobre esse ponto, Mazo pontua que tais legislações estaduais não poderiam impedir Trump ou qualquer outro candidato americano de disputar as eleições. Para dar base a sua argumentação, o professor relembra que, nos últimos anos, estados como a Califórnia e Nova Jersey aprovaram legislações locais que exigiam que os candidatos presidenciais divulgassem suas declarações de impostos para concorrer nas eleições.
Essas legislações, segundo Mazo, foram consideradas inconstitucionais pelos tribunais americanos, o que indica que pode ocorrer a mesma coisa em caso de haver a aprovação de leis estaduais que obrigue os candidatos a terem a “ficha limpa” para disputar as eleições de 2024.
Andrew Bernstein, advogado de defesa criminal do escritório de advocacia Armstrong Teasdale, afirmou ao Yahoo! News que “vivemos num mundo onde Trump pode ser condenado em Manhattan, pode ser condenado no caso de 6 de janeiro, pode ser condenado no caso dos documentos de Mar-a-Lago – e ainda assim ser eleito”.
Sobre as chances de Trump passar algum tempo na prisão, em decorrência das acusações criminais que ele está enfrentando, Bernstein acredita que elas são "mínimas ou nulas”.
Mark Bederow, advogado de defesa e ex-promotor do gabinete da procuradoria distrital de Manhattan, disse ao Business Insider que réus primários, como o republicano, praticamente nunca são condenados à prisão por crimes não violentos e de baixa gravidade, como, por exemplo, os que Trump enfrenta atualmente em relação ao suposto pagamento “secreto” à Stormy Daniels.
“No estado de Nova York e em particular no condado de Nova York, é extraordinariamente raro que um homem de 70 e poucos anos, primeira prisão, que foi condenado por um crime não violento de baixa gravidade, seja encarcerado”, disse.
Outro debate que surgiu recentemente é sobre se a 14ª Emenda da Constituição dos EUA, especificamente a sua cláusula sobre insurreição, poderia potencialmente desqualificar Trump de concorrer nas eleições de 2024.
O debate surgiu após o indiciamento do ex-presidente no caso da suposta tentativa de mudar o resultado das eleições de 2020.
William Baude e Michael Stokes Paulsen, professores de direito e defensores dessa medida, argumentam em um artigo desenvolvido para a Universidade da Pensilvânia que as ações de Trump, especialmente as relacionadas ao seu suposto envolvimento no ato de pressionar o então vice-presidente Pence em 6 de janeiro de 2021, se enquadram na categoria de envolvimento em "insurreição ou rebelião" da emenda, e que, por isso, Trump estaria automaticamente inelegível para cargos públicos em caso de uma condenação.
No entanto, os críticos dessa interpretação, como o professor da Faculdade de Direito de Stanford Michael McConnell, sustentam que a cláusula deve ser aplicada de forma restrita e que o sistema de justiça criminal, e não a emenda, deve ser o meio de desqualificar indivíduos envolvidos em insurreição. Ele afirmou ao site Politico que "os termos insurreição ou rebelião deveriam ser aplicados apenas aos levantes mais sérios contra o governo", como uma guerra civil, por exemplo.