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No fim de junho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi ao Twitter sugerir que as eleições presidenciais do país, previstas para o início de novembro, sejam adiadas. Isso porque ele acredita que o voto por correio – que já é permitido no país mas pode ser adotado de maneira muito mais ampla este ano, devido à pandemia de Covid-19 – possa ser o seu “calcanhar de Aquiles” no pleito de 2020. Na cabeça de Trump, essa modalidade de votação vai transformar a eleição deste ano na “mais imprecisa e fraudulenta da história”.
Trump não é, contudo, o primeiro chefe do Executivo dos EUA a enfrentar uma situação que, talvez, demandasse o adiamento das eleições presidenciais. Em 1864, em plena Guerra de Secessão, Abraham Lincoln também teve que encarar o dilema. Nesse caso, porém, a ideia não partiu da cabeça do presidente, mas de seus apoiadores.
O país passava por um momento excepcional: estava em guerra civil há cerca de três anos. A campanha terrestre liderada pelo general Ulysses S. Grant – que se tornaria, alguns anos depois, o 18° presidente do país –, à frente do Exército da União, resultara em baixas significativas no verão, deixando os combatentes presos em uma guerra de trincheiras. Lincoln, que, assim como Trump, era do Partido Republicano, acreditava que suas chances de reeleição era ínfimas.
“Você pensa que não sei que vou ser derrotado, mas eu sei, e, a não ser que uma grande mudança ocorra, serei severamente derrotado”, confidenciou Lincoln a seu amigo Schuyler Hamilton, neto de Alexander Hamilton, sobre as eleições de 1864.
“Centenas de milhares de americanos foram mortos, feridos ou realocados em uma guerra que não vislumbrava um fim no horizonte. Lincoln era impopular. Os republicanos radicais, de seu próprio partido, duvidavam do seu compromisso com os direitos civis dos negros e condenavam sua amizade com antigos rebeldes. Havia também o fato de que nenhum presidente fora eleito para um segundo mandato desde Andrew Jackson, 32 anos e nove meses antes. E nenhum país havia realizado eleições em meio a uma guerra civil”, afirma Calvin Schermerhorn, professor de História na Universidade do Estado do Arizona.
Diante do cenário, a possibilidade de postergar as eleições começou a pipocar entre os membros do Partido Republicano. Alguns chegaram argumentar que o pleito deveria ser adiado por cerca de quatro anos, tempo que eles consideravam necessário não somente para o conflito armado terminar, mas para todo o país retornar à condição de normalidade.
Eleições mantidas
Mesmo com toda a pressão exercida por sua própria legenda, Lincoln não cedeu. Para o presidente, a pauta da União na guerra dizia respeito à integralidade de toda uma nação; não era sobre um partido, sobre as eleições ou sobre ele. Cerca de um ano antes, no famoso discurso de Gettysburg, ele já havia dito que o conflito era sobre o “nascimento da liberdade”, e que o governo do país deveria ser do povo, pelo povo e para o povo. Em agosto de 1864, Lincoln revelou ao seu gabinete que parecia "extremamente provável" que a gestão não seria reeleita. Seu dever, portanto, seria auxiliar o novo presidente, entre as eleições e a posse, a "salvar a União".
Mesmo com a guerra ainda em curso, as eleições foram realizadas em novembro daquele ano. “Não podemos ter um governo livre sem eleições; se uma rebelião nos forçar a cancelar ou adiar uma eleição nacional, é justo afirmar que ela já foi vitoriosa e nos arruinou”, afirmou Lincoln à época.
No fim das contas, o republicano derrotou o candidato democrata, George Brinton McClellan, por 55,03% a 44,95% dos votos, tendo conquistado 212 delegados contra 21 de McClellan. A vitória se deveu muito, segundo o professor Calvin Schermerhorn, a dois fatores: as recentes vitórias da União ocorridas na Baía de Mobile, no Alabama, e em Atlanta, na Georgia, e, justamente, o voto por correspondência, vez que o general Grant garantiu que os soldados enviassem suas cédulas pelo correio, além de ter liberado vários deles para que voltassem a suas casas para votar pessoalmente.
“Lincoln sempre teve a sensação de que a Guerra de Secessão era, em primeiro lugar, sobre democracia. [Ele pensou que] se você suspender a democracia no meio da guerra, estará, basicamente, minando todo o propósito desse conflito. Então, mesmo quando acreditou que iria perder, ele nunca cogitou suspender a eleição presidencial”, conclui Eric Foner, professor emérito de História na Universidade Columbia.
Se a manutenção da democracia não for motivo suficiente para convencer Trump a aceitar que as eleições de 2020 devam ocorrer normalmente, ele precisa ter em mente que mesmo que queira, ele não pode, por conta própria, cancelar ou adiar o pleito. De acordo com a primeira seção da 20ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, adotada em 1933, os mandatos do presidente e do vice-presidente norte-americano se encerram sempre ao meio-dia do dia 20 de janeiro “dos anos em que esses termos teriam terminado se este artigo não tivesse foi ratificado”.