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O conflito em Gaza, em curso desde os ataques terroristas do Hamas contra Israel em outubro de 2023, tem sido mais uma fonte de preocupação para a comunidade internacional nos últimos meses.
Os relatos de vítimas civis residentes do enclave palestino vêm dominando as manchetes diárias da cobertura global da guerra. O Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, afirma que desde o início do conflito mais de 30 mil civis foram vitimados por causa da ofensiva israelense, em curso para neutralizar os terroristas e recuperar os reféns levados para Gaza em outubro.
As estatísticas divulgadas pelo Hamas têm sito frequentemente citadas por grandes veículos de comunicação e autoridades, entre elas o presidente dos EUA, Joe Biden, que apesar de já ter expressado anteriormente ceticismo sobre os dados do Hamas, acabou reproduzindo nos últimos dias o número de mortos fornecido pelo grupo terrorista.
O fato de o Hamas ser qualificado tanto pelos Estados Unidos quanto pela União Europeia (UE) como uma organização terrorista deveria colocar em xeque a credibilidade desses números, no entanto, eles continuam sendo utilizados pela maioria dos grandes veículos de comunicação e organizações, entre elas a ONU, para falar sobre o horror do conflito em curso e basear pedidos por um cessar-fogo imediato.
Apesar disso, algumas fontes já questionaram os dados fornecidos pelo Hamas. Luke Baker, ex-chefe do escritório da agência Reuters em Jerusalém, alertou as organizações de notícias para mostrarem ceticismo em relação aos números de mortos e feridos fornecidos pelo Ministério da Saúde de Gaza.
No ano passado, Baker argumentou que o Hamas tem um “claro incentivo de propaganda para inflar as baixas civis o máximo possível”. Em outubro, mês em que se iniciou o conflito em Gaza, o grupo terrorista acusou Israel de ter atacado um hospital no enclave e vitimado cerca de 500 pessoas. Jornais internacionais começaram a citar esse número sem confirmá-lo oficialmente e foram posteriormente criticados por isso.
Dias após a explosão no hospital, tanto Israel quanto os EUA investigaram o caso e chegaram à conclusão de que a explosão teria sido causada por um foguete lançado do próprio enclave palestino por um outro grupo terrorista, a Jihad Islâmica. A informação foi corroborada também pela Human Rights Watch (HRW), que isentou Israel da explosão, como acusava o Hamas.
O número de mortos no hospital também foi questionado, com a inteligência da União Europeia (UE) citando que variava entre 10 e 50 mortos, bem diferente dos 500 divulgados por Gaza.
Uma matéria de outubro do The Telegraph também questionou a confiabilidade dos dados divulgados pelo Hamas. Nela, Baker, uma das fontes consultadas, enfatiza que os números de Gaza são “inverificáveis” e que funcionários da saúde local que não seguem as cifras aprovadas pelo Hamas “correm sérios riscos” de vida.
Gabriel Epstein, do think tank Washington Institute, analisou por meio de um relatório divulgado em janeiro deste ano os números de mortos em Gaza e afirmou que as estatísticas do Hamas podem ser “inconsistentes, imprecisas e manipuladas sistematicamente para minimizar o número de homens e terroristas mortos”.
Ele argumentou que, sem uma melhor compreensão da divisão das mortes que ocorrem no enclave palestino, não se pode “emitir julgamentos definitivos sobre o caráter da ofensiva militar de Israel”.
O relatório de Epstein sugere que o Hamas tem subnotificado as mortes de homens para poder retratar a operação atual de Israel em Gaza como "especialmente indiscriminada" e "focada principalmente em abater mulheres e crianças civis". Isso estaria sendo feito, segundo o autor, com o objetivo de fazer com que a comunidade internacional faça pressão sobre Israel para que o país encerre sua ofensiva no enclave antes que o grupo terrorista perca o controle de toda a Faixa de Gaza e potencialmente “enfrente a aniquilação”.
Em um artigo feito para a revista americana Tablet Magazine, Abraham Wyner, professor de Estatística e Ciência de Dados na Universidade da Pensilvânia, também analisou os números das autoridades de Gaza, ligadas ao Hamas, e concluiu que as cifras oficiais de baixas civis são “estatisticamente impossíveis”. Ele apontou para a regularidade quase “metronômica” no aumento diário das baixas relatadas pelas autoridades de saúde do enclave palestino, sugerindo que os números podem não ser reais.
Wyner também aponta que a falta de correlação entre o número de mulheres e crianças mortas e o número de homens mortos contradiz as expectativas baseadas na natureza dos conflitos.
Outras anomalias nos dados, segundo Wyner, incluem contradições nos números reportados e uma proporção desproporcionalmente alta de mulheres e crianças entre as maiores vítimas, o que levanta suspeitas sobre a precisão dos dados do Hamas.
Wyner pontua que a verdade sobre o total de vítimas civis no enclave palestino é incerto e “provavelmente nunca será conhecido”. Ele afirma que evidências sugerem que os números apresentados pelo Hamas podem estar inflacionados.
Para Alexandre Pires, especialista em Relações Internacionais e Economia do Ibmec de São Paulo, a credibilidade dos dados sobre as vítimas do conflito em Gaza, fornecidos pelo Ministério da Saúde do Hamas, é questionável.
O especialista mencionou em entrevista à Gazeta do Povo que a falta de uma estrutura de medicina legal confiável e o acesso limitado de médicos e observadores estrangeiros aos dados do Ministério do Hamas contribuem para a desconfiança nesses dados.
“Não existem métodos para aferir a autenticidade dos dados do Hamas”, afirmou ele.
Pires sugere que o Hamas “pode sim estar distorcendo informações para fins políticos”, intensificando os números para refletir uma taxa de mortalidade desproporcionalmente alta em comparação com outras zonas de conflito.
O professor ressaltou a importância de se tratar os dados do Ministério de Gaza do Hamas com cautela, considerando que eles são produzidos por uma das partes que estão "envolvidas diretamente no conflito e possuem interesses".
Ele comentou que os grandes veículos de comunicação divulgam os números “por serem os únicos disponíveis”, mas observou que sempre deve ser citado que tais números provém de uma pasta governamental que é controlada pelo Hamas.
O especialista ressaltou que em zonas de conflito como em Gaza, onde há uma mistura entre população civil e terroristas do Hamas, o número de mortes pode ser realmente alto. No entanto, segundo ele, tais números só poderão ser esclarecidos e confirmados de fato quando o conflito se encerrar.