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Ramallah – Farhat Asaad é um homem de gestos firmes e olhar agudo. Poucas vezes desvia seus olhos negros do interlocutor. A fala é mansa, quase calculada. Esse ex-professor de matemática e ex-prisioneiro israelense, nascido nos arredores de Ramallah 44 anos atrás, é porta-voz do Hamas na Cisjordânia. As maneiras suaves contrastam com suas posições sobre o conflito árabe-israelense. Asaad acusa Israel de trabalhar pela continuidade do conflito, não vê razões para que o Hamas – movimento político palestino, criado em 1987 na cidade de Gaza – combata os atentados suicidas contra israelenses e, mais, crê que eles deverão continuar. Da sede do partido em Ramallah, instalado num conjunto comercial antigo, em um prédio de três andares, sem elevador, no movimentado centro da cidade, ele deu à seguinte entrevista à Gazeta do Povo, dois dias antes da incursão israelense na prisão de Jericó:

Gazeta do Povo – Como o novo governo irá lidar com a decisão do governo israelense de não negociar com Hamas?

Farhat Asaad – Israel não vê no presidente Mahmoud Abbas um parceiro para negociação, mesmo ele tendo aceitado todos os acordos feitos entre a Autoridade Palestina e o governo israelense desde 1992. O governo de Israel quer negociar, mas não com um parceiro palestino. Ele quer negociar com um parceiro estrangeiro que aceite o projeto israelense. Isso significa que Israel não quer pôr um fim na ocupação e que pretende continuar nos territórios palestinos. O que ouvimos recentemente quando (Ehud) Olmert (primeiro-ministro israelense) anunciou seu plano foi uma declaração de guerra. Porque ele quer manter sob seu poder a maior parte de nosso território palestino e transformar nossa terra numa grande prisão para os palestinos. Se queremos nos mover de uma cidade a outra, temos que passar por portões controlados pelas forças israelenses e esses portões permanecerão sob controle israelense. É preciso perguntar que plano tem Israel, se quer manter a ocupação e seu Exército nos territórios palestinos?

Israel exige que o Hamas reconheça o Estado de Israel, renuncie à violência e aceite todos os acordos prévios para começar a negociar com o novo governo...

O problema não é reconhecer a existência de Israel, porque em Oslo, a OLP (extinta Organização para a Libertação da Palestina) fez esse reconhecimento. É Israel quem se recusa a reconhecer o direito de existência de um Estado palestino. O problema principal é que há uma ocupação, somos o único povo em todo o mundo nessa situação e o governo israelense quer continuar com essa ocupação. Se Israel se retirar, vamos reconhecer o direito de Israel, mas não vamos oferecer esse reconhecimento enquanto nossa terra natal estiver sob ocupação. Se houver uma resposta positiva, então ele pode nos perguntar se reconhecemos o Estado de Israel. Mas eles têm dado mais sinais de guerra que de paz ao se recusar a negociar e a se retirar dos territórios palestinos.

Quer dizer que, se Israel der essa resposta positiva, vocês podem sentar e reconhecer o Estado de Israel?

Primeiro estamos falando sobre um conflito entre vários estados porque temos mais de 6 milhões de palestinos refugiados fora da Palestina. Se formos colocar um fim no conflito entre os palestinos da Cisjordânia e o governo israelense, o que será dos refugiados palestinos que estão fora da Palestina?

Para onde o senhor pensa que os refugiados devem voltar?

Quando falamos sobre um judeu que precisa voltar dos EUA ou de algum outro país, por que ele tem o direito de ir a Haifa ou a Tel-Aviv e isso é proibido para os palestinos? Eu penso que quando falamos nisso, falamos sobre discriminação. Porque falamos do direito dos judeus de viver em qualquer nação. Isso é proibido para os palestinos por que eles não são judeus? Qualquer pessoa no mundo tem o direito de voltar a sua terra natal. Por que os refugiados palestinos seriam uma exceção?

Quais seriam as fronteiras dessa terra natal dos palestinos?

Primeiro não estamos falando sobre fronteiras palestinas, mas sobre fronteiras do Estado de Israel. Muitos dirigentes internacionais falam sobre um compromisso para solucionar o conflito, mas o primeiro passo deve ser de Israel. E se Israel colocar um fim na ocupação de 1967, então o mundo pode nos perguntar se vamos reconhecer ou não o direito de existência de Israel.

Então um primeiro passo seria a retirada de Israel para as mesmas fronteiras de 1967?

Seria o fim dos conflitos de fronteiras, sim. Mas estamos falando da retirada de Israel de todos (ressaltando o todos) os nossos territórios ocupados em 1967. Então, criado o Estado palestino precisamos resolver a questão dos nossos 6 milhões de refugiados . A comunidade internacional já reconheceu em 1994 o direito deles de ter uma pátria e, se o governo israelense aceitar, não teremos problemas com os judeus não apenas aqui na Palestina, mas em qualquer lugar.

O senhor reivindica que os refugiados deveriam voltar para cidades como Haifa, Tel-Aviv ou qualquer outra cidade que hoje compõe o estado de Israel?

Sim, por que não?

O Hamas trabalhará para evitar atentados suicidas contra os israelenses?

O povo palestino não está no lado do ataque, está defendendo o direito de ter uma nacionalidade. Ao atacar as forças (israelenses) estamos resistindo. Para toda ação há uma reação. O Exército israelense pode parar com os ataques diários aos nossos povoados, (parar) de matar nossas crianças, o nosso povo em todo lugar. Quando eles pararem de nos atacar, paramos com a resistência. Essa possibilidade não é nossa, mas daqueles que estão pressionando nossos palestinos a cometerem esses atos, porque eles não têm outra maneira de defender sua família, seus filhos, a não ser matando a si mesmos e a seus inimigos. Se não houver mais ataques israelenses, creio que ninguém vai achar que a saída é cometer um atentado suicida. Mas, quando eles não têm escolha contra os crimes do inimigo, não poderemos parar com esses métodos contra as forças israelenses. Quero explicar que temos um hudna (trégua) de mais de nove meses com Israel. Hamas parou com todas as ações de resistência, enquanto os ataques israelenses continuam. Durante essa trégua, eles mataram mais de 400 palestinos e feriram perto de 5 mil. Ameaçam matar nosso primeiro-ministro Ismael Haniyeh. Por que vamos parar com nossas operações militares contra as forças israelenses? Eu acho que assim eles estão pressionando o Hamas a não parar a resistência, mas a ter operação militar contra o povo israelense para dar motivos de dizer ao mundo: "nós queremos paz, Hamas quer a guerra". O Hamas parou todas as operações militares.

Mas quem está lançando diariamente morteiros qassams de Gaza a povoados israelenses?

Eu acho que o governo israelense sabe quem são os responsáveis por esses ataques com qassams. Eles não falam porque não querem que o conflito termine para justificar sua permanência na Cisjordânia.

Como o senhor vê o israelense comum? Não o governo ou o Exército, mas as pessoas?

Israel não é como os demais países do mundo porque todos os israelenses devem ir ao Exército, todos são soldados e não há nenhum deles que não seja soldado. Se eles (Israel) não conseguem evitar matar nossos civis, têm de arcar com a responsabilidade daqueles que serão mortos do lado palestino e também do lado israelense.

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