Pedro Castillo foi proclamado presidente do Peru na noite desta segunda-feira (19), mais de 40 dias depois do disputado segundo turno das eleições presidenciais do país e a uma semana do fim do governo do presidente interino, Francisco Sagasti.
A confirmação oficial da vitória do candidato esquerdista foi feita pelo Júri Nacional de Eleições (JNE), principal órgão eleitoral do Peru, que declarou infundados os últimos recursos apresentados pela candidata opositora Keiko Fujimori. A troca da faixa presidencial está marcada para 28 de julho. A vice-presidente do país será Dina Boluarte.
A ascensão de Castillo surpreendeu o establishment político peruano. Ele conseguiu chegar em primeiro lugar entre os 18 candidatos no primeiro turno das eleições, algo que as pesquisas eleitorais não conseguiram prever. Em segundo turno, disputou a presidência com a candidata de direita Keiko Fujimori e, depois de uma virada na contagem, acabou vencendo por pouco mais de 40 mil votos. Conheça a história do novo presidente do Peru.
Partido marxista
O ex-professor de escola rural e líder sindical é candidato pelo Perú Libre, que se define como um partido de esquerda marxista. Castillo anunciou sua candidatura em 2020, depois que o líder do seu partido, Vladimir Cerrón, foi impedido de concorrer e condenado por aproveitamento do cargo quando era governador da província de Junín.
Castillo ficou conhecido nacionalmente ao liderar, em 2017, uma greve de professores por melhores salários que durou mais de dois meses.
A sua principal base eleitoral está nas regiões rurais do interior do Peru. O maior apoio que o candidato recebeu veio de regiões mais pobres, do sul do país, como Apurímac, Ayacucho e Huancavelica, onde ele teve cerca de 40% dos votos no primeiro turno. Essas regiões têm diferenças históricas, culturais e socioeconômicas com a capital, Lima, onde Castillo ficou em quinto lugar naquele pleito, com menos de 7% dos votos.
Posturas contraditórias
Em campanha, Castillo disse que pretende elaborar uma nova Constituição por meio de uma assembleia constituinte, que dê ao Estado maior papel como regulador do mercado, o que ele chama de "economia popular com o mercado".
O Perú Libre propõe a nacionalização de setores estratégicos, como os de minas, gás e petróleo, o que tem deixado inquietos setores de direita e centro-direita no país andino. Durante campanha do segundo turno moderou um pouco o discurso e disse que não atacará a propriedade privada em seu governo.
Embora Castillo seja um candidato com posições de esquerda no campo econômico, ele tem posições conservadoras em relação a pautas sociais. Ele é contrário à legalização do aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à eutanásia. Castillo também se opõe ao enfoque de gênero no currículo escolar. Na questão da segurança pública, apoia uma linha mais dura.
A plataforma do Perú Libre e as origens de Castillo renderam comparações entre o candidato e líderes de esquerda sul-americanos como Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Adversários políticos também acusam Castillo de ter ligações com o grupo terrorista comunista Sendero Luminoso, o que ele nega.
Em entrevista feita em abril, o candidato do Perú Libre disse que se sente "estigmatizado" ao ser relacionado ao grupo terrorista, que causou milhares de mortes nos anos 1980. "Não há terrorismo aqui, nos estigmatizaram. Não querem que um filho do povo surja para desmascarar a tristeza e a realidade do país", declarou. "Quero que venham aqui na minha terra me dizer que sou terrorista".
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, histórico antifujimorista e dono de um Nobel de Literatura, afirmou que Castillo pretende criar uma "sociedade comunista". Segundo o escritor, "é óbvio que ela terá todas as características de uma sociedade comunista em uma época em que os peruanos que votaram nele aparentemente não se deram conta ainda de que o comunismo desapareceu do planeta, com as exceções mais horripilantes, ou seja, Cuba, Venezuela, Nicarágua e Coreia do Norte."
O plano de governo oficial do Perú Libre foi escrito pelo fundador do partido, Vladimir Cerrón. O documento define o partido como marxista e leninista.
Líderes da esquerda latino-americana, incluindo ditadores, são elogiados no plano de governo. "Os presidentes Rafael Correa, Evo Morales, Néstor Kirchner, Cristina Fernández, Lula da Silva, Dilma Rousseff, Fidel Castro, Raúl Castro, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Manuel Zelaya, Daniel Ortega e Pepe Mujica estiveram no ponto mais alto da integração latino-americana, baseada em princípios soberanos", indica Cerrón no documento.
Ele destaca que esse grupo "deu dignidade ao continente", mas que o Peru "lamentavelmente sempre foi uma decepção diante dessas tentativas".
Castillo tentou se desvincular do chavismo. Em entrevista, ele disse: "aqui não tem nada de chavismo", e mandou um recado para o regime de Maduro na Venezuela: "Quero dizer ao senhor Maduro que se ele tem algo a dizer a respeito do Peru, que primeiro resolva seus problemas internos". Em outra declaração, afirmou: "Não somos comunistas, não somos chavistas, não somos terroristas. Somos trabalhadores como qualquer um de vocês".
Contudo, durante os protestos de 11 de julho em Cuba, o novo presidente do Peru se colocou ao lado da ditadura castrista, dizendo as manifestações foram motivadas pelo embargo americano à ilha – o que não é verdade, já que o principal clamor dos protestos é a liberdade.
"Simpatizo com a situação vivida por nossos irmãos cubanos hoje. O bloqueio histórico é anti-humano e imoral, ainda mais na emergência global da crise de saúde em que nos encontramos", tuitou em 14 de julho.
Governo frágil
Para Carmen Beatriz Fernández, professora de comunicação política na Universidade de Navarra (Espanha), Castillo, a quem descreve como “genuinamente um radical de esquerda”, chega ao poder com a firme convicção de fazer grandes mudanças. “Porém, uma coisa é querer, outra é poder”, afirma, explicando que não será fácil para ele implementar as mudanças que deseja, por enfrentar um congresso dividido, além de não ter forte apoio popular.
A base eleitoral real de Castillo é a que ele conquistou no primeiro turno das eleições, quando obteve menos de 19% dos votos, aponta Fernández. “Com essa base, pode-se dizer que ele tem a maioria do país contrária [a ele]”.
Além disso, Castillo não tem apoio da maioria do Congresso peruano e seu intuito de convocar uma constituinte pode ser comprometido.
A oposição considera o governo de Castillo legal, mas ilegítimo, por acreditar que houve fraude no dia da eleição.