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América central

Paramilitares que apoiam governo de ditador aterrorizam a Nicarágua

Manifestantes contra Ortega erguem cruz que foi derrubada por paramilitares | Juan Carlos/Washington Post
Manifestantes contra Ortega erguem cruz que foi derrubada por paramilitares (Foto: Juan Carlos/Washington Post)

Quando os paramilitares nicaraguenses o despiram e o empurraram para um buraco parecido com uma cova, Marco Noel Novoa presumiu que sua vida terminaria em breve. O estudante de 26 anos participara ativamente dos protestos contra o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. Havia ajudado na ocupação de uma universidade e coletado dinheiro para a oposição. E, como agravante, tinha o fato de ser americano e estava no meio de um conflito no qual o Departamento de Estado americano denunciou o governo de Ortega e exigiu o fim da violência patrocinada pelo Estado. 

 Com armas apontadas para ele, disse Novoa, gritou em desespero, insultando Ortega e pedindo uma Nicarágua livre. "Pensava fosse morrer", lembrou o estudante, semanas depois.

Os nicaraguenses tem visto os paramilitares - milicianos à paisana que parecem estar trabalhando em estreita coordenação com as forças de segurança do governo - lutarem contra os manifestantes desde o início do levante contra o governo de Ortega, há três meses. Eles queimaram casas, empresas e edifícios universitários. 

A ação dos paramilitares

Mas há um lado visível da violência: esses bandos de pistoleiros mascarados silenciosamente sequestraram e torturaram dissidentes como Novoa. Cerca de 600 pessoas foram capturadas por grupos armados e desapareceram, de acordo com a Associação Nicaraguense de Direitos Humanos. 

O estudante passou sete dias em cativeiro no final de maio, e disse ter sofrido espancamentos regulares, choques elétricos, execuções simuladas e afogamento. "Eles levaram a minha humanidade", disse ele. 

O relato de Novoa não pôde ser verificado de forma independente, mas foi corroborada pelo seu pai. Os relatórios médicos, vistos pelo Washington Post, são consistentes com os ferimentos descritos. Ele e sua família fugiram da Nicarágua e agora estão nos Estados Unidos. 

 Ortega tem negado que as forças paramilitares estejam realizando violência em nome de seu governo. A Polícia Nacional da Nicarágua não respondeu a um pedido por escrito para comentar o caso de Novoa. 

 Em alguns lugares, os paramilitares vão de casa em casa à procura de manifestantes e participaram de "detenções ilegais, desaparecimentos forçados e execuções", informou o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos em um relatório emjulho. 

 "É impossível que os paramilitares possam atuar sem a participação direta do Estado", disse Gonzalo Carrion, diretor jurídico da entidade. "Eles são um aparato de repressão e terror". 

 O governo Trump tem criticado cada vez mais o governo de Ortega. Em julho, o Departamento do Tesouro impôs sanções contra três altos funcionários da Nicarágua. Na segunda-feira, a Casa Branca disse em comunicado que "o presidente Ortega e o vice-presidente Murillo são os responsáveis pelos paramilitares pró-governo de que tem embrutecido seu próprio povo." 

Até agora, grupos de direitos humanos estimam que até 450 pessoas foram mortas desde o início dos protestos em abril, em meio a uma onda de raiva contra as reformas da previdência e frustrações gerais contra o governo de Ortega, acusado de erodir constituições democráticas, enquanto enriquece a si mesmo e sua família. Mais de 2,8 mil pessoas foram feridas, de acordo com a Associação Nicaraguense de Direitos Humanos. 

As negativas de Ortega

Ortega, um ex-guerrilheiro marxista durante a guerra civil da Nicarágua (1979) e que agora está em seu quarto mandato como presidente, negou a colaboração entre o governo e as forças paramilitares e se referiu a esses pistoleiros como "policiais voluntários". O ditador disse em entrevistas televisionadas que essas forças são organizadas por outros partidos políticos, incluindo opositores do governo, e recebem financiamento de traficantes de drogas e dos Estados Unidos. 

 "Eles não são paramilitares", disse Ortega à CNN na segunda-feira. "Eles são cidadãos se defendendo." 

 Felix Maradiaga, um acadêmico formado em Harvard e ex-funcionário do alto escalão do governo da Nicarágua, liderava um grupo de discussão sobre não violência dentro de um restaurante na cidade de Leon, quando várias pessoas entraram na sala. Maradiaga foi acusado por um alto comandante da polícia de ser um mentor por trás dos protestos, algo que nega. Os milicianos começaram a chamá-lo de assassino.

 "Eles começaram a jogar copos, mesas e cadeiras”, lembrou-se. Os homens avançaram sobre Maradiaga, deslocaram seu queixo, quebraram o nariz dele e machucaram três dedos. 

 No Twitter, Francisco Palmieri, principal vice-secretário assistente para Assuntos do Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado, condenou o ataque à Maradiaga e a violência e intimidação patrocinadas por um governo descarado. 

 Maradiaga, que permanece na Nicarágua, disse que a crítica pública do governo em direção a ele é aterrorizante. "É basicamente uma sentença de morte", disse ele. 

Quem são os paramilitares

 As forças paramilitares da Nicarágua são um grupo formado por soldados e policiais antigos e atuais, ex-combatentes sandinistas da guerra civil dos anos 80, autoridades locais, pessoas leais ao partido nos bairros e simpatizantes de Ortega, apontam especialistas em segurança e grupos de direitos humanos. 

 Os paramilitares viajam em comboios de caminhões, às vezes agitando bandeiras vermelhas e pretas do partido sandinista, brandindo fuzis AK-47s e outras armas. Aqueles que os viram dizem que suas patrulhas organizadas, a pé e em veículos, e sua familiaridade com armas, sugerem que receberam treinamento militar ou policial,. 

"É difícil precisar quantos são, mas eles têm uma presença nacional", disse Roberto Cajina, especialista em segurança na Nicarágua. 

 Paramilitares saquearam igrejas católicas em várias cidades depois que partidários do governo acusaram igrejas de dar refúgio a manifestantes, a quem o governo considera como criminosos e terroristas. 

"Chegam a agir totalmente fora da lei", disse Tanya Mroczek-Amador, diretora-executiva da Corner of Love, uma organização religiosa com base no estado de Washington (Noroeste dos Estados Unidos) que importa remédios para a Nicarágua e cuja igreja, perto da cidade de Matagalpa (Norte da Nicarágua) foi atacada por paramilitares. "Eles estão à caça de médicos e de pessoas que fornecem remédios". 

Na fachada da saqueada Basílica de São Sebastião, em Diriamba, uma cidade ao sul da capital, alguém grafitou uma calúnia contra os padres e escreveu a frase "meu comandante fica", uma referência a Ortega. 

 Após o início da revolta na Nicarágua, em abril, manifestantes incendiaram a delegacia de polícia da cidade, atacaram o gabinete do prefeito e ergueram barricadas de tijolos com o objetivo de impedir a entrada de forças do governo. Em julho, os paramilitares ocuparam a cidade em uma batalha que deixou vários mortos. 

 "Graças a Deus a população tirou as barricadas", disse Abbali Barahona, um funcionário da prefeitura de Diriamba, enquanto esperava na praça da cidade por uma caravana governamental. Os manifestantes, disse ele, são "criminosos preguiçosos". 

 Enquanto ele falava, duas dúzias de milicianos mascarados portando rifles se posicionaram vigiando a basílica e a praça central antes de fazer a escolta da caravana em sua viagem. “Paramilitares não existem aqui", disse Barahona. 

 Sequestro e torturas 

Os paramilitares chegaram até Novoa enquanto ele recolhia dinheiro. Na noite de 24 de maio, lembrou-se, algumas dúzias de pistoleiros mascarados cercaram uma casa em Manágua, para onde ele fora, após ser informado que o pai de um amigo queria fazer uma doação. Rapidamente foi capturado, espancado, vendado e amordaçado com um pano encharcado de produtos químicos, disse ele. 

 "Eles me jogam no caminhão, colocam uma pistola no meu pescoço e outra nas minhas costas. Me disseram que se eu me movesse, iria levar um tiro." 

 Novoa cresceu viajando pelo mundo - Estados Unidos, Sri Lanka, Paquistão, Austrália, Malásia. Filho de um funcionário da empresa de tabaco, voltou para a Nicarágua para cursar o ensino médio e faculdade. Estava a um mês de se formar na Universidade Americana em Manágua quando os protestos começaram. 

 Ele se juntou a manifestações com seus colegas de classe, mas sua convicção se aprofundou quando viu forças pró-governo atacando estudantes e voluntários com armas e gás lacrimogêneo dentro da Catedral de Manágua. "Estávamos tentando nos proteger. Eles estavam atirando em nós com balas de verdade", disse Novoa. 

 Quando foi capturado, Novoa foi levado a um lugar que ele acreditava ser uma prisão particular em uma fazenda perto da capital. Ele foi mantido nu em uma pequena cela e disse que podia ouvir vários outros prisioneiros. Nos momentos em que sua venda deslizava, Novoa disse que identificou policiais à paisana junto com pistoleiros. 

Durante o cativeiro, o estudante disse que foi regularmente encharcado com água e eletrocutado com uma pistola paralisante. Numa sessão, um guarda quebrou o tornozelo direito com a coronha de um rifle. No outro, seus captores o afogaram, prendendo-o a uma engenhoca de madeira, com os pés para cima e derramando água sobre a boca e o nariz. 

O estudante disse que foi jogado no acostamento de uma estrada perto de Manágua na noite de 31 de maio. Encontrou um vigilante de segurança, ligou para seus pais e foi levado ao hospital Vivian Pellas. O prontuário do hospital registra o tornozelo quebrado e os efeitos da "agressão psicológica e física" devido ao seqüestro. 

Agora que está fora da Nicarágua, Novoa acredita que sua condição de cidadão americano, de uma família de classe alta, pode ter sido a única coisa que salvou sua vida. "Sou cidadão dos EUA e é isso que recebi. Imagine se fosse nicaraguense."

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