O papa Francisco canonizou neste domingo, em missa solene na Praça de São Pedro, no Vaticano, o papa Paulo VI, o arcebispo Oscar Romero e mais cinco beatos europeus. Entre eles está Nunzio Sulprizio, um jovem de 19 anos que nasceu em Pescara, na Itália, e foi operário e aprendiz de ferreiro.
O Escritório para a Canonização, da Arquidiocese de San Salvador, capital de El Salvador, onde dom Oscar Ranulfo Romero y Galdamez foi arcebispo por pouco mais de três anos, organizou uma caravana para assistir à celebração com quase 7 mil romeiros saídos de El Salvador, segundo o cardeal salvadorenho Gregorio Rosa Chavez. Esses peregrinos estão alojados em hotéis e casas religiosas em Roma.
A maior parte do público era formada por devotos do Norte da Itália, da região de Brescia e de Milão, onde Giovanni Montini foi cardeal-arcebispo antes de ser eleito papa em 1963, quando assumiu o nome de Paulo VI.
O papa Francisco fez duas homenagens significativas aos dois principais canonizados deste domingo. Ele usou o cíngulo (um cordão que os padres levam amarrado na cintura quando celebram missa) com sangue que dom Oscar Romero estava usando quando foi assassinado por um atirador que teria sido contratado por políticos ligados à ditadura que vigorava então em El Salvador. Francisco também usou uma casula que tinha sido de Paulo VI.
Falecido em Castelgandolfo, aos 80 anos, em 6 de agosto de 1978, após 15 anos de pontificado, Paulo VI foi beatificado pelo papa Francisco, com a presença do papa emérito Bento XVI, em 19 de outubro de 2014. Seu corpo está sepultado na Basílica de São Pedro em um túmulo simples, como pediu em seu testamento. Já dom Oscar Romero foi beatificado em maio de 2015. O papa Francisco empenhou-se pessoalmente em seu processo de canonização. Por ser considerado mártir, ele não precisaria do reconhecimento de um milagre para ser declarado santo, mas foi apresentado um: a cura uma mulher que sofria grave risco de morrer de parto.
Os bispos de El Salvador pediram que dom Oscar Romero fosse canonizado em San Salvador ou na Cidade do Panamá, onde Francisco participará, em 2019, da Jornada Mundial da Juventude. Como não poderia viajar a El Salvador e não queria encaixar a canonização na Jornada, o papa marcou a cerimônia para a Praça de São Pedro.
Os bem-aventurados têm sua veneração limitada à região onde viveram ou trabalharam, ou à ordem religiosa ou grupo a que pertenciam Já os santos podem ser venerados no mundo inteiro.
Paulo VI
Dos três papas canonizados e que governaram a Igreja durante ou após o Concílio Vaticano II – João XXIII e João Paulo II, declarados santos em 2014, e Paulo VI –, este último foi o que tinha temperamento mais discreto e era o intelectualmente mais preparado. Filho de uma família de classe média-alta, com traços de nobreza de parte da mãe, nasceu em 1897 na cidadezinha de Concesio, perto de Brescia, na Itália, e recebeu no batismo o nome de Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini. Era de saúde frágil, tanto que, ao se matricular no seminário em 1916, foi autorizado a morar em casa.
Enviado a Varsóvia como adido na Nunciatura Apostólica em 1923, três anos após a ordenação sacerdotal, foi chamado a Roma porque não suportou o inverno polonês. Formado em Direito Canônico pela Universidade Gregoriana, foi professor na Accademia dei Nobili Ecclesiastici e funcionário da Secretaria de Estado, onde trabalhou por 30 anos.
Em 1937, Montini foi nomeado substituto para Assuntos Comuns, sob o então secretário de Estado, cardeal Eugenio Pacelli. Foi reconfirmado no cargo em 1939, quando Pacelli foi eleito papa com o nome de Pio XII. Era um colaborador eficiente e muito próximo do papa, que em 1954 o nomeou arcebispo de Milão. João XXIII lhe deu o título de cardeal em 1958. No conclave de 1963, sucedeu a João XXIII e escolheu o nome de Paulo. Manteve funcionando o Concílio Vaticano II, que havia sido iniciado por seu antecessor, e prometeu levar adiante as reformas propostas para renovação da Igreja.
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Em 1968, Paulo VI abriu a Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Medellín, na Colômbia. Seguiu uma linha conciliadora entre as expectativas conflitantes dos vários grupos, na interpretação e implementação de documentos revolucionários.
Apesar da aparência de fragilidade, Paulo VI foi um papa de pulso forte, mas também um homem de diálogo. Quando era arcebispo de Milão, aproximou-se dos trabalhadores e da Democracia Cristã, de Aldo Moro, de quem foi amigo. Pregava a Doutrina Social da Igreja, base de sua encíclica Populorum Progressio, sobre o desenvolvimento dos povos, de 1967, e da carta apostólica Octogesima Adveniens, de 1971, no 80.º aniversário da Rerum Novarum, de Leão XIII, encíclica considerada o marco inicial da Doutrina Social da Igreja. Outros documentos importantes foram as encíclicas Sacerdotalis Caelibatus, de 1967, sobre o celibato dos padres, e a Humanae Vitae, de 1968, sobre o uso de métodos anticoncepcionais. Paulo VI sofreu diversas pressões, inclusive dentro do episcopado, para que alterasse a doutrina da Igreja a respeito do uso de contraceptivos artificiais, mas não cedeu.
“Eu entrevistei um santo”
Por ocasião da canonização de dom Oscar Romero, o jornalista José Maria Mayrink, do jornal O Estado de S.Paulo, escreveu um relato sobre a oportunidade que teve de entrevista o arcebispo salvadorenho, poucos dias antes de o religioso ser assassinado:
Era uma sexta-feira, 21 de março de 1980, véspera de minha partida de El Salvador, após uma semana de trabalho para uma série de reportagens sobre a violência no país. Guerrilheiros e militantes de esquerda lutavam contra uma junta militar, empenhados em derrubar uma ditadura de centro-direita, instalada cinco meses antes com apoio dos Estados Unidos. Marquei uma entrevista com dom Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, a capital. Ele me recebeu em seu escritório no Seminário São José com mais dois jornalistas, um americano, do jornal Dallas Times Herald, e um alemão, da agência de notícias DPA.
“O senhor não tem medo de morrer?”, perguntei ao arcebispo, quando ele se referiu à sua ação pastoral como mediador, que denunciava os extremismos de direita e de esquerda e lia, nas missas dominicais, a relação de mortos e de desaparecidos da semana anterior. A igreja ficava sempre lotada. Havia ameaças contra ele, e eu queria saber se não temia ser assassinado.
“Em Salvador, todos temos medo. Eu prego a verdade e a justiça. Prego um Evangelho que é o Cristo, solução por caminhos de paz e de amor. Pode parecer ridículo pregar isso, mas é a solução. As soluções violentas não são dignas do homem nem são estáveis. A violência é uma espécie de operação cirúrgica para que o doente se cure logo. A Igreja admite a violência quando não há outro caminho, mas é preciso que seja apenas uma passagem. A insurreição como insurreição não tem sentido”, respondeu dom Oscar.
O arcebispo admitiu o risco de ser morto e, três dias depois, levou um tiro no peito, por volta das 18h30 da segunda-feira, 24 de março, enquanto celebrava a missa no Hospital da Providência. Foi um único disparo, ninguém percebeu de onde saiu a bala. O assassino fugiu, após um ronco do motor de um carro que escapou em disparada.
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A polícia atribuiu o crime a um atirador contratado pela extrema-direita. A Comissão da Verdade da Organização das Nações Unidas (ONU) apurou que o mandante do assassinato foi o major Roberto d’Aubuisson, fundador da Alianza Republicana Nacionalista, em 1981.
No fim da entrevista ao Estado, dom Oscar escreveu um cartão, pedindo-me para entregá-lo a dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo. O cardeal revelou o conteúdo da mensagem em sua autobiografia, Da Esperança à Utopia, publicada pela editora Sextante em 2001. O arcebispo de San Salvador dizia “que nunca esquecia o Brasil e as vítimas do governo ditatorial em suas preces e particularmente em sua missa”. Os dois arcebispos eram amigos desde 1979, quando se conheceram durante a Conferência do Episcopado Latino-Americano de Puebla, no México.
Tranquilo e afável. dom Oscar Arnulfo Romero y Galdamez, então com 62 anos, nasceu em Ciudad Barrios, a 138 quilômetros de San Salvador. Era um homem tranquilo e afável que não se alterava nem quando falava da terrível situação de seu pequeno país, de 21.040 quilômetros quadrados e cerca de 4,5 milhões de habitantes em 1980. Combatia os extremismos, cuja luta custou mais de 75 mil mortos em 13 anos de guerra civil. A direita o odiava, a esquerda o olhava com desconfiança.
“Critiquei as organizações populares (de esquerda), mas a reação do governo é desproporcional e as vítimas são mais numerosas nas esquerdas. A resposta às provocações não deve ser somente militar. É preciso ouvir a voz que clama por justiça. Nos últimos dias, houve vítimas que não morreram em choques, mas em suas casas, após sequestros e torturas”, disse dom Oscar. “Dou números comprovados, temos documentos em nosso Socorro Jurídico: foram mais de 600 os mortos em janeiro e fevereiro”, acrescentou.
Apesar de tudo, dom Oscar ainda confiava na Junta Revolucionária que tomou o poder em outubro de 1979, porque dela participava o Partido Democrata Cristão. Mantinha um diálogo com o governo para solução de problemas. “Chamam-me, às vezes, da Casa Presidencial, ou eu recorro, quando necessário, a membros do governo. Sou um mediador em favor do povo. Quando há ameaças de um massacre, por exemplo, entro em contato com o governo. Mas eles também costumam recorrer a mim.”
A fama de santidade, primeira condição para a abertura do processo de beatificação e canonização, alastrou-se por El Salvador e outros países imediatamente. Chamado de mártir das Américas por ter dado a vida em defesa dos direitos dos pobres e perseguidos, dom Oscar ganhou devotos pelo mundo afora. O papa João Paulo II rezou junto de seu túmulo, quando visitou San Salvador em março de 1983.
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