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Um artigo publicado esta semana pela revista americana Science refuta relatório do início de 2021 da Organização Mundial da Saúde (OMS) que apontou que um contador chinês teria sido o primeiro caso de Covid-19 no mundo.
Michael Worobey, pesquisador do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona, levantou uma série de registros de estabelecimentos de saúde de Wuhan (cidade da China onde as primeiras infecções foram relatadas) que, segundo ele, apontam que uma vendedora de frutos do mar do Mercado de Huanan seria o primeiro caso conhecido da doença, com início dos sintomas em 11 de dezembro de 2019.
No local, eram vendidos mamíferos vivos suscetíveis a coronavírus, incluindo cães-guaxinins, espécie originária da Ásia.
Entre janeiro e fevereiro deste ano, uma equipe de especialistas da OMS passou quatro semanas em Wuhan levantando informações com cientistas chineses e, em relatório conjunto apresentado em março, eles informaram que um contador, sem ligação aparente com o mercado, teria desenvolvido sintomas em 8 de dezembro do ano retrasado e seria o primeiro caso conhecido de Covid-19.
Worobey, porém, alertou no artigo na Science que as datas não batem: o contador de 41 anos, que vivia 30 km ao sul do Mercado de Huanan, teria adoecido mais tarde.
“Quando entrevistado, ele relatou que seus sintomas de Covid-19 começaram com febre em 16 de dezembro; a doença de 8 de dezembro era um problema dentário relacionado a dentes de leite retidos na idade adulta. Isso é corroborado por prontuários hospitalares e um artigo científico que relata a data de início do seu quadro de Covid-19 como sendo 16 de dezembro e data de internação 22 de dezembro”, explicou o pesquisador.
Worobey argumentou que essas datas indicam que o contador foi infectado em transmissão comunitária depois que o vírus começou a se espalhar a partir do Mercado de Huanan.
“Ele acreditava que pode ter sido infectado em um hospital (presumivelmente durante sua emergência odontológica) ou no metrô, durante o trajeto; ele também viajou ao norte do Mercado de Huanan pouco antes dos sintomas começarem”, acrescentou Worobey.
“O início dos sintomas dele ocorreu após vários casos entre trabalhadores do Mercado de Huanan, tornando uma vendedora de frutos do mar de lá o primeiro caso conhecido, com início da doença em 11 de dezembro.”
Independentemente de quem está com a razão, o pesquisador americano ou o grupo de especialistas chineses e da OMS, ambos apontam que a explicação mais provável para a origem da Covid-19 seria a infecção de humanos a partir do contato com animais, e não um vazamento de laboratório.
Repercussão
O artigo de Worobey foi elogiado por outros pesquisadores, mas alguns apontaram que, quase dois anos depois dos primeiros casos de Covid-19, torna-se cada vez mais difícil dizer com certeza qual foi o “caso zero” da pandemia.
“A investigação das origens da pandemia continua importante, principalmente porque pretendemos aprender sobre a prevenção futura de pandemias”, declarou James Wood, chefe do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade de Cambridge, ao Science Media Centre.
“É importante reconhecer, no entanto, que a investigação retrospectiva após tamanho intervalo de tempo é inevitavelmente desafiadora e também que, para uma doença que tem pelo menos 40% de infecções sem sinais aparentes ou assintomáticas e uma grande proporção de infecções leves que são indistinguíveis de outras infecções respiratórias, é, na melhor das hipóteses, otimista pensar que algum dia rastrearemos o paciente zero”, ponderou.
Em outubro, a China anunciou que iniciaria a análise de dezenas de milhares de amostras de bancos de sangue de Wuhan, para tentar descobrir quando e como o Sars-CoV-2 foi transmitido para seres humanos pela primeira vez. Na mesma semana, a OMS anunciou a criação de outro grupo com especialistas para investigar a origem do coronavírus.
A comunidade de Inteligência dos Estados Unidos, após uma investigação de 90 dias solicitada pelo presidente Joe Biden, apontou que não conseguiu concluir se o novo coronavírus teve origem natural ou em laboratório, e que apenas novas informações permitiriam aprofundar as investigações dessas hipóteses.
Um alto funcionário da agência governamental americana Institutos Nacionais da Saúde (NIH, na sigla em inglês) admitiu em uma carta enviada a um congressista do país que dinheiro público dos Estados Unidos financiou pesquisas de ganho de função sobre coronavírus de morcegos em Wuhan, mas alegou que os coronavírus de morcegos de ocorrência natural usados nos experimentos financiados pelo NIH de 2014 a 2018 “estão a décadas de distância da linha evolutiva do Sars-CoV-2”.