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Religião

Papa se aproxima de tradicionalistas

"O Papa não está dizendo que agora é legítimo recusar o Vaticano II. Seu gesto é um convite ao diálogo sobre o Concílio". Dom Fernando Rifan, da Administração Apostólica  São João Maria Vianney, em Campos (RJ), que passou por processo semelhante ao dos lefebvristas | Divulgação
"O Papa não está dizendo que agora é legítimo recusar o Vaticano II. Seu gesto é um convite ao diálogo sobre o Concílio". Dom Fernando Rifan, da Administração Apostólica São João Maria Vianney, em Campos (RJ), que passou por processo semelhante ao dos lefebvristas (Foto: Divulgação)
``No meio desta grande tempestade midiática causada pelos meus imprudentes comentários na televisão sueca, eu imploro para que você aceite, respeitosamente, meu sincero pesar´´Bispo Richard Williamson, que negou o Holocausto, em carta ao Vaticano |

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``No meio desta grande tempestade midiática causada pelos meus imprudentes comentários na televisão sueca, eu imploro para que você aceite, respeitosamente, meu sincero pesar´´Bispo Richard Williamson, que negou o Holocausto, em carta ao Vaticano

O anúncio, feito no dia 25 de janeiro, de que o Papa Bento XVI suspenderia a excomunhão de quatro bispos ligados à Fraternidade São Pio X (FSSPX), lançou o Vaticano em uma semana atribulada. A decisão criou duas polêmicas – uma delas, dentro dos ambientes católicos; a outra, com lideranças judaicas internacionais.

A FSSPX passou décadas criticando certos aspectos dos textos do Concílio Vaticano II, especialmente o ecumenismo (o diálogo para a união dos cristãos) e a noção de liberdade religiosa (o direito de cada pessoa a não ser forçado a adotar determinada religião).

O arcebispo francês Marcel Lefebvre, que acabou excomungado em 1988 junto com um bispo brasileiro e os quatro bispos ordenados por ele (veja cronologia do caso), chegou a fazer declarações severas sobre a situação da Igreja após o Vaticano II. "Roma perdeu a Fé, Roma está em apostasia", afirmou Lefebvre em 1987.

Tissier de Mallerais, um dos bispos ordenados, disse em 2006 que Bento XVI havia defendido heresias no passado, antes de se tornar Papa. "Ratzinger, como herege, vai além dos erros protestantes de Lutero", afirmou em 2007 outro dos bispos da FSSPX, Richard Williamson.

Bento XVI, desde os tempos de cardeal, vem combatendo o relativismo, modo de pensar que considera igualmente boas todas as religiões. Especialmente dentro da Igreja Católica, Ratzinger tem se esforçado contra os católicos que selecionam apenas os pontos da doutrina e da moral com que concordam, dando-se o direito de recusar aquilo de que não gostam – nos Estados Unidos, esses fiéis são chamados de "cafeteria Catholics", ou "católicos self-service". No entanto, os bispos e fiéis ligados à FSSPX se recusam a aceitar pontos do Concílio Vaticano II e o missal promulgado por Paulo VI em 1969. Assim, com a revogação das excomunhões, católicos se perguntam: como um Papa com esse perfil poderia estar abrindo a cafeteria para a "ultradireita" católica?

Uma primeira pista para a resposta pode estar na formulação do decreto divulgado no fim de semana passado. A remoção das excomunhões poderia ter vindo de duas maneiras: uma declaração de nulidade, significando que a Igreja havia julgado mal os acontecimentos de 1988 e que, na verdade, nem Lefebvre nem os outros bispos nunca foram realmente excomungados; e uma revogação, significando que a excomunhão foi legítima, e agora os bispos eram perdoados pelo Papa. Bento XVI escolheu a segunda opção, deixando claro que as ordenações de 1988 foram uma violação da autoridade papal.

Além disso, desde o início do seu pontificado Bento XVI tem reafirmado sua adesão ao Vaticano II, inclusive colocando-o como guia para seu governo. E os pronunciamentos do Papa logo após a revogação das excomunhões revelam que seu objetivo é levar a FSSPX à plena aceitação do concílio.

"Faço votos de que a esse meu gesto siga o solícito compromisso por parte deles de dar os ulteriores passos necessários para realizar a plena comunhão com a Igreja, testemunhando assim a verdadeira fidelidade e verdadeiro reconhecimento do magistério e da autoridade do Papa e do Concílio Vaticano II", afirmou o Papa na última quarta-feira, durante a audiência geral no Vaticano.

Da recusa à aceitação

O caminho que o Papa quer ver a FSSPX percorrer já foi trilhado no Brasil. Na década de 1970, dom Fernando Rifan se preparava para o sacerdócio em um clima de crítica ao Vaticano II. "No auge da crise pós-conciliar, os modernistas pregavam aos quatro ventos a ideia de que o Vaticano II tinha mudado a Igreja, que era uma ruptura com o catolicismo do passado. Nós, vendo que os modernistas interpretavam assim, achamos que era isso mesmo que o Concílio pretendia. No fim, acabamos tendo a mesma interpretação dos modernistas, mas eles a adotavam, e nós a criticávamos", conta.

Hoje, dom Fernando é administrador apostólico em Campos (RJ), onde está sediada a Administração Apostólica São João Maria Vianney, dedicada a celebrar e divulgar a missa no rito tradicional, anterior a 1969 – e aceita o Vaticano II em sua plenitude. No Jubileu do ano 2000, João Paulo II convidou a FSSPX e os padres de Campos para negociar a reconciliação. As conversas com a FSSPX não prosperaram, mas os brasileiros mostraram mais disposição, e o Papa erigiu a Administração Apostólica em 2002.

Dom Fernando considera o fim das excomunhões apenas o começo de um processo. "O Papa não está dizendo que agora é legítimo recusar o Vaticano II. Seu gesto é um convite ao diálogo sobre o Concílio, para que a FSSPX também chegue aonde nós chegamos", afirma, acreditando que o retorno dos tradicionalistas fortalece a Igreja e o próprio Vaticano II. "Promovemos um grande serviço oferecendo a interpretação correta dos documentos conciliares. E a FSSPX pode fazer isso em nível praticamente mundial, por estar presente em muitos países", acrescenta. Se fizerem isso, os padres e bispos tradicionalistas poderão vencer as resistências que dom Fernando e seus padres também enfrentaram no começo.

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