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Neste domingo

Partidos sequestrados, eleitores coagidos: por que as eleições parlamentares da Venezuela são uma fraude

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Ativistas da oposição protestam, convocando o boicote às próximas eleições parlamentares, em frente à sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) em Caracas, em 2 de dezembro de 2020 (Foto: Cristian HERNANDEZ / AFP)

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Nicolás Maduro está prestes a finalizar mais um golpe na oposição venezuelana. As eleições parlamentares, convocadas pela ditadura e boicotadas pelos opositores, ocorrerão neste domingo, 6 de dezembro, e há pouca ou nenhuma dúvida sobre quem será o vencedor do pleito.

Usando o controle que tem sobre a justiça e os órgãos eleitorais venezuelanos, a ditadura chavista já vislumbra a retomada da Assembleia Nacional a partir do ano que vem, quando controlarão todas as esferas de poder na Venezuela, enfraquecendo ainda mais a já desgastada oposição do líder Juan Guaidó, cujo mandato como deputado oficialmente terminaria em 4 de janeiro de 2021.

O uso do verbo no futuro do pretérito é para sinalizar que, para uma parte da população venezuelana, Guaidó continuará sendo deputado e presidente interino do país, mesmo após as eleições deste domingo.

Isso, porque há diversos atos em todo o processo eleitoral conduzido pela ditadura que demonstram a ilegitimidade da eleição que se avizinha, com violações à Constituição e às leis eleitorais do país.

Foi isso que mostrou um estudo sobre as condições das eleições parlamentares na Venezuela, feito pela Universidade Católica Andrés Bello (Ucab) e pelo Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea) no mês passado. Entre os fatos mais preocupantes, estão a eleição de um novo Conselho Nacional Eleitoral sem a aprovação da Assembleia Nacional, a intervenção judicial em partidos, o aumento ilegal do número de parlamentares e a ameaça a eleitores que, de alguma forma, dependem de auxílio do regime, além da supressão da liberdade de imprensa.

A oposição que não é oposição e o sequestro de partidos

Com o objetivo de alcançar uma aparente pluralidade na participação na disputa eleitoral, o Tribunal Supremo de Justiça do regime destituiu autoridades e líderes de partidos políticos da oposição e indicou outras pessoas, sem reconhecimento interno, para liderá-los. Isso aconteceu com o Voluntad Popular, com o Acción Democratica e com o Primero Justicia, os principais partidos da oposição. Partidos de esquerda que tentaram formar um bloco separando-se do oficialismo, também foram alvos deste sequestro, como o Tupamaro.

“A substituição das Juntas Diretivas [dos partidos] sem o devido processo... mostra a ausência de separação de poderes para a utilização do Supremo Tribunal Federal… como instrumento político. Esta situação preocupante oferece vantagens ao governo de Nicolás Maduro e permite acabar com a oposição política”, afirma o informe da Idea-Ucab.

Como resultado, os eleitores verão os partidos de oposição, com seus números e logotipos, na urna eletrônica. Isso dá um verniz de legitimidade ao pleito, de que a eleição é pluripartidária, quando na verdade, os principais nomes da oposição estão impedidos de concorrer pelos próprios partidos. Sob o comando do deputado José Brito, o “novo” Primero Justicia, por exemplo, tem até generais chavistas em suas listas eleitorais.

“Ao eleitor se apresentam ofertas enganosas que aprofundam a falta de confiança num CNE [Conselho Nacional Eleitoral], que sofre de defeito de origem por não ter sido designado de acordo com a Constituição e com a concretização de acordos entre as forças políticas adversárias”.

O Conselho Nacional Eleitoral

Este, aliás, é outro ponto pelo qual as eleições parlamentares são consideradas ilegítimas. O novo CNE também foi escolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça após um impasse na Assembleia Nacional - embora a constituição venezuelana estabeleça que o órgão eleitoral seja nomeado pelo legislativo. Apesar da renovação, a composição do CNE continua majoritariamente pró-Maduro, com participação de uma ex-embaixadora do regime na Espanha e da ex-vice-presidente do Tribunal Supremo de Justiça do chavismo.

Além disso, o “novo” CNE aumentou, ilegalmente, o número de assentos da Assembleia Nacional, que passou de 167 para 277. O objetivo é gerar um “clientelismo competitivo”, aumentando a competição entre os políticos da oposição, o que resultaria em uma pulverização dos votos, tornando mais difícil para que um opositor consiga uma cadeira no parlamento.

O CNE também falhou em permitir a atualização do registro eleitoral dos venezuelanos que vivem no exterior. De acordo com uma estimativa da associação civil Súmate, até o fim do ano passado, 3,6 milhões de eleitores potenciais não residem na Venezuela - 2,7 milhões de eleitores que estão registrados com endereço na Venezuela e 900 mil maiores de 18 anos que não têm registro eleitoral. “É fato que nesse processo eleitoral os venezuelanos no exterior não têm direito de voto”, afirma o estudo da Idea-Ucab.

Eleitores coagidos

O regime chavista anunciou que vai abrir mão dos “pontos vermelhos”, locais de propaganda política, de controle e verificação de participação nas eleições implantados pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e considerado pela oposição como um local de compra de votos. Porém, outros velhos problemas devem voltar a ocorrer nas eleições deste domingo.

A começar pelo sistema de biometria usado na votação. Segundo o levantamento Idea-Ucab, o sistema é insuficiente para garantir o respeito ao princípio “um eleitor, um voto”, uma vez que “nos protocolos de votação o sistema não pode validar se uma pessoa votou mais de uma vez" e também "permite a votação mesmo quando a impressão digital do eleitor não coincide com a impressão digital armazenada na máquina”.

O mesmo sistema que utiliza impressões digitais gera desconfiança, promovida pela própria ditadura, sobre o sigilo do voto. O chavismo faz ameaças aos eleitores que recebem algum tipo de ajuda alimentar ou financeira do Estado - por meio do Carnê da Pátria - ou que são empregados públicos, deixando subentendido que, se eles não votarem no candidato oficialista, perderão esses benefícios ou os empregos, mesmo que não tenham como saber em quem o eleitor votou. As pessoas imaginam que o regime tenha esse poder, porque os programas sociais também são controlados por biometria.

“A indexação no banco de dados do registro eleitoral é feita usando o número do cartão de identidade. Porém, o fato de o dispositivo de leitura de impressão digital estar conectado à urna eletrônica e funcionar como mecanismo de acionamento da mesma suscita fortes dúvidas em setores importantes da população quanto à preservação do sigilo do voto, uma vez que estaria sujeito a ‘chantagem psicológica’ por parte do governo”, informa o relatório.

Um exemplo desta chantagem: no fim do mês passado, o presidente da Assembleia Constituinte, Diosdado Cabello, disse, em um discurso de campanha, que “quem não vota, não come, faz quarentena sem comer”. Outro exemplo, relatado pelo site Infobae: Iris Varela, candidata do PSUV e até dois meses atrás Ministra dos Serviços Penitenciários do regime, enviou uma mensagem aos diretores do Ministério, pedindo a eles que demitam todos os funcionários que não participarem das eleições parlamentares deste domingo.

Além de espalhar a desconfiança em certos setores da população, esta retórica do regime visa garantir uma grande participação eleitoral, evitando futuras críticas da oposição se o comparecimento for baixo e, mais uma vez, tentando dar uma aparência de normalidade ao processo.

Alguns países já deram sinais de que não vão reconhecer o resultado da eleição, como o Brasil e outros países do Grupo de Lima, que consideram que o pleito não tem “as mínimas garantias democráticas” e que “a democracia se restabelecerá plenamente na Venezuela por meio de eleições presidenciais e parlamentares livres, justas e críveis”. Fontes diplomáticas da Espanha também adiantaram a veículos de imprensa que o governo espanhol não deve reconhecer o resultado.

Os Estados Unidos, por sua vez, afirmam que as eleições venezuelanas serão fraudulentas, mas a equipe do democrata Joe Biden, que deve assumir a presidência do país a partir do ano que vem, não comentou sobre o assunto.

A legitimidade de Guaidó

Enquanto o regime coage as pessoas a votar, Juan Guaidó e a oposição estão trabalhando para boicotar a votação. Eles lançaram uma consulta popular online, que ocorrerá na semana que vem, para rechaçar o resultado da eleição parlamentar convocada por Maduro.

São três as perguntas que serão feitas na consulta:

  • Você exige o fim da usurpação da Presidência por Nicolás Maduro e exige eleições presidenciais e parlamentares livres, justas e verificáveis?
  • Você rejeita o evento de 6 de dezembro organizado pelo regime de Nicolás Maduro e pede à comunidade internacional que o ignore?
  • Você ordena que sejam tomadas as medidas necessárias perante a comunidade internacional para ativar a cooperação, o acompanhamento e a assistência que nos permitam resgatar nossa democracia, enfrentar a crise humanitária e proteger as pessoas dos crimes contra a humanidade?

O objetivo desta consulta é fortalecer a liderança de Juan Guaidó, que perdeu apoio popular desde a fracassada tentativa de levante cívico-militar em abril do ano passado. Pesquisa de opinião do instituto Datanálisis, realizada em setembro, indica que o presidente interino tem cerca de 30% de popularidade. Quando assumiu a presidência da Assembleia, ele tinha 60% de aprovação. Ainda assim, Guaidó tem mais apoio do que qualquer outro líder da oposição e do que Maduro, que têm 14% de aceitação, segundo a pesquisa de opinião.

Se Guaidó conseguir um apoio relevante, ficará mais fácil para os governos que o reconheceram como presidente interino do país no ano passado manter esse posicionamento.

O Chile já indicou que continuará reconhecendo Guaidó. “Continuamos trabalhando com a premissa de que a autoridade legítima que existe na Venezuela é Guaidó”, disse o chanceler chileno Andrés Allamand nesta semana.

Considerando que, até agora, países como Brasil e Colômbia assumiram as mesmas posturas que o Chile em relação à Venezuela, é de se esperar que esses governos também continuem considerando Guaidó como presidente interino. O mesmo, porém, não pode ser dito sobre o governo de Biden, já que é difícil saber, neste momento, a estratégia que ele adotará para a Venezuela ao assumir a Casa Branca.

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