O Papa Bento XVI defendeu "uma profunda renovação da Igreja" nesta segunda-feira, em Roma, na abertura de um simpósio sem precedentes organizado pela hierarquia católica para combater a pedofilia.
"Aliviar as vítimas deve ser um fato da mais alta importância para a comunidade cristã e deve caminhar par a par com uma profunda renovação da Igreja em todos os níveis", afirmou Bento XVI, na abertura desta conferência, destinada a evitar a repetição de escândalos que abalaram profundamente a religião católica nos últimos anos.
Ele disse, na mensagem, que a liderança católica deve "promover, através da Igreja, uma cultura vigorosa na efetiva proteção e apoio às vítimas."
Segundo a declaração, o Papa "apoia e encoraja cada esforço para responder com a caridade evangélica o desafio de proteger crianças e adultos vulneráveis, num meio favorável a seu crescimento humano e espiritual."
Participam do encontro delegados de 110 conferências episcopais e superiores de 33 ordens religiosas.
Cerca de dez anos após a explosão do escândalo de abusos nos Estados Unidos, seguido de revelações em cadeia, da Europa à Austrália, os participantes devem debater, em grande parte, a portas fechadas o tema "Em direção à cura e à renovação".
Sobre as críticas feitas à Igreja, no passado, de proteger os culpados, sem ouvir os jovens feridos, os participantes receberam a recomendação de conversar particularmente com as vítimas, antes de viajar a Roma.
Todos os bispos têm "a obrigação de cooperar" com a justiça, lembrou o cardeal William Levada, guardião da fé católica, pedindo a eles que reconheçam a "profundidade da traição sofrida" pelas vítimas.
Citando os "mais de 4.000 casos" de abusos sexuais cometidos contra menores, registrados em dez anos pela Congregação para a Doutrina da Fé que ele dirige, o cardeal americano considerou que "nenhum buspo ou superior de ordem pode-se considerar isento" das obrigações impostas pelo Vaticano contra a pedofilia.
"Os autores são uma pequena minoria de um clero comprometido e fiel, uma pequena minoria, no entanto, que fez um grande mal", disse.
"É uma responsabilidade maior poder olhar esta praga na Igreja com atenção", declarou nesta segunda-feira na Rádio Vaticano o reitor da Universidade Gregoriana, onde está sendo realizado o simpósio, o bispo francês François-Xavier Dumortier.
Este colóquio não visa a "um efeito de visibilidade", disse ele, em resposta aos que veem nele uma campanha de relações públicas.
Algumas vítimas criticaram o simpósio gigante que, segundo elas, é inútil para salvar a face da Igreja.
"Caramella Buona", uma associação italiana de ajuda às vítimas, queixou-se de não ter podido recomendar a participação de dois de seus membros.
Para Sue Cox, coordenadora da "Survivors Voice", uma coalizão de vítimas na Europa e nos Estados Unidos, "eles não convidaram os que não estão a seu lado. É apenas teatro, de nada serve". Ela desejaria que a Igreja estivesse "aberta à investigação por uma autoridade independente".
"Responsabilidade pelo mal cometido"
Uma vítima convidada ao colóquio, Mary Collins, explicou que via nisso uma "alteração" positiva, um "passo no bom caminho".
"O simpósio parece marcar uma mudança de época, de atitude da Igreja. Um acontecimento extremamente importante para todos, para a Igreja, para os sobreviventes dos abusos e para o futuro", disse à AFP esta irlandesa violada aos 13 anos por um padre, num hospital de Dublin.
"Espero que haja um reconhecimento (por parte dos bispos) que muitas coisas funcionaram mal no passado", acrescentou Mary Collins, que desempenhou um papel essencial na denúncia dos abusos cometidos em sua Igreja da Irlanda, lembrando que "os culpados foram deixados livres".
Para o jesuíta e psicoterapeuta Hans Zollner, organizador do simpósio, a Igreja entende que deve "assumir a responsabilidade pelo mal cometido".
As respostas das vítimas foram diversas: para algumas, "houve muitos feridos, este capítulo da Igreja está fechado". Outras "desejam ajudar para que estes fatos não se repitam mais", observou ele à Rádio Vaticano.
Quarenta relatores vão falar sobre todas as dimensões do problema, da influência da pornografia na internet à formação dos sacerdotes.
Também vão prestar depoimentos os bispos "que agiram com coragem na defesa das vítimas" nas Filipinas, nos Estados Unidos, México, no Brasil, na Alemanha e na África do Sul, segundo os organizadores.
Uma das dificuldades é, devido às diferenças culturais, contribuir para conscientizar as Igrejas da Ásia e da África sobre a dimensão do problema em suas sociedades.
Outras instituições e comunidades devem, também, levar em consideração a extensão dos abusos em suas Casas, para que a Igreja possa mesmo "tornar-se líder na proteção dos menores", segundo o padre Zollner.
O presidente da Congregação dos Bispos, o canadense Marc Ouellet, presidirá nesta terça-feira, na Igreja de Santa Ignácia uma vigília penitencial, onde os responsáveis da Igreja "vão pedir perdão" às milhares de vítimas.
Em relação a medidas concretas, um centro de informação pela internet, amplamente financiado por instituições católicas alemãs, será lançado, para permitir a todos os religiosos do mundo familiarizar-se com as melhores práticas.
Haverá ligações com Gana, Quênia, Argentina, Equador, Índia, Indonésia, Alemanha e Itália.
Para o vaticanista e biógrafo do Papa Marco Politi, a reunião "marca uma mudança histórica porque, pela primeira vez, o Vaticano se prepara para analisar, em nível internacional, a responsabilidade da Igreja nos abusos sexuais".
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Deixe sua opinião