As Nuvens de Magalhães, as duas maiores galáxias-satélite da nossa Via Láctea, estão unidas por uma “ponte de estrelas” que se estende por cerca de 43 mil anos-luz. A descoberta foi feita graças a dados recém-liberados pelo observatório espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA). Lançado em 2013, o Gaia tem como principal objetivo fazer um levantamento da posição e movimentos de mais de 1 bilhão de estrelas na nossa galáxia e seu entorno ao longo de cinco anos para produzir o mais detalhado mapa tridimensional da Via Láctea até agora.
Os astrônomos liderados por Vasily Belokurov, da Universidade de Cambridge, no entanto, se concentraram apenas em uma área em torno das Nuvens de Magalhães. Eles vasculharam os dados do Gaia em busca de um tipo particular de estrelas pulsantes, conhecidas como RR Lyrae. Muita antigas e pouco evoluídas quimicamente, isto é, quase sem outros elementos mais pesados que o hidrogênio na sua composição, estas estrelas existem desde que as Nuvens de Magalhães começaram a se formar, fornecendo, por tanto, um vislumbre da história do par.
O estudo destas galáxias-satélite da Via Láctea é notoriamente difícil por elas se espalharem ao longo de uma grande área do espaço, mas o amplo campo de visão do Gaia, conjugado com uma capacidade de resolução, isto é, de ver individualmente dois objetos muito próximos, similar ao do telescópio espacial Hubble, facilitou em muito este trabalho.
Descoberta
Primeiro, as estrelas RR Lyrae detectadas pelo Gaia foram usadas para investigar a extensão total da Grande Nuvem de Magalhães, a maior das duas. Elas revelaram que a galáxia tem um “halo” de baixa luminosidade que se espalha por uma área de até 20 graus de seu centro no céu. Segundo os cientistas, a Grande Nuvem de Magalhães só conseguiria “segurar” estas estrelas a uma distância tão grande se ela fosse substancialmente maior do que se pensava, totalizando algo em torno de um décimo da massa da Via Láctea, que tem algo em torno de 500 bilhões de massas solares, incluindo aí a misteriosa matéria escura.
Outra questão abordada pelos astrônomos com a ajuda do Gaia foi calcular a época da chegada das Nuvens de Magalhães no entorno da Via Láctea. Saber com precisão quando isto aconteceu é impossível sem se conhecer a órbita exata das galáxias-satélite em torno da nossa. E aí o problema é que, devido às grandes distâncias do Universo, a movimentação delas no céu é tão pequena que não pode ser detectada no período de vida de uma pessoa. Sem os dados sobre a órbita, Belokurov e equipe se voltaram então para uma alternativa que permite fazer uma aproximação disso, os chamados fluxos estelares.
Estes “córregos” de estrelas se formam quando um objeto satélite, como uma galáxia-anã ou um aglomerado estelar, começa a sentir as forças de maré gravitacional do objeto maior que eles orbitam. Estas forças “esticam” o satélite em duas direções: se aproximando e se afastando do objeto central. Como resultado, formam-se duas “aberturas” na periferia do satélite, pequenas regiões onde sua gravidade e a do objeto maior que ela orbita se contrabalançam. As estrelas do satélite que chegam nesta região acabam então por “abandoná-lo” e passam a orbitar o objeto maior. À medida que mais e mais estrelas fazem isso, forma-se então um rastro luminoso que denuncia o formato de sua órbita.
- Os fluxos estelares das Nuvens foram previstos, mas nunca antes observados – explica Belokurov. - Tendo marcado as localizações das RR Lyrae vistas pelo Gaia no céu, ficamos surpresos em ver uma estreita estrutura parecida com uma ponte conectando as duas nuvens. Acreditamos que pelo menos parte desta “ponte” seja composta de estrelas arrancadas da Pequena Nuvem pela Grande. Já o resto pode ser de fato estrelas da Grande Nuvem de Magalhães “puxadas” dela pela Via Láctea,
Os pesquisadores acreditam que a “ponte” de estrelas RR Lyrae também vai ajudar a clarear a história de interação entre as nuvens e nossa galáxia.
- Comparamos o formato e a posição exata da ponte estelar revelada pelo Gaia com simulações de computador das Nuvens de Magalhães à medida que elas se aproximam da Via Láctea – explica Denis Erkal, um dos coautores do estudo. - Muitas das estrelas da ponte parecem ter sido removidas da Pequena Nuvem de Magalhães na interação mais recente, há cerca de 200 milhões de anos, quando estas galáxias-anãs passaram relativamente perto uma da outra. Acreditamos que como resultado deste “sobrevoo”, não apenas estrelas, mas também gás hidrogênio, foram removidos da Pequena Nuvem de Magalhães. E ao medirmos o desencontro entre as pontes de RR Lyrae e de hidrogênio, podemos colocar limites na densidade de nossa gasosa corona galáctica.
Composta de gás ionizado com muito baixa densidade, a quente corona galática da Via Láctea é ainda mais difícil de ser estudada que suas galáxias-satélite. Ainda assim, ela tem sido alvo de um intenso estudo, porque os cientistas acreditam que ela pode conter muito da matéria bariônica, ou comum à ela (responsável pela formação de estrelas e planetas) e que não é encontrada no corpo principal de nossa galáxia para explicar o comportamento de seus satélites. Assim, acredita-se que muito desta matéria estaria “escondida” na corona.
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