Ainda não está claro de que maneira o assassinato da deputada Jo Cox vai afetar o resultado do referendo pela saída do Reino Unido da União Europeia – a uma semana da votação, a campanha foi abruptamente interrompida na quinta-feira. Mesmo assim, a morte da trabalhista, uma ferrenha defensora da imigração e da permanência do país no bloco, passa a ter um peso significativo no debate sobre a votação que vai definir o futuro do país. Descrito inicialmente como um solitário que tinha problemas mentais, o assassino, Thomas Mair, pode, na verdade, ser um neonazista – segundo um grupo de defesa dos direitos civis, ele é um “partidário incondicional” da Aliança Nacional, que foi durante muitos anos a organização supremacista mais importante dos Estados Unidos. Mair – que foi indiciado formalmente na sexta-feira – seria ainda assinante de uma revista pró-apartheid da África do Sul.
As bolsas e a libra esterlina abriram em alta na sexta-feira, após vários dias de queda, o que pode indicar uma percepção geral de que o assassinato deve frear o avanço dos partidários do “Brexit” – como é chamada a saída britânica da UE. E depois de o Financial Times e da revista The Economist, na sexta foi a vez de o jornal The Times anunciar em editorial seu apoio à permanência no bloco. Analistas, no entanto, evitam comentar qual dos dois lados poderia se beneficiar da tragédia. E lembram que a morte de Cox, apenas uma semana antes de uma votação crucial, pode ter consequências imprevisíveis sobre a opinião pública.
“É um momento de crise, isso muda as coisas”, disse Robert Worcester, fundador da empresa de pesquisas Ipsos. “Se um dos lados lidar mal (com o crime), a reação seria feroz. Agora estão tentando descobrir como responder a isso.”
Tolerância
Na sexta-feira, ao lado do líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn, o primeiro-ministro David Cameron lembrou que a tolerância é a base da democracia britânica. Corbyn, por sua vez, anunciou que o Parlamento se reunirá na segunda-feira em memória a Cox, interrompendo o recesso obrigatório pelo referendo. “Onde vemos ódio, onde vemos divisões, onde vemos intolerância, temos de erradicá-los”, disse Cameron em Birstall. A chanceler alemã, Angela Merkel, também se uniu aos apelos. “Acredito que a lição que deve ficar é que temos de mostrar respeito inclusive se tivermos opiniões políticas diferentes.”
Enquanto isso, as investigações mostram que o assassino pode não ser um doente mental, como indicava o quadro inicial – Mair estava lúcido quando foi interrogado pela primeira vez – e agentes antiterrorismo se uniram ao inquérito policial. Na sexta-feira, o Southern Poverty Law Center, uma das principais organizações de direitos civis dos EUA, publicou cópias de recibos de alguém com o nome de Thomas Mair, de West Yorkshire – o condado onde o agressor e Jo viviam –, relativos à aquisição de publicações sobre explosivos e fabricação de munições da Aliança Nacional. Segundo os documentos, que remontam à década de 1990, ele gastou mais de US$ 620 em publicações do grupo, que defende a criação de uma pátria branca e a erradicação dos judeus. Também consta a compra de um manual para membros do Partido Nazista de 1942.
A deputada trabalhista já recebera ameaças de um homem, que não é o suspeito. Segundo o The Times, a polícia havia considerado a possibilidade de oferecer proteção à parlamentar. “Os agentes receberam informações da deputada Jo Cox sobre comunicações mal-intencionadas. Em março de 2016, um homem foi detido”, disse uma fonte ao jornal.
Antes do ataque, ele teria gritado “Britain First” (“Reino Unido em primeiro lugar”), o que poderia ser uma referência tanto ao partido de extrema-direita de mesmo nome quanto ao slogan dos que defendem a saída da UE. Num primeiro momento, a legenda distanciou-se do ataque, expressando choque com a morte, mas alguns de seus membros chamaram Cox de “traidora” nas redes sociais.