O papa Francisco descreveu o massacre de 1,5 milhão de armênios como “o primeiro genocídio do século 20”, durante missa pelo centésimo aniversário do conflito, neste domingo, levando a uma forte reação da Turquia, que convocou o embaixador da Santa Sé em Ancara como protesto.
Turquia convoca representante do Vaticano para explicar o comentário do Papa Francisco
Em seu discurso dominical, o papa Francisco mencionou na manhã de domingo (12) o massacre de armênios durante a Primeira Guerra Mundial cometido pelo Império Otomano, classificando-o como “o primeiro genocídio do século 20”. A lembrança do Pontífice se deve ao centenário do genocídio, em 24 de abril.
O Papa exortou a comunidade internacional a reconhecê-lo dessa forma, em uma declaração que enfureceu a Turquia. Francisco, que tem laços estreitos com a comunidade armênia argentina, disse que era seu dever honrar a memória de homens, mulheres, crianças, padres e bispos, vítimas do massacre “sem sentido” perpetrado pelos turcos otomanos.
A Turquia lamentou as “consequências desumanas” das “deportações” maciças dos armênios durante a Primeira Guerra Mundial, mas se nega categoricamente a utilizar o termo “genocídio”.
Logo depois, o governo turco convocou o núncio vaticano (embaixador do Vaticano) a Ancara para pedir explicações sobre o comentário do Pontífice. A decisão foi tomada após consulta ao ministro das Relações Exteriores, Mevlüt Çavusoglu, que faz visita oficial à Mongólia, informou o jornal “Hürriyet” em seu site. Ele acrescentou que os comentários papais criaram um problema de confiança nas relações entre a Turquia e o Vaticano.
A resposta diplomática da Turquia ao Vaticano será por escrito, mas convocar o núncio é o primeiro passo para uma série de medidas de protesto previstas, ainda de acordo com o jornal. O governo do país se limitará provavelmente a lembrar que turcos e armênios combatiam juntos no Império Otomano na Primeira Guerra Mundial.
Turcos muçulmanos aceitam que muitos armênios cristãos morreram em confrontos com os soldados otomanos no início de 1915, quando a Armênia era parte de um império governado por Istambul, mas negam de que centenas de milhares tenham sido mortos e que isso tenha representado um genocídio.
Essa foi a primeira vez que um papa pronunciou publicamente a palavra “genocídio” em relação ao massacre, repetindo um termo usado por alguns países europeus e sul-americanos, mas evitado pelos Estados Unidos, entre outros, para manter as boas relações com um aliado importante.
Em 2001, o papa João Paulo 2º e o patriarca supremo da Igreja Apostólica Armênia, Karekin 2º, chamaram o ocorrido de “o primeiro genocídio do século 20” num comunicado conjunto.
Francisco, que tem desconsiderado muitos aspectos do protocolo desde que se tornou papa dois anos atrás, pronunciou a frase durante uma reunião privada no Vaticano com uma delegação armênia em 2013, provocando forte protesto de Ancara.
No início da missa na Basílica de São Pedro, o papa Francisco descreveu o “massacre sem sentido” de cem anos atrás como “o primeiro genocídio do século 20”, que foi seguido pelo “nazismo e pelo stalinismo”.
“É necessário, e inclusive um dever, honrar a memória deles, pois quando a memória se apaga, isso significa que o mal permite a ferida inflamar. Esconder ou negar o mal é como permitir que uma ferida continue sangrando sem trata-la!”, afirmou ele.
Os comentários do papa foram também publicados pelo gabinete do presidente da Armênia, Serzh Sargyan, neste domingo.
O papa Francisco disse que o genocídio continua hoje contra cristãos “que, por conta da sua fé em Cristo ou origem étnica, são publicamente e cruelmente levados à morte – decapitados, crucificados, queimados vivos – ou obrigados a deixar a terra natal.”
O papa também pediu a reconciliação entre a Turquia e a Armênia, e entre a Armênia e o Azerbaijão, por conta da disputa pela região montanhosa de Nagorno-Karabakh. O apelo se deu numa carta entregue depois da missa a Sargyan e aos três mais importantes patriarcas da igreja armênia presentes.