Em novembro deste ano, os americanos vão às urnas para escolher o 46º presidente dos Estados Unidos. Não significa, porém, que o candidato que obtiver o maior número de votos populares será, automaticamente, o chefe do Executivo do país. É que os EUA, ao contrário do Brasil, adotam o sufrágio universal indireto para a escolha do presidente e do vice-presidente.
A escolha final fica por conta do Colégio Eleitoral, formado por 538 delegados oriundos de todos os estados do país e de Washington D.C. O número de delegados é proporcional ao tamanho da população do território e ao número de parlamentares desses estados no Congresso. A Califórnia, estado mais populoso, tem 55 delegados. Por outro lado, sete estados, além do Distrito de Columbia (onde fica a capital), têm apenas o mínimo previsto: três – Alaska, Delaware, Montana, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Vermont e Wyoming.
Cada delegado representa um voto no Colégio Eleitoral e, via de regra, “o vencedor leva tudo”. Significa que o candidato que consegue a maioria dos votos populares no estado fica com a totalidade de delegados atribuídos à localidade. As exceções são os estados do Nebraska e Maine, que lançam mão de um sistema proporcional dividido por distritos eleitorais.
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Para ser considerado vencedor, o candidato precisa obter os votos de 270 delegados (ou mais). Importante ressaltar que, em tese, os delegados não são obrigados a votar, no Colégio Eleitoral, no candidato que a maioria dos eleitores estaduais escolheram. Na prática, porém, ir contra isso é visto como “infidelidade”.
Às vezes, o sistema de eleição indireta acaba gerando situações peculiares. Na história recente, tem-se como exemplos as eleições de 2000 e 2016, quando os candidatos do Partido Democrata, Al Gore e Hillary Clinton, respectivamente, venceram no voto popular, mas perderam no número de delegados.
A diferença entre Al Gore e George W. Bush foi de aproximadamente 500 mil votos (a mais para Gore). A chapa republicana, porém, conquistou 271 delegados, enquanto os democratas ficaram com 266. Em 2016, Hillary recebeu 65,8 milhões de votos e Donald Trump, 62,9 milhões. Quanto aos delegados, o Partido Republicano somou 304 contra 227 do Partido Democrata – houve sete delegados dissidentes na ocasião, que se recusaram a votar no candidato escolhido por seus estados.
Por que é assim?
Os Estados Unidos adotam o sistema de votação indireta por meio da escolha de delegados desde o século 18. Essa foi a solução encontrada pelos Pais Fundadores (os Founding Fathers), líderes políticos que participaram da Revolução Americana, para garantir a eleição no país que – ainda que fosse bem menor do que é hoje, com apenas 13 estados na Costa Leste – já tinha um grande território. Conduzir uma campanha eleitoral por todo os EUA, portanto, era uma missão praticamente impossível.
O voto indireto também evitava que figuras muito locais dos estados mais populosos pudessem ser eleitas, já que ainda não havia uma identidade norte-americana unificada. Acreditava-se que esses candidatos acabariam governando em prol de seus territórios de origem, deixando os outros de lado.
À época, Alexander Hamilton afirmou o seguinte sobre o sistema de Colégio Eleitoral: “se não for perfeito, é, ao menos, excelente”, pois garante “que o cargo de presidente nunca será ocupado por um homem qualquer que não possua um elevado grau das qualificações necessárias”.
O voto indireto ainda se justifica nos EUA?
Os tempos, porém, mudaram. A comunicação está mais facilitada do que nunca e as informações sobre os candidatos estão a apenas um clique. Quem defende a manutenção do Colégio Eleitoral lembra que o sistema tem atendido muito bem aos propósitos eleitorais no país há mais de dois séculos.
“(...) talvez o ponto mais importante a entender sobre o Colégio Eleitoral – e sobre a Constituição dos EUA em geral – é que os Pais Fundadores não tinham a intenção de criar uma democracia PURA. Eles queriam governar por conta própria, é claro. Eles tinham acabado de lutar numa revolução em parte porque não tinham representação no Parlamento. Os princípios de autogoverno eram muito importantes para eles. Ao mesmo tempo, eles sabiam que, por uma questão histórica, as democracias puras tendem a implodir”, diz Tara Ross, jurista norte-americana especialista no assunto.
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Por outro lado, argumenta-se que o voto indireto ignora a vontade do povo e acaba desvalorizando os eleitores de um estado com poucos delegados. Por essa lógica, um eleitor da Califórnia ou do Texas, estados com os maiores números de delegados, seria mais “importante” do que um eleitor do Alaska, que conta com apenas três representantes no Colégio Eleitoral.
“Minha opinião é de que o sistema eleitoral dos EUA deveria incorporar certos valores-chave. Um deles é que todos os votos deveriam contar igualmente. Não importa onde o eleitor mora, não importa quem ele é; todos os votos devem ter o mesmo peso. O sistema também deve ser estável no sentido de não mudar de uma eleição para outra. E deve ser transparente. Os princípios sobre os quais o sistema é construído devem ser transparentes e amplamente considerados justos pelos cidadãos”, pontua o historiador Alexander Keyssar, professor da Universidade Harvard.
Qual seria, então, a saída para o especialista? Ele responde: “com base nesses valores, eu acredito que o sistema ideal seria o do voto popular nacional”.