O Brasil está prestes a entrar em uma nova polêmica sobre a concessão de refúgio a estrangeiros. O Ministério das Relações Exteriores do Paraguai enviou, no início deste mês, uma carta ao Itamaraty pedindo a repatriação de Juan Arrom, Victor Cólman e Anuncio Martí, atualmente asilados no Brasil. Eles são acusados pelo governo paraguaio do sequestro de María Edith Bordón, esposa de um rico empresário do Paraguai, e de pertencerem ao Exército do Povo Paraguaio (EPP), um grupo guerrilheiro que teria ligações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
As autoridades paraguaias estão convictas de que o sequestro de María Edith, que rendeu US$ 300 mil aos criminosos, é parte das ações do grupo. Dizem também que, mesmo refugiados no Brasil, os três acusados continuam a comandar ações do EPP no Paraguai.
Ao menos um dos três acusados está em Curitiba. Juan Arrom administra uma loja de confecções na capital paranaense desde 2007. Durante esta última semana, a Gazeta do Povo procurou Arrom para saber qual é a sua versão sobre as acusações.
Na quarta-feira, a reportagem foi até a loja mas, após se identificar, foi expulsa do estabelecimento. "Sai da minha loja. Eu sou um refugiado político e vocês me ofenderam", disse Arrom, referindo-se às reportagens publicadas na imprensa brasileira informando sobre o pedido de extradição feito pelo governo paraguaio.
No dia seguinte, a reportagem da Gazeta do Povo telefonou para a loja. Uma mulher que se identificou como esposa de Arrom atendeu à ligação e disse que iria consultar o advogado do casal sobre a possibilidade de uma entrevista. Mais tarde, porém, Arrom disse por telefone que não iria se pronunciar sobre o assunto.
Recorrência
A história dos três paraguaios se assemelha à do italiano Cesare Battisti, que aguarda a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre seu destino. Em ambos os casos, os países de origem afirmam que os refugiados são criminosos comuns que precisam ser extraditados para responder à justiça.
Segundo o Tratado de Genebra sobre Refugiados, um país deve conceder auxílio apenas se o fugitivo correr risco de vida ou de sofrer um julgamento parcial, motivado por inclinações políticas. Battisti sustenta que há falhas técnicas no processo que o condenou e que o caso está sendo usado para fins políticos. Arrom, Colmán e Martí afirmam que teriam sofrido tortura para confessar os crimes.
Para Eduardo Saldanha, professor de direito internacional em universidades de Curitiba, os critérios adotados pelo Conselho Nacional de Refugiados (responsável pela concessão de refúgio) são subjetivos. "Basta que o Poder Executivo entenda que o fugitivo esteja sofrendo ameaça para que se conceda o asilo. No Brasil, isto é definido de forma discricionária, diretamente pelo Ministério da Justiça", relata.
A concessão de refúgio dá ao asilado os mesmos direitos concedidos aos demais estrangeiros no país. Caso o governo concorde em extraditar um estrangeiro beneficiado pelo recurso, precisa primeiro cassar sua condição de refugiado. "Battisti só está preso porque o governo brasileiro teme que ele possa fugir. Já os três paraguaios podem desfrutar integralmente dos direitos concedidos a refugiados. Para extraditá-los, além de cassar o refúgio, ainda é necessário saber se eles estão legalizados no país", comenta Saldanha.
Para Maristela Basso, professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP), a política de refúgio adotada pelo Brasil favorece a vinda de pessoas acusadas de crimes em outros países. "O governo está abrindo um precedente para isso. A política brasileira para concessão de refúgio não condiz com os tratados internacionais sobre o assunto e nem com a prática jurídica", analisa.
Maristela acredita que uma eventual disputa com o governo paraguaio possa ser prejudicial para a agenda do país. "O Brasil não deveria criar uma animosidade por causa destas pessoas, cujo passado não está muito claro", afirma.