Porto Alegre O português João Pacheco, embaixador da Comissão Européia no Brasil, passou as últimas semanas entre reuniões com representantes do Itamaraty e seus companheiros europeus. Pacheco é uma das figuras centrais por trás do acordo que vai alçar o Brasil à condição de parceiro estratégico da União Européia. A parceria será lançada no próximo dia 5 de julho, durante a I Cúpula BrasilUE, em Portugal, onde o presidente Lula estará presente para falar sobre os biocombustíveis.
Atualmente, apenas seis países têm esse tipo de relação com o bloco europeu: Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Índia, China e Rússia. Segundo o embaixador, a parceria não irá afetar o Mercosul e apenas reconhece a posição de liderança do Brasil no bloco sul-americano. Ele falou com a reportagem da Gazeta do Povo em Porto Alegre, durante o Seminário de Cooperação Internacional realizado nesta última semana na capital gaúcha, onde foram discutidos o estado atual e as perspectivas de cooperação entre Brasil e União Européia. Confira os principais trechos da entrevista:
Qual é a idéia de estabelecer uma relação privilegiada com o Brasil? O que muda?
Vai mudar muito. Nós, a União Européia, temos relações de parceria estratégica com poucos países. A nossa idéia é desenvolver essa relação com países que podem ajudar a formatar um mundo mais equilibrado. E o Brasil já é sem dúvida a maior força na América do Sul e está cada vez mais sendo um interveniente disputado no mundo. Portanto, é natural que nós busquemos ter uma relação privilegiada com o Brasil. Há uma outra razão que é bilateral. Nós temos um estoque de investimentos no Brasil que é superior ao que temos na Índia, na África do Sul ou na Rússia. Esse estoque é de cerca de 85 bilhões de euros. O Brasil para nós ainda representa pouco em termos de exportações. Nós representamos 22% das exportações brasileiras. O Brasil representa 1,8% das nossas exportações. Podemos fazer mais. Há um grande potencial de crescimento.
O biocombustível vai ser o grande tema dessa primeira cúpula BrasilUE, em que será lançada a parceria estratégica. Coincidência ou é esse o grande interesse da UE com o Brasil?
É o grande interesse do Brasil, por isso que está aí. É também um interesse nosso. Decidimos recentemente aumentar a incorporação obrigatória do biocombustível na gasolina e no diesel, para 10% (até 2012). Então vamos precisar resolver a questão sobre a importação, que é crucial isso com o Mercosul como um todo, não só com o Brasil e ver também que haja uma garantia de que a produção de biocombustível não vá prejudicar o meio ambiente, a mata amazônica, por exemplo.
Ao se priorizar as relações com apenas um dos quatro países do Mercosul o Brasil , a União Européia não está colocando o bloco num segundo plano?
Essa é uma pergunta muito importante e que nós queremos deixar muito claro. Essa relação bilateral com o Brasil reconhece o peso do Brasil. Tudo quanto é discussão de negociação comercial para baixar alíquotas, baixar tarifas, mudar o acesso a mercados, nós queremos fazer com o bloco Mercosul. Somos a favor da integração regional na América do Sul. Nós somos um produto de integração regional. E nós queremos que o Brasil também queira que assim seja. Agora, a negociação com o Mercosul, eu não diria que está parada, mas que não tem avançado em substância. Pelo menos desde 2004. Mas há um fato novo. A rodada de Doha atravessa um momento de clarificação. E nós precisamos ter essa clarificação. Por quê? Porque precisamos saber que concessões vamos fazer na rodada. Nós, na agricultura, e o Brasil e a Argentina na indústria, nos serviços. Só depois poderemos avançar bilateralmente. Estou convicto que essa clarificação vai vir agora rapidamente. Ou se define agora ou vamos ter que esperar mais alguns anos. Desde que haja essa clarificação, quer seja um sucesso que todos nós queríamos, ou que se chegue à conclusão que agora não é possível um acordo, nós poderemos avançar já em seguida com o relançamento da negociação, em substância, com o Mercosul.
Em 2005, quando as negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foram paralisadas, os EUA avançaram em acordos bilaterais na América Latina (Colômbia, Peru e Equador). A União Européia não está seguindo essa tendência?
Não. Nós não fazemos acordos bilaterais aqui. Nós queremos fazer acordos com o Mercosul. Nós lançamos agora uma negociação com a Comunidade Andina das Nações. Estamos também avançando num acordo com a América Central, como um todo, não país a país.
Mas com o Chile vocês têm um acordo bilateral?
Sim, com o Chile, assim como o México, mas porque eles fazem acordos (bilaterais) com todo o mundo.
A inclusão da Venezuela no Mercosul é um fator complicador para as negociações com a União Européia?
Nós somos a favor da expansão da integração. Em princípio temos uma atitude positiva. O que nós esperamos é que haja uma clarificação da posição da situação da Venezuela no Mercosul. Queremos saber como a Venezuela vai se integrar nessa negociação, porque hoje para nós isso não é claro.
A redução de subsídios agrícolas é um ponto sensível para a União Européia. O senhor acha que os países da UE estão dispostos a avançar nisso?
Existem dois planos. Há o plano da rodada de Doha, que claramente é um dos problemas mais difíceis. Nós já afirmamos que estamos dispostos a reduzir os nossos subsídios agrícolas em mais de 75%. Nós já fizemos a reforma. O problema de Doha parece que está com os Estados Unidos. Na negociação bilateral, a negociação está esclarecida desde 2004. Isso porque os nossos subsídios atuais não provocam distorções do comércio agrícola e, portanto, não causam problemas para os parceiros comerciais. Os problemas que se tinham com o açúcar e a carne bovina foram resolvidos. Então toda essa questão de subsídio não tem praticamente relevância desde 2004. Facilita muito.
Em Doha, então, são os EUA que estão atrapalhando?
Estão, porque os Estados Unidos hoje dão subsídios por volta de US$ 11 bilhões, mas querem manter um teto de subsídio de US$ 22 bilhões. É difícil para os outros parceiros, nós incluído, aceitarem que os EUA tenham um teto na rodada de Doha que é o dobro do que eles dão hoje de subsídio. Como é? Eles podem aumentar amanhã o subsídio depois de fechar um acordo comercial? Não pode ser.
E qual é o valor de subsídios na União Européia hoje?
Nós tínhamos um volume de subsídios que estava em US$ 60 bilhões, antes. Fomos reduzindo, e hoje está em US$ 30 bilhões, e estamos dispostos a baixar mais.
João Pacheco, embaixador da Comissão Européia no Brasil.
O repórter viajou a convite da União Européia.