Os líderes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) se reúnem em Londres nesta terça-feira (3) para comemorar o aniversário de 70 anos da aliança militar - e os organizadores esperam evitar qualquer pirotecnia.
O nervosismo está em alta em relação ao comprometimento do presidente dos EUA, Donald Trump, com a aliança, que foi fundada para defender a Europa da União Soviética e com o passar do tempo passou a assumir questões de segurança além do continente.
Em reuniões anteriores da Otan, Trump se recusou a afirmar o princípio do Artigo 5, que diz que um ataque a um membro é um ataque a todos, e ele insinuou que retiraria os Estados Unidos se os europeus não gastassem mais em sua própria defesa.
Desta vez, os organizadores estão travando uma batalha de múltiplas frentes contra flechas de aliados, com o presidente francês Emmanuel Macron se juntando à briga com entusiasmo. O líder francês ficou indignado com a falta de coordenação dos Estados Unidos com seus aliados, na Síria e em outros lugares, e em uma entrevista no mês passado declarou que a Otan havia sofrido "morte cerebral".
Um diplomata da Otan, falando sob condição de anonimato para comentar o mal estar dentro da sede envidraçada do grupo em Bruxelas, disse: "Há 50% de chances de que as coisas se deteriorem", com Trump e Macron quebrando a porcelana fina da aliança.
Agenda adaptada
Todos os detalhes desta reunião de aniversário foram meticulosamente planejados para garantir que a felicidade de Trump seja maximizada e quaisquer oportunidades de detonar o programa, ou a aliança, minimizadas.
Os líderes da Otan receberão uma dose de hospitalidade real em uma recepção no Palácio de Buckingham com a rainha Elizabeth II na terça-feira à noite. Mas um jantar formal da Otan não acontecerá.
Depois, em vez de dois dias de reuniões, como é comum em cúpulas integrais, haverá uma única sessão de três horas em uma propriedade do século 18 nos arredores de Londres na manhã de quarta-feira.
A agenda foi adaptada aos interesses de Trump. Há uma concessão amplamente simbólica da Alemanha para economizar dinheiro dos EUA, ao gastar mais para manter acesas as luzes da Otan - que diplomatas esperam que Trump use como uma vitória desproporcional ao seu tamanho real. Há também um relatório que analisa o papel da China como um desafio para a aliança. E os números dos gastos com defesa foram calculados para enfatizar a influência de Trump na obtenção de aliados que possam dividir o trabalho.
Países têm investido mais em defesa
O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse em coletiva de imprensa na sexta-feira que os 28 membros da aliança - fora os EUA - investiram US$ 130 bilhões em suas defesas desde 2016. Diplomatas da Otan dizem, reservadamente, que o foco em 2016 é para o benefício de Trump. Eles reconhecem que a abordagem "é melhor vocês investirem mais" de Trump de fato assustou os países e os fez investir mais em defesa.
Com o aumento dos investimentos em defesa pelos países da aliança, nove dos 29 membros agora cumprem as metas, disse Stoltenberg.
O clube dos países com gastos de primeira linha - com pelo menos 2% do produto interno bruto anual destinados à defesa - aumentou, passando a incluir também a Bulgária, segundo dados divulgados pela aliança militar.
Países da União Europeia e o Canadá aumentaram seus investimentos em defesa todos os anos desde 2015, motivados primeiro pelo conflito da Rússia com a Ucrânia e depois pelas ameaças de Trump de retirar os Estados Unidos da Otan se eles não passassem a gastar mais. "Todos os aliados da Otan decidiram investir mais, e agora estamos cumprindo isso", disse Stoltenberg.
Os líderes da Otan concordaram em 2014 em gastar pelo menos 2% do PIB em defesa até 2024, uma meta que muitos deles têm se esforçado para alcançar. O avanço da Bulgária pode ser apenas temporário, uma vez que o país está comprando oito caças F-16 este ano, em um esforço importante, mas único. A compra elevou os gastos a 3,25% do PIB, colocando o país em segundo lugar, atrás apenas dos Estados Unidos, quando o investimento é comparado ao tamanho da economia.
Antes da decisão de comprar os jatos, os gastos com defesa do país foram estimados em 1,61% do PIB este ano, e o país ocupava uma posição no meio do ranking de gastos dos membros da organização.
Além dos Estados Unidos, os outros países que cumprem as metas são Grécia, Reino Unido, Estônia, Romênia, Lituânia, Letônia e Polônia. Os Estados Unidos gastam 3,42% de sua produção econômica em defesa, um número que coloca o país muito à frente de qualquer outro aliado da Otan - pelo menos até que a Bulgária comprasse os caças.
Em outro esforço, em grande parte simbólico, para dar a Trump uma vitória em relação aos gastos com a Otan, os aliados também concordaram em limitar ainda mais a contribuição dos EUA ao orçamento central da Otan - o saco de dinheiro que paga pela eletricidade na sede da aliança em Bruxelas, bem como em meia dúzia de sedes militares em toda a Europa.
Os Estados Unidos agora não pagarão mais do que o membro da Otan com a segunda maior economia, a Alemanha, limitando sua contribuição a 16% ao orçamento anual de US$ 2,5 bilhões a partir de 2021. Os Estados Unidos pagavam anteriormente cerca de 22%. A mudança gera uma economia a Washington de cerca de US$ 150 milhões por ano, que serão compensados pelos outros aliados da Otan, menos a França, que considerou a medida frívola, segundo diplomatas com conhecimento das discussões.
"Morte cerebral" e troca de insultos
A reunião chega em um momento em que as divisões da aliança estão maiores do que nunca. O presidente francês Emmanuel Macron declarou que a Otan está "com morte cerebral".
Na quinta-feira, depois de uma reunião com Stoltenberg, Macron disse acreditar que o terrorismo precisava ser uma prioridade mais alta para a aliança do que a Rússia, comentários que irritaram os países do leste europeu que ainda temem uma ameaça direta do Kremlin.
"Não devemos nos surpreender ao discordar às vezes", afirmou Stoltenberg. "Mas a força da Otan é que sempre conseguimos superar nossas divergências".
Os formuladores de políticas da Otan dizem que nesse momento há uma estranha bifurcação, em que os envios de tropas dos EUA à Europa estão em alta, a aliança atuou para fechar muitas das lacunas de segurança expostas após a invasão russa à Ucrânia em 2014 e a cooperação em segurança está mais próxima do que nunca.
Politicamente, porém, a Otan está em uma situação difícil, com Trump e Macron mirando em alguns dos principais valores da aliança.
Enquanto isso, os líderes turcos alegam que detiveram a aprovação de planos de defesa militar confidenciais para a Europa Oriental porque querem uma repreensão maior da Otan sobre grupos de combatentes curdos alinhados pelos EUA no nordeste da Síria, considerados terroristas pela Turquia. O impasse coloca mais pressão sobre a aliança.
"Esta cúpula será diferente no sentido de que há pelo menos dois, possivelmente três disruptores reunidos em um lugar tranquilo nos arredores de Londres: o presidente Trump, o presidente Erdogan e o presidente Macron", disse Tomas Valasek, ex-embaixador da Eslováquia na Otan. "Pelo menos um líder europeu parece estar cansado e não está mais com um humor apaziguador".
O presidente turco Recep Erdogan também perturbou os membros da aliança com sua decisão de comprar um sistema anti-míssil da Rússia. E para piorar a situação, Macron e Erdogan trocaram insultos publicamente.
"Vou lhe dizer novamente na Otan, primeiro confira a sua própria morte cerebral", disse Erdogan, falando sobre Macron em um discurso na sexta-feira em Istambul, referindo-se às críticas de Macron à Turquia e à entrevista em que presidente francês disse que a Otan tinha "morte cerebral".
Decisões aprovadas com antecedência
Na última vez em que os líderes da Otan se reuniram, em julho de 2018, Trump dominou uma das sessões de encerramento da cúpula com exigências de maior comprometimento de gastos de seus colegas líderes. Diplomatas e ministros ansiosos entravam e saíam da sessão de portas fechadas parecendo exaustos. Alguns disseram mais tarde que temiam que Trump retirasse os Estados Unidos da Otan se ele não conseguisse o que queria, um terremoto para a ordem global pós-Segunda Guerra Mundial.
Em preparação para esta reunião, os ministros das Relações Exteriores e da Defesa aprovaram as principais decisões da OTAN com antecedência, em vez de deixá-las para os líderes aprovarem pessoalmente. Agora, os líderes podem comemorar as ações individuais, mas ninguém pode manter as mudanças como reféns.
Além disso, no fim de semana passado, diplomatas da Otan elaboraram uma declaração de duas páginas para os líderes endossarem, uma pequena vitória no teatro da cúpula que os diplomatas esperam que ajude a enfatizar a unidade da aliança. Até sexta-feira, os diplomatas não tinham certeza se haveria alguma declaração.
E, como um golpe parcial para Macron, eles concordarão em iniciar um "processo de reflexão" sobre a estratégia de longo prazo da Otan - olhando para além dos desafios de curto prazo da Otan gerados por Trump.
Conteúdo editado por: Helen Mendes