Em menos de uma semana, o Peru teve três presidentes. Martín Vizcarra foi destituído do cargo em 9 de novembro e, em seu lugar, assumiu o presidente do legislativo peruano, Manuel Merino, do partido de oposição Ação Popular. Mas o governo interino não durou uma semana. No dia 15, após protestos massivos e duas mortes, Merino renunciou. O Congresso se reuniu no dia seguinte para escolher um novo presidente e elegeu o deputado Francisco Rafael Sagasti. Entenda como o país entrou nessa crise.
Como o Peru teve 3 presidentes em uma semana
Antes de entrar na crise atual, é preciso relembrar o contexto político. Martín Vizcarra era vice de Pedro Pablo Kuczynski e assumiu a presidência em 2018, quando Kuczynski renunciou após envolver-se nas ramificações internacionais da Lava Jato.
A relação de Vizcarra com o Congresso peruano nunca foi tranquila, principalmente depois que ele prometeu reformas anticorrupção e fez um referendo que resultou na proibição da reeleição dos membros do Congresso.
Há cerca de um ano, uma disputa entre os poderes causou uma grave crise institucional. Vizcarra dissolveu o legislativo e convocou novas eleições, enquanto os parlamentares não reconheceram essa ordem, suspenderam Vizcarra da presidência e ainda nomearam uma substituta, a vice-presidente da época, Mercedes Araóz. No fim das contas, foi a decisão de Vizcarra que prevaleceu. Um novo Congresso foi eleito e Araóz pediu demissão.
Mas mesmo depois da eleição parlamentar, em janeiro, a relação entre o legislativo e o presidente não melhorou. O Parlamento ficou ainda mais fragmentado e Vizcarra falhou ao não buscar alianças entre os congressistas. O resultado? Novas investidas contra o presidente. Em setembro, os parlamentares da oposição tentaram afastá-lo, mas não conseguiram votos suficientes. A situação mudou com um novo processo de vacância.
O presidente ainda estava contestando na justiça a primeira moção de vacância contra ele, quando foi surpreendido por uma nova. Outro processo de vacância foi iniciado em 20 de outubro, depois que a imprensa divulgou depoimentos de relatores ao Ministério Público sobre um suposto pagamento de propina de empresas investigadas pela Lava Jato peruana ao governo regional de Moquegua em 2013, quando Vizcarra era governador.
Nos depoimentos, Vizcarra foi acusado de ter recebido 2,3 milhões de soles (R$ 3,4 milhões) em propina por contratos de obras públicas quando era governador da região de Moquegua, no sul do país. Vizcarra nega ter recebido qualquer suborno. Na sessão que culminou em sua destituição por “incapacidade moral permanente”, em 9 de novembro, ele criticou o processo de vacância, que, segundo ele, foi aberto com base em acusações não corroboradas pela justiça.
Contudo, Vizcarra decidiu deixar o poder no mesmo dia, sem contestar legalmente a ação do Congresso, já que ele ainda espera por uma decisão do Tribunal Constitucional sobre a primeira moção de vacância. Ele pede que a justiça esclareça o uso da vacância por “incapacidade moral permanente” como mecanismo de controle político para destituir um presidente.
Segundo o doutor em sociologia e professor associado na Universidade Federal de Goiás, Carlos Ugo Santander, o processo de vacância é diferente do impeachment. O impeachment tem conotação jurídica, além de política. Já a vacância se apoia num quesito de incapacidade moral, que é um conceito muito ambíguo, sem definição específica na Constituição e que, no fim das contas, se resume à quantidade de votos necessários para derrubar o presidente. Por isso, o processo de destituição de Vizcarra é visto como inconstitucional por muitos analistas e políticos do Peru.
No dia seguinte à destituição de Vizcarra, o presidente do Legislativo, Manuel Merino, do partido de oposição Ação Popular, assumiu a presidência e nomeou um novo gabinete de ministros. Ele foi um dos articuladores da destituição de Vizcarra. Mas a revolta das ruas fez com que ele renunciasse cinco dias depois, em 15 de novembro.
Merino, político de centro-direita de 59 anos, disse que para evitar um "vácuo de poder", os 18 ministros de seu gabinete, empossados na quinta-feira, permaneceriam em seus cargos temporariamente, embora virtualmente todos tenham renunciado no sábado.
As manifestações contra o governo interino começaram assim que Vizcarra anunciou sua saída. Ele era popular por causa de sua agenda anticorrupção e muitos acreditavam que não seria bom para o país afastá-lo em plena pandemia de Covid-19 – por mais que o Peru tenha registrado o índice de mortes/habitantes mais alto da região e a pior projeção econômica para 2020 (-13,9% do PIB), segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Os protestos têm ocorrido em várias cidades do país. Na capital, Lima, pelo menos dois jovens morreram baleados. Organizações internacionais e peruanas repudiaram o uso excessivo da força policial para conter as manifestações, consideradas as maiores que o país já viu em 20 anos. Foi esse um dos motivos citados por Merino para renunciar.
Como não havia mais ninguém na linha sucessória da presidência, o Congresso peruano teve que escolher um novo presidente para o país. Em 16 de novembro, eles votaram em uma nova Mesa Diretora para o Congresso, cujo presidente assumiu a presidência do país.
O escolhido foi o parlamentar Francisco Rafael Sagasti, um nome novo na política peruana, que foi eleito para o Congresso no início de 2020. Sagasti, 76 anos, é líder do Partido Morado, que se autodenomina uma legenda de “centro republicano”.
Sagasti deve ficar no cargo até julho de 2021, já que, em abril, o país realizará eleições gerais.
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