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Neste domingo, o Vaticano divulgou o texto da mais nova exortação apostólica do papa Francisco. C’est la confiance tem como tema a mensagem de Santa Teresinha do Menino Jesus, “uma das santas mais conhecidas e amadas em todo o mundo”, na definição do papa. O ano de 2023 marca o centenário da beatificação da jovem francesa e 150 anos de seu nascimento; no entanto, Francisco optou por publicar a exortação nem no aniversário natalício da santa, nem na data de sua beatificação, nem em 1.º de outubro, festa litúrgica de Teresinha, mas em 15 de outubro, quando a Igreja Católica comemora Santa Teresa de Ávila, espanhola do século 16 que reformou a ordem carmelita, à qual pertencia Teresinha, apresentada “como fruto maduro da reforma do Carmelo e da espiritualidade da grande santa espanhola”.
A nova exortação apostólica segue uma sequência de homenagens papais a personalidades católicas. A lista inclui o filósofo e matemático Blaise Pascal, no quarto centenário de seu nascimento, em junho; São Francisco de Sales, nos 400 anos de sua morte, em dezembro do ano passado; Dante Alighieri, no sétimo centenário de falecimento do poeta, em 2021; e São Jerônimo, no 16.º centenário de sua morte, em 2020.
O assunto central de C’est la confiance é “a confiança no amor misericordioso de Jesus”; a misericórdia é um dos temas mais importantes do pontificado de Francisco, que desenvolve ao longo do texto outros temas que lhe são caros, como a forma correta de anunciar o Evangelho, “por atração, e não por pressão ou proselitismo” – Francisco costuma empregar o termo “proselitismo” não no sentido tradicional de esforço evangelizador, mas como uma evangelização feita com coerção, agressão ou insistência. Apesar de jamais ter sido enviada em missão, Teresinha, que morreu aos 24 anos, foi declarada doutora da Igreja e padroeira das missões por seu hábito de rezar pela salvação de todas as pessoas – na carta, o papa recorda a experiência que Teresinha teve, ainda antes de entrar no Carmelo, ao rezar pela conversão de um condenado à morte por triplo homicídio.
Francisco afirma que “às vezes, de Teresa, citam-se apenas expressões que são secundárias ou mencionam-se coisas que ela pode ter em comum com qualquer outro santo: a oração, o sacrifício, a piedade eucarística e muitos outros belos testemunhos, mas assim poderíamos privar-nos daquilo que é mais específico do seu dom à Igreja”. Sua contribuição central, diz o pontífice, é o “pequeno caminho” ou “pequena via”, “o caminho da confiança e do amor, conhecido também como o caminho da infância espiritual. Todos o podem seguir, em qualquer estado de vida, nos mais diversos momentos da existência”, descreve o papa. Este caminho inclui a confiança plena no amor e na misericórdia divinas, que Francisco opõe à “ideia pelagiana de santidade (...), que põe o acento principalmente no esforço humano”. A santa costumava recorrer a uma metáfora: Cristo eleva as almas como o elevador, que acabara de ser inventado, levava as pessoas aos pisos mais elevados dos edifícios. O papa, no entanto, ressalta que “este modo de pensar não contrasta com a doutrina católica tradicional sobre o crescimento da graça, isto é, que, uma vez justificados gratuitamente pela graça santificante, ficamos transformados e capacitados para cooperar, com as nossas boas obras, num caminho de crescimento na santidade”.
A “genialidade” da santa francesa, continua o papa, “consiste em levar-nos ao centro, àquilo que é essencial, àquilo que é indispensável. Com as suas palavras e com o seu percurso pessoal, mostra que, embora todos os ensinamentos e normas da Igreja tenham a sua importância, o seu valor, a sua luz, alguns são mais urgentes e mais constitutivos para a vida cristã. Foi nestes que Teresa fixou o olhar e o coração”. E encerra contrapondo a mensagem de Santa Teresinha à mentalidade do mundo moderno:
“Num tempo que nos convida a fechar-nos nos próprios interesses, Teresinha mostra a beleza de fazer da vida um dom. Num período em que prevalecem as necessidades mais superficiais, ela é testemunha da radicalidade evangélica. Numa época de individualismo, ela faz-nos descobrir o valor do amor que se torna intercessão. Num momento em que o ser humano vive obcecado pela grandeza e por novas formas de poder, ela aponta a via da pequenez. Num tempo em que se descartam tantos seres humanos, ela ensina-nos a beleza do cuidado, do ocupar-se do outro. Num momento de complexidade, ela pode ajudar-nos a redescobrir a simplicidade, o primado absoluto do amor, da confiança e do abandono, superando uma lógica legalista e moralista que enche a vida cristã de obrigações e preceitos e congela a alegria do Evangelho. Num tempo de entrincheiramento e reclusão, Teresinha convida-nos à saída missionária, conquistados pela atração de Jesus Cristo e do Evangelho.”