Aos poucos, o sonho de usar uma célula comum do organismo humano adulto e reprogramá-la para que ela volte a um estado semelhante ao das células-tronco embrionárias (CTEHs), podendo reconstruir qualquer tecido ou órgão danificado, vai ficando mais perto da realidade. Desta vez, pesquisadores nos Estados Unidos conseguiram usar vírus não-patogênicos (ou seja, não-causadores de doenças) para induzir essa reprogramação sem que eles alterassem diretamente o DNA das células estudadas.
O trabalho liderado por Konrad Hochedlinger, do Centro de Câncer e Medicina Regenerativa do Hospital Geral de Massachusetts, apresenta-se como um passo possivelmente decisivo rumo aos testes terapêuticos com essas células, uma vez que aparentemente não restam traços do vírus reprogramador após a "metamorfose" das células. No entanto, para uma dupla de pesquisadores brasileiros, o ponto ideal ainda não foi alcançado. "O uso de compostos químicos seria una alternativa aos vetores virais", disse ao G1 Stevens Kastrup Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que comentou o estudo junto com sua aluna Bruna Paulsen.
"Só assim o processo de reprogramação celular poderia ter aplicação segura e prática", completa Paulsen. Mesmo assim, segundo os dois, o protocolo de Hochedlinger e companhia "é conceitualmente melhor que os publicados antes".
Sonho de pluripotência
Antes? Sim, porque uma das áreas mais agitadas da biologia molecular e celular dos últimos meses tem sido o estudo das células iPS, ou células-tronco pluripotentes induzidas. "Pluripotência" é justamente a capacidade até hoje encontrada apenas nas células-tronco embrionárias de virar qualquer tecido (menos placenta, para ser exato), e a indução se refere ao uso de certos genes para "convencer" células adultas a retornar a esse estado versátil.
Até agora, esses genes eram "entregues" por vírus modificados especialmente para a tarefa, que faziam esse material genético se integrar no DNA das células adultas. Ou seja, uma terapia baseada nelas envolveria a adição de células transgênicas ao organismo do doente -- algo inaceitável, pelo menos por enquanto.
No estudo de Hochedlinger e colegas, publicado na web pela revista especializada americana "Science" , os mesmos genes normalmente usados para modificar o DNA das células humanas pegam carona num adenovírus. "É característica dos adenovírus a baixa integração ao DNA", lembra Bruna Paulsen. Mesmo assim, as proteínas cuja receita está contida nesses genes-chave foram produzidas e fizeram com que células do fígado e de outros tecidos de camundongos virassem iPS, ou seja, voltassem ao estado versátil.
Apesar do aparente sucesso, os brasileiros aconselham cautela. "Os autores fizeram vários testes, que indicaram que não houve qualquer integração [do DNA viral no das células de camundongos], mas eles não podem descartar uma integração de pequenas porções do DNA do adenovírus -- mais um motivo para dizer que o ideal mesmo seria não precisar de vetores virais", arremata Rehen.
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