Na terça-feira, quando pousar em Washington, o Papa Francisco trará muito mais que uma mensagem religiosa: sua agenda será fortemente política. Será a primeira vez na história, por exemplo, que o chefe da Igreja Católica falará no Congresso americano. Vindo diretamente de Havana, ele deverá continuar a fomentar a retomada das conversas entre os dois países. E a chegada do primeiro “Papa hispânico” aos Estados Unidos, como a mídia local tem se referido a Francisco, deverá colocar ainda mais pressão no debate local sobre imigração, que está cada vez mais quente, principalmente depois que o bilionário Donald Trump apresentou propostas como deportar 12 milhões de imigrantes sem papéis.
A própria Casa Branca admitiu, na quinta-feira, que a presença do Papa poderá auxiliar na política interna americana. Temas como mudanças climáticas, desigualdade, redução da pobreza e, principalmente, reforma migratória, aproximam Barack Obama do argentino Mario José Bergoglio. Fazendo a maior parte das missas em espanhol, ele deverá defender a voz dos latino-americanos no país.
“Haverá algumas mensagens com o qual podemos respeitosamente discordar. Mas em muitos itens importantes suas mensagens vão refletir com a agenda do presidente. E, nesse aspecto, estamos esperando que a sua autoridade moral nos ajude a avançar muitos dos itens que consideramos relevante de nossa agenda política”, afirmou o diretor para Assuntos Europeus do Conselho Nacional de Segurança do governo americano, Charlie Kupchan.
Além do inédito encontro com o Congresso, no dia 24, Francisco participará de um evento nos jardins da Casa Branca com até 15 mil pessoas, no dia 23. Depois, terá uma reunião com Barack Obama no Salão Oval. A agenda do Papa continuará política em Nova York, onde falará na ONU no dia 25, provavelmente abordando a crise dos refugiados na Europa, embora a agenda principal será sobre mudanças climáticas. Na sequência, irá à Filadélfia para participar do Encontro Mundial de Famílias.
Cuba deverá ser o grande tema. Barack Obama e Raúl Castro reconhecem que Francisco foi fundamental para a reaproximação dos dois países. O próprio roteiro do Papa, iniciando em Cuba e vindo direto aos Estados Unidos, tem uma carga política e indica que ele não deixará de ser um importante ator no avanço do diálogo entre os dois países.
“A grande ajuda do Papa será tentar sensibilizar os republicanos que ainda se colocam contra o fim do embargo. Embora a maior parte da população dos Estados Unidos defenda a normalização, o Congresso não deverá acabar com as sanções tão cedo”, afirmou o diretor do Atlantic Council, Peter Schechter, lembrando que quase todos os pré-candidatos do partido para as eleições presidenciais de 2016 são contra a retomada das relações entre os países.
Ele afirma que o Papa, em Cuba, poderá exercer influência fundamental para convencer Raúl Castro a se mostrar mais amigável ao diálogo. Schechter lembra que os cubanos precisam acelerar as reformas econômicas que Raúl Castro prometeu fazer. O fato de o presidente cubano ter aceitado vir, pela primeira vez, falar em uma Assembleia-Geral da ONU, mostra uma maior flexibilização de Castro, que deverá discursar no dia 28 em Nova York, mesmo dia da participação de Barack Obama.
O pesquisador Jillian Rafferty, da Divisão Américas do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), acredita que esta visita será histórica:
“Em Cuba o Papa poderá exercer mais pressão política no governo por mais abertura e reformas. Nos Estados Unidos deverá se destacar por ser o primeiro Papa hispânico, em um momento em que este grupo cresce enormemente e que há todo o debate sobre a reforma migratória. Além de chegar em um momento em que está caindo o número de pessoas religiosas no país”, disse ele, que espera o fim do embargo a Cuba em breve, até por pressão do agronegócio americano que quer vender mais à ilha.
Ted Piccone, da Brookings Institution, afirma que o Papa se tornou um negociador confiável entre Havana e Washington e sua atuação tende a crescer.
“A visita do Papa traz outra injeção de esperança para o povo cubano, que está lidando com dificuldades diárias em Cuba. E a questão do embargo, que não acredito que cairá em até dois anos, terá novos atores: as empresas e viajantes americanos estão a tomar as suas próprias medidas para maximizar as aberturas que o presidente Obama criou sua própria dinâmica de pressão sobre o Congresso para agir”, disse ele, se referindo a um grupo de americanos que pressiona pelo fim de embargo por outro motivo: por acreditarem que o governo não pode restringir a visita a um país, pois isso violaria a Constituição.
Mas nem tudo será um mar de flores para Francisco em solo americano. O Papa terá pela frente questões polêmicas para a Igreja Católica, como os casos de padres pedófilos nos Estados Unidos, a legalização do casamento gay e o debate sobre a ampliação do aborto. Se ele, entretanto, conseguiu resolver um problema insolúvel há 50 anos, deverá conseguir passar por estes temas com certa facilidade.
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