Quando conseguir voltar a Honduras, o que lhe foi negado no domingo, o presidente deposto Manuel Zelaya não poderá reassumir o cargo nem qualquer outra função pública. É o que reza a Constituição hondurenha, que inaugurou a redemocratização do país em 1982. Pelo artigo 239, qualquer hondurenho que tente reformar a lei constitucional que proíbe a reeleição (por mandato consecutivo ou não) "cessará de imediato de desempenhar seus cargos respectivos e se tornará inapto por dez anos para o exercício de funções públicas".
O jurista hondurenho Octavio Sánchez assessor do antecessor de Zelaya, Ricardo Maduro, entre 2002 e 2005 defendeu no jornal eletrônico americano Christian Science Monitor que, por mais que a lei de seu país pareça rígida ao extremo, somente o respeito a ela garantirá a manutenção da democracia. "O dispositivo da Constituição que prevê uma sanção instantânea pode parecer draconiano, mas todo democrata latino-americano sabe a ameaça para nossas frágeis democracias que o continuísmo representa", escreveu.
Entre os sete artigos da Constituição hondurenha que são irrevogáveis estão a proibição à reeleição, à alteração da duração do mandato presidencial e da Carta Magna em si todas infrações que o presidente deposto, de acordo com a convocação emitida, estava prestes a cometer.
O professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Denis Rosenfield explica em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo que, ao se colocar fora da lei, Zelaya abriu um "vácuo jurídico que foi aproveitado por seus adversários".
Após desobedecer à Suprema Corte do país, que proibiu a consulta, a Justiça e o Congresso se uniram para impedi-lo. Os meios usados para afastá-lo do poder foram claramente questionáveis: retirado de dentro de casa, ainda de pijama, por 200 soldados, Zelaya foi levado à Costa Rica, de onde ainda não pôde voltar.
"Usaram o erro para tomar o poder", diz o presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansieri. "Uma alternativa seria impedir a realização do referendo via medida judicial e propor outra para julgar o suposto crime contra o Estado."
A tensão entre os três poderes do Estado e o desrespeito à Constituição se mostram um desafio a ser superado pelas nações latinas. "A separação dos poderes talvez seja o grande problema", opina o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná Egon Moreira. "Mesmo tendo recebido uma ordem judicial, Zelaya fincou o pé e determinou que as Forças Armadas coibissem a manifestação da Suprema Corte; por isso foi determinado que ele não violasse a ordem constitucional", diz.
* * * * * *
Infrações
De acordo com a Carta Constitucional hondurenha, vigente desde 1982, o presidente deposto Manuel Zelaya atropelou a lei máxima do país ao convocar uma pesquisa de opinião sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte com vistas a alterar a proibição à reeleição. Veja quais são os principais artigos que ele teria infringido:
4º A forma de governo é republicana, democrática e representativa. Se exerce por três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, complementares e independentes e sem relação de subordinação. A alternância do exercício da Presidência da República é obrigatória.
A infração desta norma constitui delito de traição à pátria.
239º O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente da República. Quem quebrar esta disposição ou propuser sua reforma, assim como aqueles que o apoiarem direta ou indiretamente, cessarão de imediato de desempenhar seus cargos respectivos e se tornarão inaptos por dez anos para o exercício de funções públicas.
373º A reforma desta Constituição poderá ser decretada pelo Congresso Nacional em sessões ordinárias, com dois terços dos votos da totalidade de seus membros. (...)
374º Não se poderá reformar, em nenhum caso, o artigo anterior (...). Fonte: Constituição da República de Honduras