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A violência da guerra atinge pessoas de todas as faixas etárias, mas é especialmente cruel com as crianças, o contingente mais frágil de qualquer população.
Na semana passada, o Ministério Público ucraniano informou à agência Interfax Ucrânia que foram abertos cerca de 3,2 mil processos por crimes da Rússia contra crianças em áreas ocupadas do país desde o início da invasão russa, em fevereiro do ano passado.
Tais crimes incluem assassinatos, mutilações, rapto de crianças, deslocamento forçado, deportação, violência sexual contra crianças e ataques a instituições e instalações para crianças, segundo a chefe do Departamento de Proteção dos Interesses das Crianças e Antiviolência da Procuradoria-Geral da Ucrânia, Yuliia Usenko.
Segundo a ONG Save The Children, dos quase 18 milhões de pessoas na Ucrânia que necessitam urgentemente de assistência humanitária, mais de 4 milhões são crianças. A guerra deflagrada pelo Kremlin exacerba as necessidades dessa população em termos de proteção, saúde mental e apoio psicológico, alimentação, atendimento de saúde, educação, água potável, saneamento e higiene, indicou a organização.
Um dos itens destacados pela ONG, a educação, ganhou proeminência na semana passada, já que o ano letivo ucraniano começou na última sexta-feira (1º).
Segundo a Unicef, mais de 1,3 mil escolas foram completamente destruídas na Ucrânia desde o início da guerra, principalmente no leste do país. No segundo ano de conflito, aulas interrompidas por sirenes avisando sobre bombardeios russos ou realizadas em locais inusitados, como abrigos antiaéreos, seguem comuns como o medo.
“Durante o toque da sirene, o processo educativo precisa ser interrompido e todos os estudantes vão para o abrigo”, disse Anna Sydoruk, diretora da Osvitoria, uma ONG ucraniana com foco em educação, à rede France 24.
“Se as circunstâncias permitem, eles continuam as aulas lá”, disse Sydoruk, que apontou que nas regiões que estão mais próximas da linha de frente o ano letivo começou apenas com aulas online.
Um relatório divulgado na semana passada pela Unicef destacou que, considerando-se também os anos da pandemia de Covid-19, os estudantes da Ucrânia já acumulam quatro anos letivos atípicos.
Como resultado, essa geração está tendo sua educação comprometida: segundo o estudo, 57% dos professores relataram piora nas habilidades em ucraniano dos alunos; 45% apontaram uma redução nas habilidades em matemática; e 52% apontaram piora dos estudantes em línguas estrangeiras.
As aulas online, uma alternativa com muitas perdas em relação à educação presencial, vão se prolongando. Segundo dados de matrículas coletados pela Unicef, apenas um terço das crianças em idade primária e secundária (equivalentes aos ensinos fundamental e médio no Brasil) matriculadas em escolas na Ucrânia está tendo aulas totalmente presenciais. Outro terço está no modelo misto (aulas presenciais e online) e o terço restante tem aulas totalmente online.
Dois terços das crianças em idade pré-escolar não estão frequentando a pré-escola, segundo o relatório. Nas áreas próximas da linha de frente, três quartos dos pais não estão enviando os filhos para a pré-escola.
Também fazem parte dessa “geração perdida” as crianças refugiadas da Ucrânia: mais da metade das que tiveram que se mudar para outros sete países em razão da guerra não estão matriculadas nas redes de educação locais.
Ficar fora da sala de aula, além da evidente perda educacional, também tem um efeito psicológico devastador, já que, como afirmou Anna Sydoruk, da Osvitoria, a escola também é uma fonte de conforto e rotina para os alunos diante do medo e da incerteza da guerra.
“Quando esta invasão começou, tudo mudou na vida destas crianças. É muito importante para elas terem aulas todos os dias e verem o professor. Não se trata apenas de conhecimento, trata-se de apoio psicológico”, disse.
Doutrinação nas áreas ocupadas
Outra consequência da guerra é que, nas áreas ocupadas pela Rússia, as crianças ucranianas estão sendo alvo da doutrinação de Moscou.
Os estudantes iniciaram o ano letivo com novos livros didáticos (também utilizados nas escolas russas) que justificam a invasão promovida pelo Kremlin, ao argumentar que a Ucrânia, descrita como um Estado “artificial” e “ultranacionalista”, precisa ser “desnazificada”.
“Ao mesmo tempo em que nega às crianças na Rússia e nos territórios ocupados da Ucrânia o seu direito a uma educação de qualidade – mais de 500 escolas ucranianas estão agora sob controle russo –, a desinformação contida nos livros didáticos também ataca os direitos dos cidadãos ucranianos ao seu patrimônio cultural e à sua identidade”, afirmou a Anistia Internacional.