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Quatro em cada cinco venezuelanos não conseguem arcar com o valor da cesta básica. A pobreza no país atingiu 96,2% dos domicílios em 2019, enquanto a pobreza extrema alcançou 79,3%. Os índices colocam o país nas mesmas condições de países da América Central, Caribe e África em termos de pobreza e desnutrição. Considerando pobreza, desigualdade social e instabilidade política, a Venezuela aparece em segundo lugar na lista de 12 países, atrás apenas da Nigéria e com situação pior do que a de países como Irã, Congo e Zimbábue.
Os dados são da Pesquisa Nacional de Condições de Vida (ENCOVI), realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Social (IIES) da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), na Venezuela. O levantamento foi realizado entre novembro de 2019 e março de 2020, com amostragem estimada para 16.920 domicílios, embora tenha sido concluída em apenas 9.932 domicílios devido à quarentena do Covid-19.
“Infelizmente, não trazemos boas notícias, a situação clama aos céus céu e exige mudanças”, disse o padre Francisco José Virtuoso, reitor da UCAB, em evento de lançamento da pesquisa. Segundo o reitor, os dados revelam a destruição acumulada na qualidade de vida no país nos últimos cinco anos. O governo de Nicolás Maduro geralmente nega os resultados da pesquisa, que é realizada a cada ano.
O sociólogo e diretor do Projeto Pobreza da UCAB, Luis Pedro España, afirmou que esse nível de pobreza é inédito na Venezuela. O relatório indica que 96% dos domicílios apresentam pobreza de renda, sendo que 54% se qualificam na linha da pobreza recente e 41% na pobreza crônica. A pobreza multidimensional (relacionada a indicadores como educação, padrão de vida, emprego, serviços públicos e moradia) afeta 64,8% das famílias e cresceu 13,8% entre 2018 e 2019.
Ainda segundo a pesquisa, 74% dos lares venezuelanos, têm insegurança alimentar moderada e grave e apenas 3% não têm nenhum tipo de insegurança alimentar. Cerca de 25% das famílias sofrem com angústia pela falta de comida ocasionada pela diminuição de recursos para cobrir a quantidade e a qualidade da dieta, aponta o levantamento.
O cenário é especialmente grave para as crianças venezuelanas: os níveis nutricionais de crianças menores de 5 anos são comparados aos dos países mais pobres do mundo. A pesquisa aponta que 30% das crianças menores de 5 anos têm desnutrição crônica e 8% apresentam desnutrição global por indicador de peso/idade.
Economia dilacerada
España, explica que os índices são piores do que os de qualquer outro país do continente, incluindo o Haiti. O sociólogo diz que para fechar o hiato extremo de pobreza que a Venezuela enfrenta seriam necessários US$ 5 bilhões por ano para financiar um programa de transferência direcionado, a uma taxa de US$ 2 dólares diários para 6,5 milhões de famílias venezuelanas.
“É evidente que o principal responsável pelo escandaloso aumento da pobreza está ligado à destruição da economia venezuelana”, diz o pesquisador. “O aumento da pobreza no país não é um problema de desigualdade, é um problema da queda abrupta do produto, ou seja, não há riqueza para distribuir, não há bem-estar para desfrutar”, complementa.
A renda mensal mínima, composta de um salário básico e um bônus de comida, é equivalente a cerca de US$ 3,80. Na cotação atual, o valor é suficiente para comprar 30 ovos. Já a renda média diária é de US$ 0,72. Nesse cenário, 79,3% dos 30 milhões de venezuelanos não ganham o suficiente para cobrir o valor da cesta básica, cujo custo aumenta rapidamente devido à hiperinflação. A Venezuela registrou inflação de 3.356% em março e queda do PIB de 70% entre 2013 e 2019.
O peso da pandemia
A pandemia da Covid-19 piorou o cenário econômico na Venezuela: para 70% dos domicílios pesquisados, a quarentena é a causa do aumento dos preços dos alimentos. As restrições de mobilidade impostas desde março aumentaram em 6,9% a taxa de desemprego no país. Até 43% das famílias relataram incapacidade para trabalhar ou perda de renda, chegando a 52,6% nas famílias mais pobres.
“A única possibilidade de começar a subir a curva é com o crescimento econômico e a criação de empregos, incluindo para as mulheres. Temos problemas na educação, temos desafios alimentares significativos e uma população vulnerável que não estamos atendendo”, acrescenta España.