O ataque terrorista coordenado desta terça-feira (22) em Bruxelas é um acontecimento chocante. Mas, para qualquer um que estivesse observando a cidade nos últimos anos, não foi exatamente uma surpresa: se no passado a capital belga era conhecida como um centro para a cultura e a política europeias, recentemente sua reputação foi manchada em virtude de ligações com o extremismo e conspirações terroristas.
Essas ligações foram reforçadas na semana passada, quando autoridades belgas capturaram o suspeito de terrorismo Salah Abdeslam em Molenbeek, bairro predominantemente muçulmano de Bruxelas. Abdeslam, de 26 anos, era o último participante sobrevivente dos ataques de novembro em Paris que deixaram 130 mortos.
Depois dos ataques na França, muito da atenção se concentrou em problemas franceses tais como a exclusão social, a segregação em subúrbios e a radicalização ocorrendo no sistema prisional do país. Contudo, logo ficou claro que a Bélgica pode estar sofrendo com problemas ainda piores.
Molenbeek, bairro a noroeste de Bruxelas, onde moram cerca de 100 mil pessoas, emergiu como uma área particularmente preocupante. “Quase sempre há uma ligação com Molenbeek”, disse o primeiro-ministro belga, Charles Michel, em novembro passado. “Isso é um problema enorme.”
A área, separada de alguns dos bairros mais procurados em Bruxelas pelo canal que corta a cidade, começou a receber imigrantes turcos e marroquinos há 50 anos. O bairro passou por algum nível de gentrificação em anos recentes, mas permanece em agudo contraste com áreas mais afluentes da cidade: estima-se que o desemprego atinja até 40% dos moradores, e há muitos estabelecimentos decadentes na região.
Idioma
Frequentemente, imigrantes e filhos de imigrantes encontram-se em desvantagem competitiva no mercado de trabalho por falarem apenas francês e árabe, uma vez que muitos empregos na cidade exigem um conhecimento de flamengo ou holandês, e às vezes inglês. Um crescente movimento político de direita tem levado ao sentimento de que o país está dividido: alguns muçulmanos acreditam que a proibição, estabelecida em 2012, do uso de véus islâmicos tais como burkas e niqabs em espaços públicos é um sinal da exclusão de sua comunidade em relação à maioria católica.
As ligações de Molenbeek com grupos radicalizados são conhecidas há tempos.
“Não me surpreende, porque o islamismo radical e político é algo que cresceu na Bélgica”, diz Bilal Benyaich, pesquisador sênior do think tank Instituto Itinera.
Financiamento
Benyaich ressaltou o impacto da entrada de recursos da Arábia Saudita e de outros países ricos do Golfo Pérsico nos anos 1970, que foram usados para estabelecer colégios religiosos conservadores na área. Há uma década, o jornalista belga Hind Fraihi infiltrou-se em Molenbeek e escreveu uma famosa série de reportagens que mostrou que jovens muçulmanos desiludidos estavam sendo influenciados por pregadores radicais.
Apesar disso, o governo belga não tomou uma atitude, conta Fraihi, o que significa que “há uma geração inteira de jovens esperando para participar de ações terroristas”.
Com a ascensão do Estado Islâmico, essas ambições encontraram um canal de manifestação. Quase 500 cidadãos belgas viajaram à Síria e ao Iraque durante o conflito recente e a maioria acabou juntando-se ao Estado Islâmico, fazendo da Bélgica o país europeu que mais exporta combatentes estrangeiros para o EI. Um grupo chamado “Sharia4Belgium” (Sharia pela Bélgica, em tradução livre), liderado por um carismático pregador chamado Fouad Belkacem, foi acusado de estar no centro de uma rede de recrutamento de combatentes estrangeiros. Outros recrutas em potencial, cansados da vida na Europa, entraram em contado com o Estado Islâmico por conta própria através da internet.
Enquanto a maioria desses combatentes permanece na Síria e no Iraque ou já morreu em combate, é sabido que outros retornaram à Europa. As autoridades acreditam que cerca de 100 pessoas possam ter retornado, inclusive Abdelhamid Abaaoud, o cidadão belga suspeito de ter orquestrado os ataques em Paris.
Contrabando
A ameaça representada por esses combatentes e outras pessoas que simpatizam com a causa do Estado Islâmico tem se provado difícil de conter pelas autoridades belgas. O problema não é apenas o simples número de jihadistas em potencial: a Bélgica também é conhecida como um ponto de encontro regional para contrabandistas de armas e a cultura e o governo bilíngues do país têm criado dificuldades para os investigadores.
“A Bélgica é um Estado federal e isso é sempre uma vantagem para os terroristas”, afirma Edwin Bakker, professor do Centro de Estudos de Terrorismo e de Contraterrorismo da Universidade de Leiden, na Holanda. “Diversas camadas de governo dificultam o fluxo de informação entre investigadores.”
Houve esperanças de que Bruxelas poderia deixar para trás suas ligações com o terrorismo. Uma recente campanha para incentivar o turismo na cidade convidou estrangeiros interessados a falar com residentes aleatórios pelo telefone, a maioria dos quais ficou feliz de conversar sobre os benefícios da cidade. Uma das cabines para as quais os estrangeiros podiam telefonar ficava inclusive em Molenbeek. Contudo, esses ataques mostram o quão difícil tem sido para Bruxelas conter a ameaça do terrorismo.
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