Já se passaram mais de dois meses desde que o presidente dos EUA, Donald Trump, se reuniu com o ditador norte-coreano Kim Jong-un, em Cingapura, e até agora houve pouco progresso visível em persuadir Pyongyang a desistir de suas armas nucleares.
Na quarta-feira (16), a mídia estatal norte-coreana pareceu oferecer uma explicação: a Guerra da Coreia deve terminar oficialmente.
“Vamos adotar a declaração sobre o fim da guerra, construir um mecanismo de paz para torná-la duradoura”, disse a Agência Central de Notícias da Coreia do Norte. “Não vamos insistir em 'desnuclearização primeiro' apenas e nunca perdoar o ato irracional dos EUA de forçar o Norte a fazer uma concessão unilateral!”.
As observações foram um lembrete de que o futuro das duas Coreias ainda está fortemente ligado ao seu passado - em particular, a uma guerra em que a maior parte dos combates parou há 65 anos.
Por que a Guerra da Coreia não terminou?
Embora a guerra tenha durado de 1950 até o armistício de 1953, os dois últimos anos foram praticamente um impasse. O resultado final foi, em muitos aspectos, inconclusivo.
Nos primeiros meses do confronto o Norte invadiu o Sul, adentrando por quase todo o sul península; depois houve um contra-ataque das tropas das Nações Unidas que empurraram os norte-coreanos de volta para fronteira do Norte com a China; e finalmente houve uma invasão da China que empurrou as forças da ONU para a área em torno do paralelo 38, onde as linhas do frente permaneceriam.
Mesmo com pouco avanço sobre o território inimigo, o resto da guerra foi devastador. A Coreia do Norte foi submetida a uma enorme campanha de bombardeio e estimativas sugerem que um total de 2,5 milhões de civis morreram durante o conflito. Durante anos, houve conversas sobre um acordo de armistício para acabar com os combates, mas várias questões, incluindo a repatriação de prisioneiros de guerra, impediram que isso acontecesse.
A eleição do presidente Dwight D. Eisenhower em 1952 e a morte do líder soviético Joseph Stalin ajudaram a estimular as negociações, e as forças norte-coreanas e chinesas e o Comando da ONU finalmente assinaram um armistício em 27 de julho de 1953, suspendendo os combates e estabelecendo a zona desmilitarizada (DMZ). A Coreia do Sul não fez parte do acordo; na verdade, o presidente sul-coreano da época, Syngman Rhee, queria continuar lutando.
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Em teoria, o armistício deveria ser temporário, exigindo uma “completa cessação das hostilidades e de todos os atos de força armada na Coreia até que um acordo pacífico final seja alcançado”. Mas uma conferência de paz realizada em Genebra em 1954 não conseguiu estabelecer um acordo de paz completo – em grande parte porque ambos os lados se consideravam vencedores. O aumento das tensões no que era então a Indochina francesa também complicou as coisas. Os Estados Unidos posteriormente revogaram uma parte do armistício, transferindo armas nucleares para a Coreia do Sul em 1958.
Embora as lutas nunca tenham recomeçado, as tensões militares continuaram altas. Houve vários incidentes violentos, incluindo um em 1976, quando soldados norte-coreanos mataram dois oficiais do Exército dos EUA na DMZ que estavam em uma missão pré-acordada para cortar uma árvore que estava bloqueando a visão da unidade norte-americana que patrulhava a Área de Segurança Conjunta. Desde a década de 1990, a Coreia do Norte tem dito frequentemente que não aceitaria mais o armistício.
Qual é a situação atual?
Quando o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in se encontrou com o ditador Kim, em abril, na área de trégua de Panmunjom, os dois concordaram em “declarar o fim da guerra e estabelecer um regime de paz permanente e sólido”.
Para a Coreia do Norte, o apelo do fim da Guerra da Coreia é óbvio: ajudaria a legitimar o regime norte-coreano – e com isso talvez até obter o reconhecimento diplomático dos Estados Unidos – e também acrescentaria outra pequena barreira a um novo conflito na península.
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Alguns especialistas sugeriram que o processo poderia começar com uma declaração conjunta dos EUA e da Coreia do Norte de que a guerra acabou – um movimento que teria grande peso simbólico, mas que teria menos obstáculos legais do que transformar o acordo de armistício em um tratado de paz. Isso potencialmente exigiria coordenação com a China, bem como a aprovação do Congresso americano.
A Coreia do Sul vê uma declaração conjunta como uma forma de melhorar as relações intercoreanas e preparar o caminho para um tratado de paz. Mas, como Seul não é parte do armistício, seus pontos de vista têm menos peso legal. E embora Pequim tenha sinalizado sua disposição para um tratado de paz ou uma declaração, as mensagens de Washington não são claras.
Qual o papel dos Estados Unidos?
O presidente Trump demonstrou entusiasmo pela ideia de “paz permanente”, tuitando em abril que a “GUERRA DA COREIA VAI TERMINAR!”. E quando o enviado norte-coreano Kim Yong Chol visitou a Casa Branca em junho, Trump disse aos repórteres que eles “falaram em acabar com a guerra”.
Mas enquanto o acordo assinado em Cingapura com Trump e Kim continha uma referência à construção de um "regime duradouro e estável de paz na península coreana", os Estados Unidos aparentemente vêem isso como algo que só aconteceria depois que a Coreia do Norte concordasse em abandonar suas armas nucleares.
“Olhe, nós apoiamos um regime de paz, um mecanismo de paz pelo qual os países possam avançar em direção à paz”, disse a porta-voz do Departamento de Estado, Heather Nauert, na terça-feira (14). “Mas... nosso foco principal é a desnuclearização da Península Coreana, e isso é algo que temos sido muito claros”.
O governo dos EUA tem receio de se apressar em declarar o fim da Guerra da Coreia pela mesma razão que a Coreia do Norte quer que isso ocorra. Mesmo que tal declaração não tenha um peso legal significativo, serviria como um reconhecimento simbólico da Coreia do Norte como um estado nuclear e fortaleceria os apelos do país para reduzir a presença militar dos EUA na Coreia do Sul.
Qualquer declaração também poderia ser vista domesticamente como uma submissão de Trump, arruinando o que foi retratado pela administração como uma vitória clara de sua abordagem de “pressão máxima”. Se a declaração fosse muito fraca, a Coreia do Norte poderia rejeitá-la por preocupações de que pudesse ser derrubada por um governo subsequente; se fosse forte demais, os Estados Unidos estariam abrindo mão de suas maiores vantagens muito cedo nas negociações.
Mas com o progresso lento quanto à desnuclearização, os Estados Unidos podem ser forçados a considerar métodos para acelerar o processo. E com um mês de diplomacia norte-coreana chegando em setembro, essa decisão pode chegar mais cedo do que tarde.
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