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Argentina

Por que a condenação de Cristina é um golpe duro, mas não fatal para o kirchnerismo

Vice-presidente não cumprirá sentença de seis anos de prisão imediatamente e deve aumentar esforços contra a independência do Judiciário (Foto: EFE/Enrique García Medina)

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Sinônimo de populismo e irresponsabilidade fiscal na Argentina, o kirchnerismo é uma subdivisão do peronismo surgida na província sulista de Santa Cruz, onde Néstor Kirchner foi governador de 1991 a 2003 antes de chegar à Casa Rosada.

Após seu primeiro e único mandato presidencial (2003-2007), ele foi sucedido por sua esposa, Cristina (2007-2015), que em 2019 retornaria como vice-presidente de Alberto Fernández.

Muitos acreditam que a condenação de Cristina a seis anos de prisão e inabilitação perpétua para o exercício de cargos públicos por corrupção nesta terça-feira (6) pode ser um golpe fatal no kirchnerismo, mas é provável que não seja tão simples assim.

Para começar, a vice-presidente, que já teve três processos contra ela arquivados no ano passado (estão em reanálise nas instâncias superiores) e aguarda outro ser julgado, não vai cumprir a sentença desta terça-feira imediatamente.

Devido ao foro privilegiado, ela não pode ser detida agora e, além disso, poderá recorrer à Câmara Federal de Cassação Penal e depois à Corte Suprema.

Outro ponto é que Cristina vai tentar ganhar dividendos políticos com o caso, o que já vinha buscando desde antes da sua condenação. Alegando perseguição judicial, o peronismo ganha argumentos junto à sua base para tentar interferir no Judiciário para que este defenda seus interesses.

Esforços que já vinham ocorrendo, como as manobras para colocar mais aliados no Conselho da Magistratura (órgão com poder de nomear e destituir juízes) e um projeto para aumentar o número de cadeiras na Corte Suprema, devem ganhar ênfase.

O objetivo é somar a comoção pelo veredicto desta terça-feira à despertada pela tentativa de assassinato que a vice-presidente sofreu em Buenos Aires no início de setembro.

“Na realidade, o kirchnerismo e o peronismo conseguem usar essas coisas que surgem contra eles a seu favor. Isso tem acontecido muitas vezes na história da Argentina. Eu não duvido que a Cristina tenha até torcido por uma condenação para depois tentar reverter isso e voltar como mártir, fazendo até uma associação com o que aconteceu com o Lula no Brasil”, pontuou Márcio Coimbra, coordenador de pós-graduação em relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FBMB).

“O líder populista tem que se mostrar como alguém contrário ao sistema. No momento em que você tem uma condenação do ‘sistema’, isso legitima o seu populismo. No caso da Cristina, [foi legitimado] tudo que ela vinha dizendo, que ela é perseguida, que querem tirá-la da política”, complementou.

Peronismo refém e oposição fragmentada

Enquanto grande parte dos argentinos rejeita o governo Fernández, devido principalmente à inflação descontrolada e à desaceleração econômica, Kirchner tem o peronismo nas mãos.

Valendo-se do seu prestígio junto aos sindicatos e movimentos sociais, ela gera desgaste para o atual presidente ao impor trocas de ministros e minar medidas que se oponham à gastança populista, como o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) definido no início deste ano e qualquer mínima tentativa de responsabilidade fiscal.

Sua pressão para dar asilo diplomático a uma ex-ministra do ex-presidente equatoriano Rafael Correa (2007-2017) condenada por corrupção azedou as relações de Fernández com o atual presidente do Equador, Guillermo Lasso.

Embora tenha alegado após o veredicto que não pretende concorrer a nenhum cargo em 2023, Cristina no mínimo tentará usar sua influência para reverter sua condenação e livrar seus filhos de encrencas com a Justiça – o deputado nacional Máximo Kirchner, filho dela e de Néstor, é o herdeiro político do clã.

“Quando a gente penetra no tecido social argentino e vê os sindicatos, associações de bairro e os movimentos sociais, o kirchnerismo e o peronismo têm muita força. Significa que, numa eleição, eles já saem de um patamar mínimo, e, além disso, essa penetração no tecido social os ajuda a multiplicar votos com muito mais facilidade do que seus opositores”, explicou Coimbra.

Para o especialista, as dificuldades de articulação dos oposicionistas ajudam nessa perpetuação.

“Eles [peronismo] tiveram opositores de toda sorte, por exemplo, a União Cívica Radical, hoje completamente diminuta, dividiu espaço com o partido do [ex-presidente Mauricio] Macri, tem o próprio pessoal do Macri. Não existe uma alternativa muito clara ao peronismo em um duelo, o outro lado é sempre muito fragmentado, muitos partidos foram sumindo ou diminuindo de tamanho”, acrescentou.

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