Charles Hobert McDaniel Jr., capelão aposentado do Exército americano, respirou fundo para se recompor antes de começar a falar sobre a dog tag (chapa de identificação usada por militares) de seu pai. O objeto tinha vindo de um campo de batalha perto de um lugar chamado Unsan, na Coreia do Norte, onde seu pai, o sargento Charles Hobert McDaniel foi morto em 1950.
McDaniel Jr., 71, e seu irmão mais novo, Larry, 70, tinham pouca ou nenhuma lembrança do pai. Agora, o pequeno pedaço de metal onde se lia "McDANIEL, CHARLES H." passou a ser um elo precioso para eles.
O sargento McDaniel, veterano da Segunda Guerra Mundial e médico do exército americano, desapareceu na desastrosa batalha contra as forças comunistas chinesas no entorno de Unsan. Quase 68 anos depois, nesta quarta-feira (8), o exército entregou a danificada dog tag a seus filhos.
Este foi um dos artefatos que chegaramcom as 55 caixas de restos mortais devolvidas às autoridades americanas no mês passado pelos norte-coreanos – negociada entre os dois países durante a cúpula entre o presidente Donald Trump e o ditador Kim Jong-un. O objeto é o único que, até agora, pode ser conectado a um soldado em particular.
O Pentágono entregou a dog tag de McDaniel depois de uma coletiva de imprensa sobre os esforços do governo em separar os restos mortais das caixas e iniciar o árduo processo de identificação.
"Este é meu pai", disse McDaniel Jr. depois de segurar a dog tag. "Sou seu filho mais velho ... esse é meu irmão, Larry".
"É um momento muito complexo para a gente”, acrescentou. "Não esperávamos isso ... Fomos contatados pelo Departamento do Exército, que disse: 'Encontramos uma dog tag. Foi do seu pai'".
McDaniel Jr. não sabe o paradeiro dos restos mortais do seu pai, mas afirmou que agora "pelo menos nós temos isso".
Uma história triste - e de bravura
Os irmãos - Charles, de Indianápolis, e Larry, de Jacksonville, Flórida - relataram uma história familiar cheia de lembranças obscuras.
O sargento McDaniel, filho de um fazendeiro de Indiana, ingressou no Exército antes da Segunda Guerra Mundial e serviu em combate na Europa. Ele estava com a 1 ª Divisão de Cavalaria e participou da ocupação do Japão após a guerra. A família estava morando lá quando ele foi enviado para a Coreia, depois que a guerra começou.
A Agência de Contabilidade de Defesa POW/MIA (prisioneiros de guerra/desaparecidos em ação) – DPAA, na sigla em inglês – informou que o sargento McDaniel estava com a companhia médica do 3º Batalhão do 8º Regimento de Cavalaria quando foi atacado pelos chineses no início de novembro de 1950.
O regimento estava cercado, e a maior parte do 3º Batalhão foi presa, de acordo com um relato da batalha, no site da 1ª Divisão da Associação de Cavalaria.
Em muitos casos houve combate corpo a corpo.
Depois que uma força de resgate bateu em retirada, alguns homens tentaram escapar em pequenos grupos. "Aproximadamente às 16h00 da tarde de 6 de novembro, a ação do 3º Batalhão, 8ª Cavalaria, como uma força organizada chegou ao fim", diz o relatório da associação.
"Eles morreram bravamente... Mais de 600 oficiais e homens foram perdidos em Unsan, a maioria deles do 3º Batalhão", continua o documento.
O Pentágono afirma que uma testemunha ocular e outro médico entrevistado disseram que acreditam que o sargento McDaniel tenha sido morto em ação.
Lembranças
Charles, que tinha 3 anos, tem apenas lembranças distantes de estar no mar em um navio, deixando o Japão. "Devido a várias baixas, eles colocaram as viúvas e as famílias em um navio de tropa e as trouxeram de volta ao Havaí", contou Charles. A família foi para casa no sul de Indiana. "Isto é o que eu lembro."
Mesmo assim, quando ele foi chamado em casa na quinta-feira passada após ser avisado sobre a existência da dog tag de seu pai, ele sentou e chorou por um tempo.
Larry, treinador de futebol universitário aposentado, que tinha dois anos quando seu pai morreu, contou que não tem memória alguma sobre o pai, mas que está orgulhoso do patriotismo dele. “Ele amava o país o suficiente para que pudesse dedicar toda a sua vida por essa terra ... sem hesitação”.
Identificação
O exame forense inicial sugeriu que os restos mortais obtidos da Coreia do Norte eram provavelmente os de militares norte-americanos, segundo os militares dos EUA. Entretanto especialistas afirmam que a identificação de todos os restos mortais pode levar anos.
John Byrd, diretor de laboratório da DPAA, informou que a dog tag de McDaniel estava em uma sacola plástica ao lado de outra sacolas contendo fragmentos de ossos dentro de uma das 55 caixas.
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A maioria dos restos nas caixas eram fragmentos de ossos. Segundo Byrd, os norte-coreanos disseram aos americanos que os fragmentos estavam "misturados", o que significa que os restos mortais de mais de uma pessoa podem estar em uma mesma caixa.
No processo de identificação, o DNA dos ossos será extraído e comparado com o material genético de um membro da família em potencial.
Outros artefatos, como botas, cantis, kits de cozinha e um capacete de aço também vieram com os restos mortais, mas é improvável que algum deles seja associado a um soldado específico, de acordo com as autoridades do Pentágono.
Soldados
O Pentágono estima que quase 7.700 soldados dos EUA desapareceram na guerra; entre eles, acredita-se que 5.300 foram mortos ao norte do paralelo 38, na fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul.
A maioria morreu no campo de batalha e foram enterrados em covas rasas ou em cemitérios destinados a serem temporários. Mas alguns também morreram em campos de prisioneiros de guerra comandados pela Coreia do Norte ou pela China, segundo especialistas.
O processo para encontrar e repatriar os restos tem sido dificultado pela relutância da Coreia do Norte em permitir aos investigadores militares norte-americanos o acesso irrestrito aos locais de batalha e pelo desejo do Norte de usar isso como capital político e como uma forma de monetizar às custas dos EUA.
A Cônsul Geral dos EUA, Angela Kerwin, disse que nenhum dinheiro foi pago à Coreia do Norte pelos restos mortais, mas os Estados Unidos dizem que deram "compensação" aos norte-coreanos no ano passado pelos custos da recuperação.