Policial remove um pôster que mostra o comunista radical Cesare Battisti em um pelourinho ao lado da imagem do ministro da Justiça italiano, Alfonso Bonafede (à direita) em uma banca de revistas em Roma, 17 de janeiro| Foto:  ALBERTO PIZZOLI / AFP

A saga do fugitivo italiano Cesare Battisti, 64 anos, ultraesquerdista e ex-militante do Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), chegou ao seu último capítulo neste 13 de janeiro. Condenado em todas as instâncias da justiça de seu país pelo assassinato de quatro pessoas na década de 1970, Battisti foi preso na Bolívia e enviado à Itália, onde, na segunda-feira (14), começou a cumprir a pena de prisão perpétua.

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A captura foi comemorada pelo governo italiano, de direita nacionalista, e pelo governo do brasileiro Jair Bolsonaro - afinal de contas, o presidente recém empossado havia prometido aos italianos extraditar Battisti assim que colocasse as mãos nele. Mas a história rendeu alguma dor de cabeça para o mandatário boliviano, Evo Morales. 

O esquerdista que comanda a Bolívia há 13 anos foi duramente criticado pelos próprios aliados por ter autorizado, ou por não ter feito nada para impedir, a prisão e expulsão de Battisti para a Itália. Raul García Linera, irmão do vice-presidente Álvaro García Linera, disse que o ato de expulsar o italiano foi “contrarrevolucionário”, “injusto, covarde e reacionário”. 

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“Hoje os interesses do Estado se puseram acima da moral revolucionária, da praxis revolucionária. Estamos entregando a um detido (Battisti) que solicitou refúgio, como uma vil mercadoria, um ato em desacordo com as regras”, afirmou Raúl. 

De uma certa forma, foi exatamente isso que Morales fez: colocou os interesses do Estado acima da ideologia de esquerda para evitar desentendimentos com duas grandes economias, Brasil e Itália, e incômodos em ano eleitoral. 

O caso Battisti se tornou uma pauta de direitos humanos para a esquerda mundial, que considerou a sentença de prisão perpétua uma forma de perseguição política. Tendo este apoio, o italiano conseguiu escapar das autoridades por tantos anos, obtendo refúgio inclusive no Brasil após uma cartada política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Acontece que Battisti havia perdido o status de refugiado no Brasil e desde dezembro era procurado internacionalmente, após o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro ter determinado a prisão cautelar dele para fins de extradição para a Itália. Battisti então fugiu para a Bolívia, mas lá teve seu pedido de refúgio negado pelo Comissão Nacional de Refugiados do país, ainda em dezembro. 

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Ao contrário do que fez Lula, Morales optou por não interferir no processo. O envio de Battisti para a Itália, segundo explicou o professor de Direito Internacional da PUC-PR, Eduardo Biacchi Gomes, foi uma expulsão e não uma extradição, o que, segundo ele, explica a celeridade do processo - alvo de críticas da esquerda boliviana. “Como Battisti havia entrado irregularmente na Bolívia e a ele havia sido negado o status de refugiado, ele foi preso e enviado às autoridades italianas”. 

A atitude de Morales, entretanto, está longe de transformá-lo em um vira-casaca. Segundo analistas de geopolítica ouvidos pela Gazeta do Povo, Morales tem adotado uma postura pragmática em suas relações internacionais já há algum tempo, o que lhe dá a liberdade para chamar o presidente Jair Bolsonaro de “hermano” e alguns dias depois posar ao lado do ditador Nicolás Maduro na posse do venezuelano. 

Outro exemplo deste pragmatismo é o confisco das refinarias da Petrobras na Bolívia, em 2006, que gerou desgaste nas relações com o Brasil, mesmo com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sendo simpático às causas ideológicas de Morales. 

O professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Associação de Estudos de Defesa, Alcides Costa Vaz, conta que esta postura começou a se fazer mais presente quando a Venezuela, aliada da Bolívia na economia e na política, começou a apresentar dificuldades financeiras. “Foi aí que a Bolívia passou a procurar mais a China para os negócios e a relação entre eles ocorre essencialmente no campo econômico”, apesar de haver compatibilidade ideológica. 

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“Morales soube atentar para a necessidade de diversificar suas opções em matéria de relacionamento internacional, o que é um contexto bastante difícil para o país, visto às disputas territoriais com o Peru e o Chile”, lembrou Vaz sobre as frequentes tentativas da Bolívia de conseguir acesso ao oceano pacífico. No continente americano, apenas Bolívia e Paraguai não possuem acesso ao mar. 

O professor da UnB acrescentou ainda que Itália e Brasil são grandes mercados que a Bolívia não pode ignorar, mesmo que seus chefes de estado estejam na outra ponta do espectro ideológico. A Itália basicamente porque é o 7º maior exportador e 10º maior importador do mundo. E o Brasil porque é o principal parceiro comercial da Bolívia. 

As relações econômicas entre os dois vizinhos se baseiam na venda de gás, produto que corresponde a 96% das exportações bolivianas, segundo o Instituto Boliviano de Comércio Exterior (IBCE). A importância do Brasil na importação do gás por si só já seria motivo para Morales manter um bom relacionamento com o governo Bolsonaro, mas soma-se a isso o fim do contrato de exportação de gás ao Brasil ainda este ano. 

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Em entrevista ao jornal La Razón, a pesquisadora do Centro de Estudos para o Trabalho e Desenvolvimento Agrário (Cedla), Silvia Molina, apontou que as negociações para renovação do contrato pouco avançaram até agora e as condições se apresentam mais favoráveis ao Brasil do que eram em 1990, quando o contrato foi assinado. “O Brasil desenvolveu seu sistema energético, seus próprios projetos, suas reservas (de hidrocarbonetos) e abriu investimentos privados às reservas do pré-sal”, lembrou Molina. “As condições de negociação não são as mesmas do passado, são muito mais complicadas e difíceis para os bolivianos, muito mais em um momento em que a privatização é muito clara na política do presidente brasileiro”. 

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Tirando o aspecto econômico, a relação entre os dois países tende a ser “fria”, segundo Molina, e “não de apoio, de acordos políticos, não de retórica de integração ou algo parecido”. 

Política interna e eleições 

O pragmatismo econômico de Morales, aliado à uma política de nacionalização de recursos, fez com que a Bolívia se tornasse um país economicamente estável, menos desigual e com as maiores taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre os países da América Latina nos últimos anos. 

Politicamente isso é muito importante para Morales, pois, como lembrou Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da USP e da FGV, a economia é um fator importante para a aprovação do líder de um país - e 2019 é ano de eleições presidenciais na Bolívia. 

No fim das contas, a aproximação de Bolsonaro e a expulsão de Battisti, apesar das críticas internas, terão pouco impacto negativo entre seus correligionários e não serão um problema na corrida presidencial de outubro, a qual Morales disputará com a benção da justiça boliviana. 

Segundo Vieira, o que realmente pesa contra Morales, mesmo ele apresentando bons resultados na economia, é justamente o fato de ele ter ignorado o referendo realizado em 2016 que negou a possibilidade de ele concorrer ao quarto mandato. Morales ignorou a decisão da população e recorreu à justiça, que autorizou sua candidatura. “Isso faz o eleitorado pensar que ele quer se perpetuar no poder, e acredito que por isso ele não está à frente nas pesquisas eleitorais”, afirmou Vieira. 

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Se Morales ganhar as eleições, ele ficará 19 anos à frente do país, num mandato que se estende até 2025. Mas de acordo com pesquisas de intenção de voto divulgadas em dezembro, o ex-presidente boliviano Carlos Mesa está à frente do atual presidente. Se Morales perder, será mais uma derrota para a esquerda da América Latina.