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Crise "catastrófica"

Pobreza crescente no Afeganistão leva mais famílias a vender meninas para casamentos

Crianças recebem tratamento médico em hospital de Kandahar, Afeganistão, 23 de novembro (Foto: EFE/EPA/STRINGER)

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Pouco mais de três meses após a tomada de Cabul pelo Talibã, organizações humanitárias têm alertado sobre níveis críticos de pobreza e fome no Afeganistão, o que estaria levando famílias a vender meninas jovens para casamentos, na tentativa de sobreviver.

Além disso, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou, na segunda-feira (22), que o aumento da parcela da população que não consegue pagar empréstimos, depósitos mais baixos e a contração da liquidez podem levar a um colapso do sistema financeiro afegão nos próximos meses, com impactos "colossais".

Segundo a ONU, 22% da população de 38 milhões de habitantes do Afeganistão já estão perto de sofrer com a fome, enquanto 36% já enfrentam grave insegurança alimentar, não tendo condições de comprar alimentos.

A Unicef, o fundo de emergência internacional da ONU para a infância, manifestou em comunicado neste mês sua "profunda preocupação" por relatos de que os casamentos infantis estão aumentando no país asiático.

"Nós recebemos relatos confiáveis de famílias que oferecem filhas de até 20 dias de idade para um futuro casamento em troca de um dote", afirma o comunicado, assinado pela diretora executiva da Unicef, Henrietta Fore.

Mesmo antes da atual situação de instabilidade política, a organização já havia registrado 183 casamentos e 10 casos de venda de crianças nos anos de 2018 e 2019 apenas em duas províncias afegãs, Herat e Baghdis. As crianças tinham entre seis meses e 17 anos de idade.

Segundo estimativa da Unicef, 28% das mulheres afegãs entre 15 e 49 anos foram casadas antes de completar 18 anos de idade.

"A situação econômica extremamente difícil no Afeganistão está empurrando mais famílias para a pobreza e forçando-as a fazer escolhas desesperadas, como colocar os filhos para trabalhar e casar as meninas ainda jovens", continua a nota.

O risco de casamentos infantis é ainda maior porque a maioria das adolescentes não tem permissão para frequentar a escola. Segundo a Unicef, meninas que casam antes de completar 18 anos têm menos chances de permanecer na escola e têm maior risco de sofrer violência doméstica, discriminação, abusos e problemas de saúde mental.

"A pandemia de Covid-19, a crise alimentar em curso e o início do inverno agravaram ainda mais a situação das famílias. Em 2020, quase metade da população do Afeganistão era tão pobre que carecia de alimentos básicos ou água potável", alerta a Unicef.

Agricultores sofrem com falta de alimentos e sementes

A situação de agricultores e pastores no Afeganistão é "catastrófica", com o aumento da fome, agravada pela chegada do inverno, alertou a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) nesta semana.

"A situação é desastrosa. Todos os agricultores com quem conversamos perderam quase todas as suas safras neste ano. Muitos foram forçados a vender seu rebanho, eles acumularam dívidas enormes e simplesmente não têm dinheiro", disse Richard Trenchard, representante da FAO no Afeganistão.

Agricultor colhe algodão em Kandahar, Afeganistão, 22 de novembro | Foto: EFE/EPA/STRINGER (Foto: EFE/EPA/STRINGER)

Segundo a agência da ONU, 18,8 milhões de afegãos não conseguem se alimentar todos os dias, e esse número deve aumentar para perto de 23 milhões até o final do ano.

A crise começou por uma seca, que se espalhou pelo Afeganistão e deve continuar a se agravar no país. As previsões são de condições mais secas do que o normal nos próximos meses, devido ao fenômeno climático La Niña, e mais um ano de secas no país em 2022.

A FAO alerta que essas condições criarão um risco real de carestia no ano que vem, caso o Afeganistão não receba ajuda em grande escala, com a distribuição de sementes, fertilizantes e alimentos.

A agricultura é a base do sustento e crítica para a economia do Afeganistão. Segundo a FAO, cerca de 70% dos afegãos vivem em áreas rurais e 80% dos meios de subsistência dependem de agricultura ou criação de rebanho.

Colapso do sistema financeiro

Em um relatório de três páginas sobre o sistema bancário e financeiro do Afeganistão, o Programa de Desenvolvimento da ONU (UNDP) afirmou que o custo econômico de um colapso bancário no país e os seus impactos sociais negativos seriam "colossais".

O relatório detalha a situação financeira de antes da tomada do poder pelo Talibã em 15 de agosto, assim como a situação atual dos últimos três meses. O documento descreve um sistema praticamente estagnado, com intervenções humanitárias comprometidas pela crise de liquidez do país, agravada pela falta de confiança da parte dos depositantes e dos mercado internacionais.

Assim que o Talibã tomou o poder em Cabul, derrubando o governo apoiado pelo Ocidente, os Estados Unidos congelaram as reservas internacionais do Afeganistão. Ainda, a retirada abrupta da maior parte da ajuda estrangeira após a chegada do Talibã contribuiu para a queda livre da economia do país e pressionou os bancos, que impuseram limites semanais para saques.

Projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) citadas no relatório estimam uma contração de até 30% da economia afegã para 2021 e 2022.

O total de depósitos bancários caiu de US$ 2,9 bilhões no final de 2020 para US$ 2 bilhões em setembro deste ano, segundo o relatório. A estimativa é de que esse total caia para US$ 1,8 bilhão até o final do ano, uma perda de cerca de 40%.

"Sem o setor bancário, não há solução humanitária para o Afeganistão", disse Abdallah Al Dardari, representante da UNDP no país. "Nós realmente queremos ver os afegãos completamente isolados?", questionou.

O relatório recomenda uma série de ações coordenadas para resolver a situação, incluindo um esquema de garantia de depósito e medidas para garantir a liquidez no curto e médio prazos.

No entanto, sanções internacionais contra o Talibã dificultam ações que poderiam colaborar para evitar o colapso bancário. "Precisamos encontrar uma maneira de garantir que, se apoiarmos o setor bancário, não estaremos apoiando o Talibã", disse Al Dardari à Reuters.

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