A crise política na Venezuela atingiu um novo ápice após as eleições presidenciais realizadas no último dia 28 de julho, quando Nicolás Maduro foi declarado vencedor pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão controlado pelo regime chavista.
A oposição, cujo candidato representante é o diplomata Edmundo González Urrutia, contesta os resultados, afirmando que houve fraude e que González foi o verdadeiro vencedor.
Em meio a essa disputa, González se autoproclamou, por meio da assinatura de um comunicado, presidente eleito nesta segunda-feira (5), pedindo o apoio das Forças Armadas, que, segundo ele, devem “ficar ao lado do povo”. A iniciativa do opositor lembrou o cenário político de 2019, quando Juan Guaidó se declarou presidente interino da Venezuela contando com o apoio de vários países, mas sem conseguir consolidar sua posição.
Maduro, inclusive, tem mencionado o caso de Guaidó e utilizado o nome do opositor político exilado nos EUA para se referir ao atual momento político de seu país. “Eles querem impor novamente a triste história de Guaidó. Guaidó 2.0”, disse o líder do regime chavista ao criticar o reconhecimento por parte dos americanos da vitória de González.
Apesar das semelhanças superficiais, existem algumas diferenças entre as situações de González e Guaidó que sugerem que o diplomata não será um "Guaidó 2.0", como afirma o ditador chavista.
Para o historiador e analista político do Mackenzie, Victor Missiato, uma dessas diferenças é o atual contexto político da Venezuela. Em entrevista à Gazeta do Povo, Missiato disse que neste momento o país sul-americano ainda lida com um cenário eleitoral onde tanto a oposição quanto entidades podem utilizar “vários recursos metodológicos para analisar o resultado [das eleições] e a vitória de González”.
Missiato observou que, diferente de agora, no período em que Guaidó se autodeclarou presidente a oposição venezuelana estava muito mais fragmentada “por conta das manobras que a Justiça venezuelana e o governo Maduro fizeram para desmembrar e tirar o poder da Assembleia Nacional nos anos anteriores”.
O analista disse que em 2019 Guaidó até conquistou um vasto apoio internacional, no entanto, sua popularidade dentro da Venezuela e com os opositores do chavismo ainda era baixa. González, por sua vez, parece ter conseguido unir tanto o apoio dos principais opositores como o da população, que está indo às ruas para pedir pelo fim do regime chavista.
“A legitimidade internacional de Guaidó foi muito maior [que a de González] ao se autodeclarar presidente. No entanto, a legitimidade interna da população não foi coesa, diferentemente do que a gente está vendo agora com o González, onde é perceptível que há uma manifestação popular, há reivindicações internas e um resultado claramente fraudado [das eleições]. Portanto, eu diria que a diferença [entre o caso de Guaidó e de González] é que agora existe mais legitimidade interna em relação à oposição do que anteriormente”, afimou Missiato.
O analista também citou a diferença nos perfis de ambos os políticos como um dos pontos de divergência. Segundo ele, enquanto Guaidó era uma figura mais eloquente, González possui um perfil mais moderado e agregador, que pode, de acordo com Missiato, ser crucial para manter o apoio tanto interno, entre a população, quanto internacional.
“Sem dúvida alguma temos aqui na Venezuela um perfil mais moderador, que conseguiu tanto internacionalmente quanto internamente agregar uma oposição e legitimar uma oposição para [poder] deslegitimar essa vitória de Nicolás Maduro. Isso faz com que agora o regime político esteja mais em xeque do que em 2019, embora eu acredito que seja muito difícil a saída de Maduro [do poder] sem uma luta, sem uma grande resistência”, afirmou o analista.
Harmonia da oposição
Para Missiato, outro ponto relevante que diferencia González de Guaidó é a postura atual de Maduro em relação à oposição. De acordo com o analista, quando Guaidó se autodeclarou presidente interino em 2019, o regime chavista estava sob a pressão de severas sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e outros países. Esse cenário permitiu que a ditadura, sem temer mais nenhuma punição internacional, intensificasse sua repressão contra os opositores, criando condições extremamente hostis para uma maior organização da oposição, o que terminou forçando Guaidó ao exílio, onde ele permanece até hoje.
Diferente daquele momento, Maduro teve que ceder desta vez mais espaço, ainda que limitado e frequentemente restrito, para a oposição se organizar, devido as negociações feitas no ano passado para a realização das eleições, que envolviam o fim temporário de algumas sanções em troca de "eleições justas e livres".
Esse movimento, segundo Missiato, permitiu que González mantivesse uma presença política mais ativa dentro do país, angariando assim mais apoio entre a população e mais harmonia entre os opositores, oportunidade que Guaidó não teve em seu momento. Essa oportunidade pode ter sido fundamental para fortalecimento da atual luta da oposição liderada por González contra a fraude eleitoral do chavismo.
Um outro ponto que diferencia o momento de González do de Guaidó, segundo Missiato, é o esgotamento do chavismo enquanto projeto político de poder. Ainda segundo o analista, o diplomata também possui “mais força popular do que Guaidó” e conta com o “apoio vindo de países da esquerda latino-americana, como o caso do Chile, e uma tentativa de moderação de legitimação política por parte de Brasil, Colômbia e México, que tentam ainda conversar com os dois lados, numa medida um pouco demagógica”.
González também “possui apoio até de alguns políticos de centro-esquerda fora do Brasil. E sem contar que as ruas venezuelanas vêm demonstrando nas últimas semanas um grande apoio para a escolha dele como presidente. Então isso de uma certa forma materializa mais a oposição do que no período Guaidó”, disse Missiato.
Objetivos distintos
Para Eduardo Galvão, analista político e professor de Relações Governamentais do Ibmec Brasília, a diferença entre os dois está nos objetivos.
“Juan Guaidó buscava estabelecer um governo de transição para organizar novas eleições livres e justas, contando com um forte apoio internacional. Por outro lado, Edmundo González reivindica diretamente a presidência, alegando que venceu a eleição, e foca mais em mobilizar a oposição interna e questionar os resultados eleitorais”, afirmou Galvão em entrevista à Gazeta do Povo.
O analista político também citou que “o regime de Maduro, por sua vez, tem tratado González de forma similar, mas menos intensa, em comparação com Guaidó”.
“Maduro reagiu a Guaidó como uma ameaça imediata e significativa, adotando uma postura combativa e estratégica para minar sua credibilidade internacional. Com González, embora Maduro mantenha uma retórica agressiva, a exaustão política e a desilusão da população venezuelana criam um contexto diferente. O regime parece menos preocupado com uma mobilização internacional comparável à que Guaidó conseguiu”, disse Galvão.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”