A Coreia do Norte estuda planos para atacar alvos militares americanos em Guam com seus mísseis balísticos de médio alcance, para envolver a ilha em fogo, segundo a mídia estatal. A mensagem chegou horas depois do presidente Donald Trump ter avisado a Coreia do Norte que, se ela não parar de ameaçar os Estados Unidos, “vai enfrentar fogo e fúria e, francamente, uma força como este mundo nunca antes viu”.
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As ameaças foram feitas depois de o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter votado por unanimidade para impor sanções novas e severas à Coreia do Norte.
A mídia estatal norte-coreana já ameaçou muitas vezes atacar os Estados Unidos, mas as ameaças geralmente são vagas e não incluem alvos tão específicos, disse o “Wall Street Journal”.
O fato de Kim Jong Un estar de olho em Guam, dependência dos Estados Unidos que sedia um aeroporto e uma base naval estratégicos, não surpreende, no entanto, os 160 mil habitantes da ilha. “Cada vez que são feitas ameaças de uso de força militar nesta parte do mundo, Guam está incluída”, disse Robert F. Underwood, reitor da Universidade de Guam e ex-delegado da ilha à Casa dos Representantes (Câmara dos Deputados) dos EUA.
“Para quem nasceu e vive em Guam, isso é desconcertante, mas não é fora do comum”, disse Underwood ao “Washington Post”.
O governador de Guam, Eddie Baza Calvo, postou um discurso no YouTube na manhã de quarta-feira, dizendo aos moradores da ilha que não devem se preocupar. “Sei que acordamos ouvindo notícias sobre a Coreia do Norte ter dito que vai se vingar dos Estados Unidos e sobre essa chamada tecnologia nova que lhe permite mirar contra Guam”, disse o governador. “Estou trabalhando com o Departamento de Segurança Interna, o contra-almirante e os Estados Unidos para garantir nossa segurança. Quero deixar claro para o povo de Guam que não existe neste momento nenhuma ameaça à nossa ilha ou às Ilhas Marianas.”
Calvo disse ainda que “o nível de ameaça resultante dos fatos relativos à Coreia do Norte não mudou” e que “há vários níveis de defesa posicionados estrategicamente para proteger nossa ilha e nossa nação”.
Destacando que “Guam faz parte do solo americano” e que “uma ameaça ou um ataque a Guam é uma ameaça ou ataque aos Estados Unidos”, Calvo disse que já entrou em contato com a Casa Branca e que as autoridades americanas lhe deram garantias de que a ilha será defendida.
“Isto dito, quero assegurar que estejamos preparados para qualquer eventualidade”, afirmou o governador, explicando que está convocando um grupo “para discutir o estado de prontidão de nossas forças militares e nossos serviços locais de defesa civil”. “Deus abençoe o povo de Guam e Deus abençoe os Estados Unidos da América”, concluiu ele.
Pivô estratégico de longa data
Situada a 6.500 quilômetros a oeste do Havaí e 3.500 quilômetros a sudeste da Coreia do Norte, Guam é a extremidade do poderio dos EUA no Pacífico. Sua base conjunta da Marinha e da Força Aérea, Região Conjunta Marianas, sedia submarinos nucleares, um contingente de Forças de Operações Especiais e é o ponto de onde decolam bombardeiros estratégicos para fazer voos de vistoria sobre os territórios japoneses e a península coreana.
Guam é um pivô estratégico dos EUA desde que a Espanha cedeu o controle da ilha à Marinha americana, após a Guerra Hispano-Americana, em 1898. Forças japonesas capturaram a ilha após o ataque a Pearl Harbor em 1941, submetendo sua população a violência que dizimou 10% de seus habitantes, segundo estimativas de historiadores.
Segundo Underwood, a ilha acaba de festejar seu 73º Dia da Libertação, comemorando o início do esforço liderado pelos EUA para libertar Guam, em 10 de julho de 1944.
Hoje, a ilha paradisíaca depende do turismo e da atividade militar para sustentar sua economia, marcada por alto índice de desemprego.
Houve esforços recentes, que contaram com o apoio das Nações Unidas, para conceder à ilha mais controle sobre seu governo. Os moradores de Guam não podem votar para presidente nas eleições norte-americanas, mas votam nos delegados partidários nas primárias e têm um delegado não eleitor na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos.
Presença militar crescente
Robert E. Kelly, da Universidade Nacional Pusan, é estudioso da Coreia do Norte. Ele disse que os norte-coreanos sempre responderam a ameaças com “um discurso bombástico ao extremo”, mas que Pyongyang sabe que atacar os Estados Unidos seria suicídio. “Os norte-coreanos não são ideólogos apocalípticos como Osama bin Laden, dispostos a arriscar tudo em alguma aposta suicida”, opinou.
Não é a primeira vez que a Coreia do Norte avisou que pode lançar ataques aos Estados Unidos. Em agosto do ano passado, o Ministério do Exterior norte-coreano disse que todas as bases militares americanas no Pacífico “enfrentariam a ruína diante de um ataque frontal e substancial”, segundo a Associated Press.
Isso se seguiu a um aviso lançado em 2013 de que Kim Jong Un havia ordenado a seus militares traçar planos para atacar bases dos EUA em Guam, no Havaí, Coreia do Sul e o território continental dos EUA.
Segundo Underwood, a crescente importância estratégica de Guam se deve ao status soberano do território.
Os Estados Unidos precisam obter a autorização de países aliados, como Coreia do Sul e Japão, para reforçar suas instalações militares no caso de escaladas da defesa, e a obtenção da permissão pode ser um processo demorado. Mas Guam vem sendo usado para projetar poder imediatamente.
A ilha também abriga uma bateria do sistema de defesa antimísseis THAAD, que alveja mísseis balísticos. A presença de sistemas THAAD na Coreia do Sul é vista com consternação por Pyongyang e Pequim, que enxergam o sistema defensivo como uma presença militar crescente.
Um par de bombardeiros Lancer B-1B chegou a Guam recentemente, vindo da Dakota do Sul, para voar com bombardeiros sul-coreanos e japoneses. Essa missão foi precedida por uma operação sobre a península coreana no final de julho em que aviões de guerra foram enviados às pressas de Guam em resposta ao segundo teste norte-coreano de um míssil balístico intercontinental que, segundo especialistas, teria alcance suficiente para chegar a Nova York.
Não estava claro na terça-feira se, após a ameaça norte-coreana, o Pentágono elevou o nível de prontidão de sua frota de navios e aviões baseada em Guam. “Sempre mantemos alto nível de prontidão. Temos a capacidade necessária para fazer frente a qualquer ameaça, incluindo as ameaças da Coreia do Norte”, disse Johnny Michael, porta-voz do secretário da Defesa, Jim Mattis, em comunicado ao “Washington Post”.
As numerosas instalações em Guam abrigam cerca de 6.000 militares, número que vem crescendo à medida que os EUA procuram reequilibrar suas forças no Pacífico, em vista do alcance militar crescente da China e do programa nuclear cada vez mais sofisticado da Coreia do Norte.
Em 2014, o então vice-secretário da Defesa Bob Work disse que 60% das forças da Marinha americana e 60% de suas forças de combate aéreo ficariam estacionadas na região. “Guam sempre foi uma parte central de nossos planos –com certeza uma parte central dos planos da Marinha, mas agora uma parte central dos planos de todo o Departamento de Defesa”, ele declarou na época.
Contribuições grandes para os Estados Unidos
Isso deixa uma ilha povoada por cidadãos americanos acompanhando as notícias atentamente, enquanto os gestos de intimidação de cada lado do Pacífico se intensificam.
A deputada Madeleine Z. Bordallo, representante da ilha no Congresso americano, disse em comunicado na quarta-feira que “a ameaça norte-coreana mais recente de atacar Guam é perigosa e intensifica as tensões em nossa região”.
Underwood observou que “na maior parte do tempo, o discurso excessivamente incendiário vem da Coreia do Norte. Desta vez está vindo dos Estados Unidos.”
Os habitantes de Guam, disse ele, compartilham duas visões sobre seu papel na política externa. A mídia geralmente focaliza a importância das instalações militares, fazendo os habitantes se sentirem como figurantes em um palco maior. Outros prefeririam ficar de fora da mira.
“As pessoas dizem: ‘Odeio ser um alvo. Nós somos a ponta da lança. Por que não podemos ser outra parte da lança?’”, disse Underwood.
Mas Guam também se orgulha de sua tradição de suprir os Estados Unidos de tropas da ilha, ele disse. Um número desproporcional de recrutas vem de Guam e da Samoa americana.
Dezoito soldados de Guam foram mortos no Iraque e Afeganistão. É um sacrifício desproporcional para um território cuja população é menor que a da cidade de Eugene, no Oregon. “Temos uma participação pessoal e territorial maior”, disse Underwood.
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