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Segurança

Megaquadrilhas, guerrilhas, coletivos: um panorama sobre a violência na Venezuela

Entrada do bairro Cota 905 em Caracas, 9 de julho. Moradores das áreas mais afetadas pelos tiroteios na capital venezuelana foram forçados a fugir de suas casas (Foto: RAYNER PEÑA R./Agência EFE/Gazeta do Povo)

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Trinta e três foi o saldo de vítimas da operação policial realizada na Cota 905, um bairro pobre de Caracas, capital da Venezuela, no começo de julho. Mais de três mil policiais participaram da ação que durou três dias e tinha o objetivo de capturar criminosos de uma megaquadrilha que dominava a área e tinha atacado a sede da Guarda Nacional Bolivariana naquela semana.

Prisões e apreensões foram realizadas, mas os principais bandidos – entre eles, o famoso El Koki e seus aliados “El Vampi” e “El Garbis” – conseguiram escapar, apesar da recompensa de US$ 1,5 milhão por informações que levassem à prisão do trio. A maioria das mortes, segundo o Monitor de Vítimas – projeto de investigação jornalística –, foi causada por balas perdidas e execuções extrajudiciais. Apenas quatro vítimas eram criminosos, de acordo com o monitor.

A intensa troca de tiros que ocorreu naqueles dias em Caracas veio para lembrar a deterioração do estado da segurança na Venezuela após 20 anos da ascensão do regime chavista. Megaquadrilhas, como as que atuam na Cota 905, se multiplicaram pelo país e dominam regiões onde não há presença policial.

Atualmente há pelo menos 13 megaquadrilhas, compostas por algo entre 100 e 300 membros cada, atuando na Venezuela, disse à Gazeta do Povo Iván Simonovis, especialista venezuelano em ciências criminais. Algumas delas estão se internacionalizando, como é o caso do Tren de Aragua, que nasceu no estado de Aragua, mas cuja presença já se estendeu para outros países, como Equador e Peru, onde criminosos desta organização foram capturados.

Para Simonovis, uma política do regime chavista adotada em 2012 foi um dos pilares para o crescimento da atividade criminosa no país, especialmente nos centros urbanos: a criação das chamadas “zonas de paz”. Sob este programa, o governo propôs que os criminosos largassem suas armas e, em troca, receberiam incentivos financeiros para criar negócios lícitos. Mas o que aconteceu, na prática, é que a polícia ficou impedida de entrar nas áreas controladas por esses criminosos, que ainda usavam o dinheiro para comprar mais armamentos, segundo mostraram investigações jornalísticas.

A intenção da ditadura, na opinião de Simonovis, era fazer um acordo com os criminosos para que uma eventual mobilização popular contra o regime fosse sufocada, já que a polícia não conseguiria controlar essa situação nas zonas mais retiradas de Caracas.

Outros especialistas no tema concordam que as “zonas de paz” acabaram fortalecendo as megaquadrilhas. A política “deu poder às gangues nos bairros sob a modalidade da política do entendimento, semente que deu origem à permissividade para que as gangues evoluíssem”, disse ao jornal El Universal o sociólogo Luis Cedeño, diretor executivo da Associação Paz Ativa.

Falta de institucionalidade

Para Fermín Mármol García, advogado criminalista venezuelano, a estrutura do crime no país mudou muito nos últimos 21 anos. “O mapa criminal na Venezuela é muito complexo atualmente”, disse em entrevista recente ao jornalista Ríos Lugo. “Temos estruturas de delinquência organizada violenta que controlam territórios na área urbana e rural, de corte ideologizado e não ideologizado, nacional e estrangeira, que não se importam com o anonimato e têm grande poder de armas”, explicou o especialista, salientando que os níveis de violência na Venezuela são muito elevados.

A taxa de homicídios no país foi, em 2020, de 45,6 para cada cem mil habitantes, segundo o Observatório Venezuelano de Violência, muito acima de qualquer um dos outros países considerados violentos na América Latina. No ano passado, o Brasil reportou uma taxa de homicídios de 27,8 para cada 100 mil habitantes, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

García acredita que o aumento da violência ocorreu, principalmente, pela falta de institucionalidade e a fragmentação das instituições nacionais, estaduais e municipais observada nas últimas décadas.

"Em um momento de bonança petroleira, sem nos darmos conta, a República estava sendo destruída, assim como os poderes públicos, a meritocracia. [Estavam] gerando discursos ambíguos desde o poder sobre o crime e a violência quando, por exemplo, diziam que tínhamos que armar zonas populares para nos defendermos de uma invasão", lembrou, argumentando que o problema vai muito mais além das questões sociais, como pobreza e desemprego.

Estruturas criminosas

Além das megaquadrilhas, atuam na Venzuela outros tipos de estruturas criminosas, segundo Simonovis: os coletivos armados, que atuam sob a tutela do ditador Nicolás Maduro e são cerca de 14 no país; as organizações de tráfico de drogas, sendo o mais conhecido o Cartel de los Soles, controlado por militares venezuelanos; as guerrilhas, como dissidentes das Forças Armadas revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército da Libertação Nacional (ELN); e ainda a presença de grupos terroristas.

Sobre as guerrilhas, Simonovis afirma que as Farc têm pelo menos 200 homens em ao menos oito estados venezuelanos, enquanto que o ELN tem uma presença bem mais ampla, com mais de 2 mil membros que atuam em 12 estados do país.

Sobre os grupos terroristas, ele explica que a Venezuela se tornou um lugar onde eles vêm para lavar dinheiro – não para conduzir atentados. “A maior prova disso é a presença [na Venezuela] de uma companhia aérea iraniana chamada Mahan Air, sancionada por governos como Alemanha e Inglaterra por ser uma companhia que se presta para transporte de armas e de terroristas em diferentes partes do mundo. Essa companhia pousou pelo menos 17 vezes em Puerto Cabello e não sabemos para quê”, disse o especialista.

“Temos toda a extensão do nosso país dedicada a abrigar, com anuência do regime, criminosos de todos os tipos”, concluiu.

Em relação a Koki e sua quadrilha da Cota 905, Simonovis acredita que nada deve mudar após a operação policial no bairro. "Estou convencido que eles vão se reorganizar e vão aparecer e arremeter com muita mais força do que fizeram anteriormente".

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