O papa Francisco acompanha de perto o dia a dia dos argentinos e envia cartas e mensagens aos compatriotas cada vez que algum acontecimento desperta sua preocupação.
Nos últimos dias, o sumo pontífice solidarizou-se com a família de duas crianças, de 7 e 10 anos, que morreram sufocadas por um vazamento de gás numa das cerca de 3 mil fábricas têxteis clandestinas que, de acordo com a ONG La Alameda, funcionam na capital argentina, em regime semelhante ao de escravidão.
Em denúncias apresentadas à Justiça, a ONG comandada pelo vereador Gustavo Vera, amigo do papa, assegurou que os trabalhadores das fábricas clandestinas, a grande maioria imigrantes ilegais bolivianos, peruanos e paraguaios, são obrigados a cumprir jornadas de até 16 horas diárias e morar no local com a família.
O que aconteceu me causa muita dor. Peço ao Senhor que nos ajude para que este tipo de coisas, fruto da injustiça, nunca mais aconteçam.
Trata-se de um drama que Francisco acompanhou e denunciou quando era arcebispo de Buenos Aires e colaborava com Vera, a quem enviou uma carta lamentando a trágica morte das crianças.
“A fábrica onde morreram as duas crianças tinha sido denunciada por nossa ONG em 2014, mas o governo portenho não fez nada. Apesar de nossas denúncias, cada vez temos mais fábricas clandestinas, na capital e na província de Buenos Aires”, diz Vera.
Segundo a ONG, que já conseguiu várias condenações na Justiça, agências argentinas trazem trabalhadores ilegais de países limítrofes, que chegam ao país com a esperança de um futuro melhor. Esse foi o caso dos pais de Orlando e Rodrigo Camacho, as crianças que morreram.
De acordo com o pai dos meninos, o boliviano Esteban Mur, a família decidiu mudar-se para a Argentina porque não tinha como viver na Bolívia. Mas a realidade portenha foi muito pior do que imaginavam: entre 14 e 16 horas de trabalho todos os dias, sem documentos e morando em condições extremamente precárias, que terminaram matando seus dois filhos.
“As crianças estavam num sótão, onde dormiam, e não conseguiram escapar. Este é o drama de centenas de famílias de imigrantes ilegais, que trabalham para grandes grifes argentinas”, diz o vereador, que já denunciou marcas de prestígio nacional, entre elas Awada e Cheeky, que pertencem à família da empresária Juliana Awada, mulher do chefe de governo portenho, Maurício Macri, um dos candidatos para as eleições presidenciais de outubro.
De acordo com a ONG, existem mais de 3 mil fábricas clandestinas na capital e na província de Buenos Aires. Os bairros de Flores e Floresta concentram a maioria das fábricas da cidade, entre elas a que sofreu a fuga de gás no final de abril. Semana passada, a mesma fábrica pegou fogo, segundo o vereador, “um incidente que teria sido provocado para queimar provas”.