O sotaque engana e, quando perguntada se é alemã, ela esclarece: "sou brasileira, mas na minha família falávamos apenas o alemão em casa. Aprendi português na escola".
Bisneta de alemães, Jacinta Arnhold nasceu em Nova Santa Rosa, município de 7 mil habitantes no oeste do Paraná.
Durante 16 anos viveu em Munique, na Alemanha, onde obteve toda a formação acadêmica e uma experiência única: há 25 anos ela acompanhou de perto um dos maiores eventos da história moderna.
Diante de seus olhos, uma multidão festejava e ajudava a derrubar aquele que foi o símbolo maior da disputa entre socialistas e capitalistas.
"Foi uma festa muito grande, havia não só alemães, mas pessoas do mundo inteiro. Em cima do muro não cabiam os pés de tanta gente", relata Jacinta sobre os dias que sucederam o 9 de novembro de 1989.
Nas mãos ela segura a lembrança material daquele momento, um pedaço do Muro de Berlim. E recorda, aos risos, a brincadeira que se tornou verdade: "Antes de ir, um amigo me perguntou: de que lado do muro você vai ficar? Eu respondi: se eu for para lá, o muro cai".
Mas como a história dessa descendente de alemães cruzou com um dos principais episódios da história do país? Aos 25 anos Jacinta decidiu trocar a vida em São Paulo por um intercâmbio na Alemanha, a fim de aprender melhor a língua materna. Na casa em que ficou hospedada, pôde vivenciar um pouco dos efeitos da divisão entre os regimes ocidental e oriental.
"A família com quem eu morava tinha parentes do lado oriental. Como um deles tinha um problema de saúde, buscava um meio de atravessar para o ocidente, onde os serviços eram melhores", diz
No dia 9 de novembro, estavam todos com os olhos grudados na televisão, ao mesmo tempo felizes e perplexos com aquilo a que assistiam.
"Não acreditávamos que aquilo estava realmente acontecendo, queríamos ver com os nossos próprios olhos para saber se era verdade", diz Jacinta sobre o que fez a família preparar as malas, pegar o carro e tomar a estrada rumo a Berlim.
Mais do que apenas ver a derrubada do muro, o desejo era de atravessar a fronteira, experimentar a liberdade desejada por muitos alemães durante décadas.
A travessia não foi fácil. Uma longa espera para ultrapassar a divisa e um problema mecânico já no lado oriental, que fez com que o carro ficasse no meio do caminho.
Nada que tirasse a alegria do momento, quebrada apenas por uma apreensão comum a todos os alemães à época. "A vontade de ocupar e destruir o muro vinha do sentimento de que ele poderia ser fechado de novo. Muitos não acreditavam que o país seria livre novamente", explica Jacinta.
Naqueles dias Jacinta não imaginava que o episódio seria apenas o começo de uma história de 15 anos em solo alemão, onde concluiu faculdade e mestrado. O período vivido no país permitiu a ela acompanhar o processo de reunificação, em que experiências de ambos os lados foram se integrando. Desse período, guarda apenas uma lamentação: "faz muito frio e há pouco sol". Muros