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Colúmbia Britânica

Overdose, automedicação e tráfico: os riscos da permissão ao porte de drogas pesadas no Canadá

Especialistas avaliam que esse tipo de política pública pode favorecer pequenos traficantes, além de aumentar os riscos de dependência dos usuários. (Foto: Big Stock)

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A partir de 2023, uma pessoa que for encontrada com até 2,5 gramas de cocaína, heroína, ecstasy ou outra droga pesada na província de Colúmbia Britânica, no oeste do Canadá, não será mais considerada criminosa. Em vez de se submeter a multas ou ir para a prisão, o usuário receberá informações sobre serviços sociais e de saúde.

A decisão foi tomada na terça-feira da semana passada (31), junto com o anúncio oficial de que outras províncias podem aderir à novidade no país. “Fazemos isso para salvar vidas, mas também para que as pessoas que usam drogas reencontrem dignidade e direito de escolha”, disse Carolyn Bennett, ministra federal da Saúde Mental e Dependências, em comunicado.

De acordo com a responsável pela mesma pasta, mas em nível provincial, Sheila Malcolmson, as forças de polícia poderão “se concentrar no crime organizado e os traficantes de drogas, em vez de focar em usuários isolados”.

Segundo Malcolmson, não se trata de legalização das drogas. “A descriminalização retira as sanções penais pela posse de pequenas quantidades de drogas ilícitas para uso pessoal. O tráfico de drogas continua ilegal”, declara.

No entanto, especialistas avaliam que esse tipo de política pública pode, na verdade, favorecer pequenos traficantes, além de aumentar os riscos de dependência dos usuários.

Medida pode estimular consumo 

O médico psiquiatra Ricardo Assmé, professor da Universidade Positivo e especialista em dependência química, explica que a quantidade de droga comprada, mesmo por usuários frequentes, não costuma passar de 2 gramas por vez, o que está dentro do máximo permitido pela nova lei canadense. Dessa forma, podem passar impunes não só usuários “de fim de semana”, como também dependentes químicos e pequenos traficantes.

Além disso, conforme o psiquiatra, quem consome uma pequena quantidade de drogas ilícitas pode desenvolver tolerância a elas, precisando de cada vez mais substância para atingir os mesmos efeitos psicoativos. “O consumidor deve ser inibido no começo, com pequenas porções, para não evoluir para grandes quantidades”, pontua Assmé.

O médico especialista também reforça que impedir o consumo é uma condição de segurança pública. “Para que você tenha sucesso em uma política nacional sobre drogas, em qualquer lugar do mundo, é fundamental que você iniba todos os pontos desse ciclo. Desde o plantio da droga, até a produção, o transporte, a venda e o consumo.”

Não existe quantidade segura 

Diogo Bornancin, psiquiatra e pesquisador da Universidade Federal do Paraná, especialista em drogas, destaca que não existe quantidade segura para o uso de entorpecentes. “A gente sabe que pequenas porções de cocaína, por exemplo, já podem aumentar de forma considerável o risco de acidente vascular encefálico”, alerta.

Para Bornancin, medidas como essa tomada pelo Canadá podem ser prejudiciais “caso aumentem o acesso a drogas ilícitas”, já que “o maior acesso resulta no maior uso recreativo”. O uso recreativo, por sua vez, pode levar ao uso nocivo e, por fim, à dependência química. “Caso não sejam instituídas políticas públicas adequadas, pode existir a percepção errada de que o uso de drogas é menos prejudicial do que ele realmente é”, conclui.

O especialista também fala da preocupação com a automedicação. Quando o uso de drogas pesadas não é mais proibido, as pessoas podem utilizá-las como se fossem remédios ou estimulantes, sem controle real das consequências.

No livro Drogas e a lei: uma análise psicológica da proibição das drogas (sem edição no Brasil), o pesquisador e professor americano de políticas públicas antidrogas, Robert MacCoun, referência mundial no assunto, destaca que qualquer mudança repentina na lei referente a drogas "é desaconselhável", pois as "consequências em relação ao consumo são desconhecidas”, especialmente pela falta de controles sociais disponíveis.

Entre a descriminalização e a legalização 

A descriminalização de drogas pesadas na província canadense acontece em meio a uma alta de casos de superdosagem e de hospitalizações. Em 2021, a Colúmbia Britânica registrou mais de 2,2 mil mortes ligadas a essas drogas, o equivalente a 6 pessoas por dia. Em todo o país, de janeiro de 2016 a setembro de 2021, foram registradas 27 mil mortes e mais de 29 mil internações por overdose, segundo dados do governo.

O Canadá anunciou a medida como um experimento que pode ser replicado em outras províncias. Entre as drogas mais leves, existe legalização desde 2018, quando foi liberado o uso recreativo de maconha para adultos em todo o país.

A Colúmbia Britânica é a segunda jurisdição na América do Norte a descriminalizar a posse de drogas pesadas para uso pessoal, depois de Oregon, estado americano progressista, em novembro de 2020.

A situação no Oregon, EUA  

Apesar de ter alcançado algumas metas contra a estigmatização de usuários de drogas, em poucos meses o estado americano se deparou com um grave problema: o colapsado sistema de tratamento e recuperação de dependentes químicos, despreparado para receber uma demanda maior.

Conforme Mike Marshall, cofundador e diretor do grupo Oregon Recovers, disse à rádio americana National Public Radio, "os defensores da descriminalização não conhecem o lado da saúde e não entendem sobre como funciona a recuperação”.

Na mesma reportagem, Jim Ferraris, ex-presidente da Associação de Chefes de Polícia do Oregon, comenta que, apesar da diminuição na quantidade de prisões, a dependência química persiste. "As pessoas ainda estão cometendo crimes para conseguir dinheiro, comprar drogas, sustentar o hábito", opina. O policial destaca também que moradores de outros estados viajam até o Oregon para consumir drogas. Por fim, ele alerta: "As overdoses vão aumentar, o crime aumentará e o tráfico de drogas dos carteis continuará a crescer".

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