O final do verão é época de colheita da pimenta chili, quando o estado do Novo México é invadido pelo perfume de chilis assando, e por todo os EUA os deliciosos e dolorosos frutos da planta do gênero Capsicum estão sendo transformados em salsa, molho picante e repelente de ursos-cinzentos.
Ocorrem muitos festivais, muitas vezes com concursos de comer pimenta. "É divertido", escreveu um especialista em pimenta chili, "mais ou menos como sair uma noite para assistir a alguém sendo queimado numa estaca".
Alguns especialistas afirmam que gostamos das pimentas porque elas são boas para nós. Elas podem ajudar a baixar a pressão, podem surtir alguns efeitos antimicróbicos e aumentam a salivação, o que é bom se você come uma dieta baseada num produto insosso como milho ou arroz. A dor das pimentas pode inclusive matar outras dores, um conceito sustentado por recentes pesquisas.
Outros estudiosos, como Paul Rozin, da Universidade da Pensilvânia, argumentam que os efeitos benéficos são pequenos demais para explicar o grande amor dos humanos pelas comidas apimentadas. "Não acho que esses efeitos tenham qualquer relação com o fato de as pessoas comerem e gostarem de pimenta", diz. Para Rozin, que estuda outras emoções e gostos humanos, escolhemos a pimenta pelo sofrimento. "Isso é uma teoria", enfatiza ele.
Mas o pesquisador tem evidências do que chama de masoquismo benigno. Por exemplo, ele testou comedores de chili, elevando gradualmente a dor ou, como dizem os profissionais, a pungência da comida, até o ponto em que os participantes afirmaram que não conseguiriam continuar. Após o teste, quando questionados qual nível de "calor" havia sido seu preferido, eles escolheram o nível mais alto que puderam aguentar, "logo abaixo do nível da dor insuportável".
As pimentas habanero, consumidas em larga escala por mexicanos, são muito fortes, embora haja uma grande variedade delas. Na escala padrão Scoville de "calor" [pimentão 0; a pimenta mais forte da índia, chamada jolokia 1.000.000], a habanero laranja fica entre 100 mil e 350 mil. Para efeito de comparação, as pimentas jalapeño variam entre 5 mil e 50 mil. O spray contra ursos com 2% de capsaicina é anunciado como tendo 3,3 milhões de unidades, e a capsaicina pura o elemento químico que causa a ardência chega a 16 milhões [a pimenta malagueta, comum na culinária brasileira, pertence ao gênero Capsicum].
Em lugares como América Central, Ásia e o subcontinente asiático, as pimentas chili são parte integral da culinária.
Um estudo recente sugere que a capsaicina é uma eficiente defesa contra um fungo que ataca sementes de chili. Realmente, experimentos mostraram que as mesmas espécies de plantas selvagens de chili produzem muita capsaicina num ambiente onde o fungo tem inclinação a crescer, e muito pouca em regiões mais secas, onde o fungo não representa perigo.
O fato de que a capsaicina causa dor a mamíferos parece ser casual. Não existe porcentual evolutivo para evitar que os animais comam as pimentas, que caem das plantas quando estão maduras. Pássaros, que também comem frutos, não possuem a mesma bioquímica, e por isso não sofrem com a capsaicina. Em mamíferos, porém, ela estimula os mesmo receptores de dor que reagem ao calor real. A pungência do chili não é tecnicamente um sabor, mas uma sensação de queimação, mediada pelo mesmo mecanismo que lhe avisaria se alguém houvesse colocado fogo em sua língua.
Mas os humanos as descobriram rapidamente. Há evidências de que há 6 mil anos as pimentas picantes já eram usadas das Bahamas aos Andes. Assim que Colombo as levou na volta do Novo Mundo, o chili se espalhou pela Europa, Ásia e África. Jean Andrews, no clássico Peppers: The Domesticated Capsicums (Pimentas: as Capsicum domesticadas, em tradução livre) onde ela faz os comentários sobre competições de pimenta , descreve a disseminação das pimentas do novo mundo por escritores da época. Em meados de 1500, elas eram conhecidas na Europa, África, Índia e China.
Ninguém sabe ao certo por que os humanos encontram prazer na dor, mas Rozin sugere que existe uma excitação, similar a andar numa montanha russa. "Somente os humanos conseguem apreciar eventos que são intrinsecamente negativos, que produzem emoções ou sentimentos que somos programados para evitar quando percebemos que eles não representam realmente ameaças. A mente sobre o corpo. Meu corpo acha que estou encrencado, mas eu sei que não estou."
Outros mamíferos não se juntaram à festa. "Não existe um único animal que goste de pimentas picantes", disse Rozin. Ou como coloca Paul Bloom, psicólogo de Yale: "Filósofos sempre tentaram definir características dos humanos linguagem, racionalidade, cultura, e tudo mais. Eu resumiria da seguinte forma: o homem é o único animal que gosta de molho Tabasco".
Isso vem do novo livro de Bloom, How Pleasure Works: The New Science of Why We Like What We Like (Como funciona o prazer: A nova ciência de por que gostamos do que gostamos, em tradução livre), onde ele aborda a natureza geral do prazer humano, além de alguns prazeres bastante específicos e complicados. Alguns, como comer comidas dolorosamente apimentadas, são casuais, pelo menos em sua singularidade. Uma mente complicada é adaptável, mas o amor pela pimenta é um prazer acidental.
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