Os três últimos presidentes do Peru — que governaram o país após a década em que o Executivo esteve em mãos de Alberto Fujimori (1990-2000), preso desde 2007 por sua responsabilidade em crimes de lesa-humanidade e corrupção — não conseguiram fazer um sucessor e hoje sequer têm representação no Parlamento unicameral peruano.
Alejandro Toledo (2000-2006), Alan García (2006-2011) e Ollanta Humala, que este ano encerrará seu mandato, não construíram uma liderança forte, apesar de terem ocupado a Presidência num dos períodos mais prósperos da economia peruana, que ainda vive o rescaldo de um crescimento que contrasta com os cenários de recessão e inflação de vários de seus vizinhos.
O motivo? Principalmente denúncias de corrupção e aumento da insegurança. Este pano de fundo representa, na opinião de analistas ouvidos pelo Globo, um dos principais desafios do candidato que vencer as presidenciais, cujo primeiro turno acontece neste sábado (9).
“O Peru vive um vazio de lideranças. Os políticos que passaram pelo governo nos últimos 16 anos sofreram um desgaste fatal, todos perderam qualquer chance de armar uma estrutura partidária sólida e com futuro”, diz Luis Benavente, diretor da empresa de consultoria Vox Populi.
‘Sem discussões profundas’
O analista lembra que García, acusado de ter indultado narcotraficantes, terminou seu governo com quatro congressistas e hoje não chega a 5% das intenções de voto. Já Toledo, envolvido em denúncias de corrupção, não alcança sequer 1%. O atual presidente, que em 2011 derrotou Keiko Fujimori (filha do ex-presidente e favorita para hoje), ainda deverá explicar, diz Benavente, “a descoberta de uma agenda da primeira-dama, Nadine Heredia, na qual aparecem números que supostamente se referiam à milionária doação do governo venezuelano à campanha de 2011”.
“Nadine antes negou que a agenda fosse sua, mas acabou admitindo, e o escândalo teve impacto na opinião pública”, afirma o diretor da Vox Populi.
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Leia a matéria completaO casal Humala pode enfrentar complicações judiciais nos próximos meses. A primeira-dama foi ao Parlamento recentemente explicar por que na agenda aparece escrito, reiteradas vezes, o nome “Marcelo” ao lado de valores como US$ 30 mil e US$ 70 mil. Congressistas peruanos que investigam a atuação da Odebrecht no país suspeitam que as notações se referem a Marcelo Odebrecht e a eventuais contribuições da empreiteira brasileira à campanha de Humala, em troca de concessão para obras públicas.
Uma grande preocupação dos peruanos é o aumento da violência do narcotráfico. Nesta sexta-feira (8), homens armados que pertenceriam ao grupo radical Sendero Luminoso mataram um sargento e um civil em uma emboscada na região de Junín.
“Não somos o México, mas caminhamos para isso. A corrupção não é central nas demandas sociais, mas as denúncias que surgiram afetaram candidatos e deixaram o governo Humala sem chances de fazer um sucessor”, explica Eduardo Dargent, professor da Universidade Católica de Lima.
Ele considera que o Peru viveu este ano uma “campanha sem propostas importantes e sem discussões profundas”.
“Temos partidos personalistas, comandados por dirigentes que não são capazes de sobreviver a um mandato como presidentes. São governos com um Estado fraco”, lamenta.
Economia em segundo plano
Beneficiados pelo aumento internacional do preço das commodities, os três últimos presidentes praticamente não mexeram num modelo econômico ainda bem-sucedido, mas vulnerável ao vaivém dos mercados internacionais (entre 2011 e 2014, o preço do cobre, por exemplo, caiu de US$ 141 para US$ 116). O Peru segue uma economia essencialmente primária, em cima da produção e exportação de minérios.
Os governos Toledo, García e Humala tiveram taxa de crescimento, em média, de 5% (em 2014, de 2%). Ano passado, quando vizinhos como Brasil e Argentina mergulharam em recessões, a economia peruana continuou a se expandir, a taxas mais baixas, mas positivas.
“Nos últimos dez anos, 40% dos 31,5 milhões de peruanos deixaram de ser pobres. Mas parte expressiva representa uma classe média precária, que pode voltar a ser pobre rapidamente”, esclarece o jornalista e consultor econômico Luis Davelouis.
A economia não teve importância na agenda dos candidatos. A exceção foi a esquerdista Verónika Mendoza, que pode chegar ao segundo turno. Em franca ascensão, propõe mudanças de fundo, como revisão de contratos com empresas de mineração, e simpatiza com a Venezuela.
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Leia a matéria completa“Nenhum dos candidatos pretende modificar um modelo de responsabilidade e austeridade fiscal, autonomia do Banco Central e dependência das commodities”, frisa Davelouis.
Dúvida recai sobre quem iria ao segundo turno
Apesar da realização de uma gigantesca marcha em repúdio à candidatura presidencial de Keiko Fujimori na reta final da campanha peruana, a filha do ex-presidente Alberto Fujimori se manteve como favorita para o primeiro turno, hoje, segundo apontam as pesquisas divulgadas recentemente no país. A dúvida que paira é saber quem será o rival de Keiko no segundo turno, no dia 5 de junho, já que há praticamente empate técnico entre o ex-ministro da Economia, Pedro Pablo Kuczynski, de centro-direita, e a candidata da esquerdista Frente Ampla, Verónika Mendoza.
A manifestação contra a candidata da fujimorista Força Popular teve participação de cerca de 50 mil pessoas, entre elas vários artistas, no dia 5. Poucos dias depois, o escritor Mario Vargas Llosa questionou duramente o voto a Keiko, afirmando que, caso for eleita, a filha de Fujimori “abrirá as prisões e soltará todos os fujimoristas que estão presos. Seria uma desgraça para o Peru”.
“Meu voto será por Kuczynski”, declarou o escritor, que considera o ex-ministro do governo Alejandro Toledo (2000-2006) como o melhor candidato para derrotar Keiko.
Mas nada disso conseguiu abalar a força da filha de Fujimori, de 40 anos, que tem entre 32% e 36% das intenções de voto. O problema da ex-primeira-dama peruana é que esse seria praticamente seu teto eleitoral. Já seus dois principais adversários, segundo analistas locais, teriam mais possibilidades de crescimento na segunda etapa da campanha.
Verónika, que disputa com Keiko o voto dos setores mais populares, oscilou entre 13% e 15%. Já Kuczynski, que tem seu principal apoio nas classes mais altas, obteve entre 15% e 16%.
Segundo Alfredo Torres, diretor da consultora Ipsos Peru, a campanha de Verónika foi beneficiada pela saída de César Acuña e, principalmente, Julio Guzmán, que tiveram suas candidaturas impugnadas pela Justiça eleitoral. Guzmán, acusado de irregularidades em questões administrativas de seu partido, era considerado a novidade eleitoral do momento e beirava os 20%.
“Muitos peruanos querem rostos novos na política”, comenta Torres.
Segundo o analista, apesar de Verónika ter passado de 2% para cerca de 15% em pouco mais de um mês, hoje, Kuczynski tem mais chances de passar para um eventual segundo turno com a candidata fujimorista.
“Keiko é a candidata com mais apoio e poderia chegar a 40%”, diz o consultor.
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