Um fluxo constante de suprimentos para ajudar as vítimas do terremoto no Paquistão chegou nesta quinta-feira à região afetada, mas o cenário continuava caótico. Sobreviventes e socorristas enfrentavam dificuldades para distribuir o material.
O presidente Pervez Musharraf fez, na quarta-feira à noite, um apelo para que o país se una em face da tragédia. Ele pediu que as 3,3 milhões de pessoas afetadas pelo tremor tenham paciência e afirmou que os esforços para aliviar seu sofrimento estavam se intensificando.
Mas a mensagem nem mesmo atingiu a maioria dos sobreviventes nas montanhas do Norte do país, que estão agora há seis dias sem eletricidade, alimentos, água e abrigo.
Uma equipe médica de cinco pessoas disse ter vindo de uma parte não afetada pelo terremoto no Norte do Paquistão para oferecer seus serviços em Muzaffarabad, capital da Cachemira paquistanesa e a cidade mais atingida pelo tremor do último sábado, de magnitude de 7,6 graus.
- Queremos ajudar, mas não sabemos por onde começar. Onde está a organização? Para onde devemos ir? - disse Rehmat Ullah Wazir, que trabalha no departamento de cirurgia de um hospital.
Ele disse ter encontrado pelo menos cinco outras equipes em situação semelhante, tendo sido enviadas para a Cachemira com equipamentos e remédios, mas sem ter idéia de para onde ir.
O empresário Achmed Rafiqi voltou de Karachi, capital comercial do Paquistão, a Muzaffarabad, na quarta-feira à noite, e encontrou uma pilha de destroços onde antes ficava sua casa e sua loja de eletrônicos.
- Temo que toda a minha família esteja ali embaixo. Mas como posso encontrá-los? Como posso enterrá-los? Não há ninguém para ajudar, nem mesmo Deus - disse.
NÚMERO REAL DE MORTOS É DESCONHECIDO - Ainda não se sabe o número oficial de mortos no Norte do Paquistão. O governo trabalha com 25 mil nesta quinta-feira, mas espera-se que a marca aumente à medida que os socorristas alcancem as aldeias remotas dos vales montanhosos no contraforte do Himalaia. Há outras 1.200 mortes confirmadas do outro lado da fronteira, na Cachemira indiana.
Algumas autoridades e políticos locais do lado paquistanês afirmam que as mortes podem ultrapassar 40 mil. Tanto as autoridades como os grupos de ajuda estão preocupados com asáreas ainda inacessíveis.
A organização de ajuda a crianças Plan International disse que esteve em vilas isoladas no vale de Siran, na província da Fronteira Noroeste, e ouviu falar de devastação generalizada e milhares de mortos. O contato dessas aldeias com a organização foi o primeiro com pessoas de fora desde o terremoto, segundo a Plan.
Multiplicam-se histórias de que a adversidade uniu pessoas - o sikh Radesh Singh juntou forças com amigos hindus, cristãos e muçulmanos para levar ajuda de Peshawar a Mansehra.
- Estamos aqui sem qualquer viés religioso, pelas pessoas que estão em extrema necessidade de ajuda e cuidados - disse Radesh.
Décadas de hostilidade e desconfiança, porém, parecem estar frustrando oportunidades de cooperação entre a Índia e o Paquistão sobre a Linha de Controle, fronteira que divide a turbulenta Cachemira.
Um porta-voz do Exército indiano disse nesta quinta-feira que pequenos grupos de soldados indianos cruzaram a fronteira a convite do Paquistão, para ajudar a consertar uma casamata contra a qual eles teriam disparado. Mas os paquistaneses imediatamente desmentiram esse relato.
No seu discurso à nação na quarta-feira à noite, porém, Musharraf destacou o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh ao agradecer a comunidade internacional pela ajuda ao Paquistão.
Até agora foram recebidas do exterior promessas de ajuda de cerca de US$ 350 milhões e foram levantados no próprio Paquistão perto de US$ 17 milhões.
GOVERNO FOCA EM ALIMENTOS E ABRIGO - Choques posteriores ainda abalavam a região afetada pelo terremoto e a expectativa é que continuem, segundo fontes dos serviços de meteorologia. Na quinta-feira, um tremor de magnitude 5,6 atingiu Islamabad.
As autoridades também estão preocupadas com o clima. As partes mais altas da zona do desastre já tiveram a sua primeira nevada e é preciso conseguir abrigo com urgência antes que o inverno se intensifique. As temperaturas já atingem 6 graus centígrados.
Em Muzaffarabad, ouviam-se o barulho de caminhões durante toda a noite. Ao amanhecer, porém, não se via um sistema de distribuição coordenado, e gangues de habitantes desesperados continuavam a perseguir cada caminhão ou ônibus que poderia estar carregando material de ajuda.
Milhares de pessoas levando caixas e sacos continuavam a caminhar em direção às montanhas, na tentativa de encontrar familiares que deixaram para trás nas aldeias, quando foram buscar trabalho nas grandes cidades.
- Vou para casa. Acabo de encontrar em Muzaffarabad uma pessoa da minha aldeia que me disse que três pessoas da minha família morreram - minha mulher, minha irmã e um filho. Mas só vou acreditar se vir seus corpos - disse Ikram. Segundo ele, sua aldeia fica a 30 quilômetros de distância.
Organizações internacionais disseram que, dado o alcance do problema, o esforço de ajuda estava indo tão bem quanto possível.
- Devido ao tamanho e à magnitude do terremoto e às áreas (afetadas), as coisas estão indo razoavelmente bem. Meu pessoal na região não se queixa da coordenação - disse o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, em Portugal.
Quatro corpos foram recuperados dos escombros das Margala Towers, em Islamabad, o único dano significativo sofrido na capital do Paquistão.
Com a descoberta dos corpos de um funcionário do consulado italiano, de dois paquistaneses e de outra pessoa não identificada, o número total de mortes devido ao desmoronamento do bloco de apartamentos chegou a 42. Quarenta pessoas ainda estão desaparecidas.