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Pais de jihadistas sofrem isolamento

Todos no Centro Islâmico Alfurqan estão a par da história dos pais que tentaram resgatar suas filhas gêmeas, depois que elas foram à Síria para ingressar nas fileiras do Estado Islâmico.

Eles sabem que Ibrahim Halane e Khadra Jama, imigrantes da Somália, seguiram as meninas até a Turquia. E sabem que os pais voltaram sem as jovens de 17 anos, Salma e Zahra, pois elas já haviam se casado com jihadistas. Eles sentem pena do casal, mas mantêm distância.

"Sabemos que ele está devastado e sentimos muito, mas o deixamos em paz", disse Haji Saab, o dirigente da mesquita, a respeito de Halane. A comunidade também está passando por um momento difícil e "se isolou", acrescentou Saab.

Acredita-se que, desde que a guerra na Síria se intensificou, cerca de 3.000 homens e mulheres deixaram a Europa para ingressar em grupos militantes como o Estado Islâmico. Autoridades em toda a Europa, sobretudo após os ataques à Redação do jornal satírico "Charlie Hebdo" e a um mercado kosher em Paris, estão tomando medidas mais severas para detê-los.

Pais como Halane e Jama não só se preocupam com a possibilidade de jamais ver seus filhos novamente —muitos dos quais são apenas adolescentes— como também sofrem com o isolamento e a sensação constante de medo.

"Até os parentes os evitam, pois têm medo de serem associados aos chamados terroristas e acabarem sendo presos", disse Saleha Jaffer, diretora de uma organização em Londres que ajuda famílias cujos filhos estão participando de conflitos no Oriente Médio.

Em uma manhã recente no Centro Islâmico Alfurqan, Halane, que ocasionalmente leciona no local, estava em uma sala de aula, fazendo perguntas a um grupo de garotos. A certa altura, porém, ele foi questionado por seus alunos.

"Não tenho nada a dizer, exceto que elas podem voltar se quiserem", afirmou em voz baixa e trêmula, referindo-se a suas filhas. "Mas, se elas não quiserem...", disse de forma hesitante, movimentando a mão como se estivesse afastando um mau pensamento. O trauma é especialmente agudo entre somalis, que estão lutando contra o fascínio exercido pelo extremismo islâmico em várias frentes: segundo serviços de inteligência, mais de cem cidadãos britânicos ingressaram no Al Shabaab, grupo islâmico radical da Somália.

Uma pessoa que conhece a família Halane disse que outro filho deles foi para a Somália lutar pelo Al Shabaab, mas depois mudou-se para a Síria e entrou no Estado Islâmico no ano passado.

Jaffer afirmou que as famílias enfrentam um estigma pesado, sentem-se isoladas e são alvo de mexericos. Alguns filhos se recusam a ir à escola por medo de serem maltratados.

Parte do trabalho da organização de Jaffer é ajudar as famílias a se reintegrarem em suas comunidades, persuadindo outros membros de que não serão punidos se demonstrarem apoio. No entanto, tem sido difícil quebrar a resistência.

Ativistas declararam que os governos agravam o problema com seus planos de implantar leis mais duras contra o terrorismo e de fazer mais abordagens para revistar pessoas.

Recentemente, uma pena de 12 anos de prisão foi dada no Reino Unido a dois jihadistas que voltaram após suas famílias cooperarem com a polícia.

No ano passado, a polícia prendeu cerca de 270 pessoas suspeitas de ligação com o terrorismo no Reino Unido.

"Ninguém está falando sobre o impacto disso tudo nas famílias e comunidades", comentou Mohammed Shafiq, da Fundação Ramadhan, em Manchester, que visa dissuadir as pessoas de se juntarem ao Estado Islâmico. Ele disse que, devido aos poderes crescentes das autoridades contra o terrorismo, houve um aumento no número de famílias que o procuram pedindo orientação sobre viajar por conta própria à Síria para buscar uma filha ou um filho.

Um amigo da família descreveu os Halane como uma família profundamente religiosa, composta por 13 pessoas. Eles saíram da Somália, moraram na Dinamarca e depois imigraram para o Reino Unido, onde as gêmeas eram estudantes muito aplicadas e sonhavam em ser médicas, como uma irmã mais velha. Entretanto, em junho elas fugiram para a Turquia e cruzaram a fronteira para a Síria. Esse amigo da família descobriu seu paradeiro, e seus pais partiram no encalço das garotas.

O amigo, Ahmad Walid Rashidi, dinamarquês de origem afegã, concordou em ajudar. Em uma entrevista, Rashidi disse que ele e o pai haviam ido até a Turquia, onde o pai desistiu da busca. A mãe das jovens, Jama, insistiu em seguir viagem. "Eu já perdi um filho e não quero perder as gêmeas", disse ela a Rashidi.

Eles encontraram as jovens na cidade síria de Manbij, já casadas. Logo após, Jama e Rashidi foram presos por militantes, que suspeitavam que ambos fossem espiões ocidentais. Ficaram detidos em cárceres separados durante 36 dias. Segundo Rashidi, quando ambos foram julgados em um tribunal do Estado Islâmico, Jama começou a perder o otimismo. "Ela passou a demonstrar temor de nunca mais ver suas filhas", recorda.

As gêmeas declararam ao tribunal e à própria mãe que seus corações pertenciam ao islã e que não queriam voltar. O tribunal acabou liberando a mãe e Rashidi. De acordo com Rashidi, um dos juízes do Estado Islâmico disse: "Nós não pedimos a suas gêmeas que viessem para cá. Elas vieram porque você as ensinou a serem religiosas".

Ao partir, Jama, muito abatida, murmurou: "Fi sabilillah". A expressão, que figura no Alcorão, significa "em nome de Deus".

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