O Papa Bento XVI utilizou o sermão da missa que rezou em Havana ontem para pedir mudanças "em Cuba e no mundo" e mais liberdade para os indivíduos e para a Igreja Católica na ilha.
O Pontífice fez várias referências aos "privados de liberdade" durante os três dias de visita ao país encerrados ontem, mas reservou o delicado tema dos prisioneiros políticos do regime comunista para a conversa privada que teve com o ditador Raúl Castro, segundo informação do Vaticano.
Em seu último discurso na ilha, no aeroporto da capital, Bento XVI voltou a tocar no tema das liberdades individuais, dessa vez de modo mais enfático, citando-a como parte das "liberdades fundamentais do homem".
Embargo
O Papa, que também criticou o embargo econômico imposto pelos EUA a Cuba, defendeu o "respeito e o cultivo da liberdade" na ilha.
No aeroporto, Raúl Castro se despediu do Papa afirmando ter com ele "muitas e profundas coincidências" e fez referência positiva aos dissidentes cubanos.
"Reconhecemos a contribuição patriótica da emigração cubana", afirmou. Condenou, contudo, "a manipulação dos temas migratórios com fins políticos".
Dezenas de dissidentes denunciaram ontem ofensiva repressora do governo para impedi-los de protestar ou mesmo de ir à missa celebrada pelo Papa na Praça da Revolução.
A operação foi chamada nas redes sociais de "voto de silêncio". O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, disse que a questão foi abordada pelo Papa com o governo, mas não forneceu detalhes. "Confirmo que foi um tema abordado no encontro pessoal, mas não tenho nomes específicos", disse Lombardi.
O porta-voz havia sido questionado especificamente sobre o caso do americano Alan Gross, prestador de serviços do governo norte-americano preso e condenado em Cuba por distribuir telefones e equipamentos de internet o que é considerado ilegal pelas leis locais.
A família de Gross fez intensa campanha para que o pontífice intercedesse por ele.
Oposição
Lombardi disse que o Papa Bento XVI não concedeu "o minuto" pedido pelo grupo opositor cubano Damas de Branco porque, durante a viagem, não recebeu nenhum grupo específico, quer seja "dentro ou fora da igreja".
O porta-voz disse ainda que os discursos do Papa contêm a percepção dele sobre o tema. "Quando o Papa fala, tem presente o sofrimento dessas pessoas. Não é por acaso que o Papa fala das expectativas de todos os cubanos", disse.
Lombardi afirmou que, "se vocês escutam os discursos, poderão ver a recepção do Papa às mensagens que a ele chegaram e quais são suas perspectivas."
Segundo o porta-voz, o Papa pediu a Raúl que declare a Sexta-Feira Santa feriado em Cuba.
Máquina do partido mobiliza fiéis para missa
"Sigamos todas as instruções para às 7 h termos passado o portão da praça e tenhamos cumprido a nossa tarefa", dizia, microfone na mão, em frente ao Capitólio, no coração turístico de Havana, uma mulher.
Ela orientava os que se encaminhavam à missa do Papa Bento XVI na capital cubana ontem.
Não era uma atividade católica típica, que tem cânticos e velas, mas mais um bem-sucedido exercício da maquina do governo-partido comunista.
A mobilização de fiéis era ordenada. Uns avançavam enquanto outros esperavam sua vez. Havia uma sequência de engajamento dos bairros da cidade a ser respeitada.
Isso levou boa parte dos 350 mil cubanos que se reuniram para ver o Pontífice na emblemática praça da Revolução.
No altar instalado diante dos próceres do governo desenhados em perfis gigantes com hastes de ferro, como os revolucionários Che Guevara e Camilo Cienfuegos, o Papa rezou por pouco mais de uma hora.
Prisão
A poucas quadras dali, Inacio Martínez, 47 anos, assistia à missa pela televisão. Ele alega ter sido impedido de sair de casa por agentes de segurança.
Menos de 24 horas antes, Martínez fora preso em companhia da mulher, a ativista Yvonne Malleza, 35 anos, integrante do grupo opositor Damas de Branco.
Segundo Martínez, Malleza, que esteve presa por 52 dias até ser solta em janeiro, foi detida momentos depois de conversar com a reportagem ontem, por telefone.
"Nos emboscaram numa ruela", conta o marido.